Os Jogos De Annie Cresta escrita por Annie Azeite


Capítulo 10
IX — Sono sem sonhos


Notas iniciais do capítulo

“Ele nunca solta a mão de Annie. Nem quando estão andando, nem quando estão comendo. Duvido que ao menos cogite a possibilidade.” Katniss sobre Finnick e Annie, em A esperança. Página 259.



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Após o hino, os tributos voltam em fila para o salão do Centro de Treinamento e para os elevadores. Avisto Finnick acenar enquanto se desvencilha da imprensa. Faz sinal para que eu me aproxime e, logo, o faço.

— Você foi encantadora — ele me parabeniza. — Minha favorita, não é?

— Pois é. Fui pega desprevenida! — Sorrio sem graça. — Não sabia se tinha permissão para falar sobre nós.

— Você fez bem. Os boatos já circulam e as coisas ficam mais interessantes quando não são confirmadas. As pessoas estão curiosas a respeito de você e de nós. Isso é bom. Curiosidade traz atenção e, com atenção...

— Vêm os patrocinadores — completo.

— Exatamente — diz enquanto bagunça o topo do meu cabelo. — Está ficando esperta, peixinho.

Ele envolve minha cintura com uma das mãos e me conduz para o lado, fazendo com que eu entre no foco de uma das câmeras que cobrem o final do evento. Eu já estou um pouco cansada de ter cada movimento registrado, contudo, sorrio novamente para as lentes.

— Atenção é tudo, minha querida Annie — ele sussurra em meu ouvido e se curva para encostar nossos lábios, bem ali na frente de todos.

As pessoas ao redor nos observam, algumas cochicham, outras apontam. Ele me beija novamente e eu correspondo com a mesma intensidade, agarrando os fios de cabelo em sua nuca. Alguns segundos depois, ele afasta o rosto devagar e finge surpresa ao avistar a câmera.

— É assim que Finnick Odair rouba os holofotes! — verbaliza discretamente entre os dentes, sem desfazer o sorriso para o público. Ninguém, além de mim, está perto o suficiente para ouvi-lo.

Entramos no elevador deixando uma multidão entusiasmada para trás. Todos os outros tributos já se foram, portanto, subimos sozinhos para o nosso andar.

— O que foi aquilo? — pergunto curiosa.

— Aquilo foi “Annie Cresta, a favorita de Finnick” — ele imita a entonação de Caesar ao recitar o bordão.

Eu rio da brincadeira e ele me acompanha. Nossas risadas ecoam em uníssono pelas paredes de metal enquanto o numero do andar se alterna no painel. O som é harmônico e natural, como naquele dia da praia antes da Colheita. Uma época em que ter um ao outro bastava.

— É bom levar um guarda-chuva! — ele brinca. — Choverão dádivas para você!

— Não parece muito justo! — debocho e, assim que as portas se abrem, eu o acompanho pelo corredor.

— Realmente, não é justo... E você já foi bem injusta com as demais, pobrezinhas...

— Eu fui?

— Ora, Annie, não seja tolinha. — Bufa como se eu não percebesse a verdade mais óbvia do mundo. — Você ofuscou todas as outras. Era, sem dúvidas, a mais bonita.

Lembro da garota do um em seu vestido perolado justo. A pele morena contrastava com o tecido claro e os músculos de seu corpo eram bem mais trabalhados que os meus, realçando sua silhueta feminina. Eu não poderia competir com aquilo. Não sem a ajuda de minha estilista.

— Ocella fez um bom trabalho.

Finnick revira os olhos.

— Claro, Ocella...

Ao dobrarmos o corredor, topamos com Éolo Babity que parece se assustar brevemente com a nossa presença.

— Senhorita Cresta, Senhor Odair... — Cumprimenta de forma sucinta e retoma sua caminhada apressado.

Respondemos à saudação com acenos de cabeça e, assim que não vejo mais as plumas de seu chapéu na quina do corredor, sussurro para Finnick:

— Ele sempre foi estranho assim?

— Mais ou menos — Finnick franze o nariz numa careta e empurra o grande portal com a insígnia do nosso distrito. — Éolo ficou pior quando eu o peguei me espiando no banho.

— O que?

Não consigo segurar o riso e acabo soltando uma gargalhada bem mais alta do que eu pretendia. Isso explica por que o mestre de cerimônia vem nos evitando desde que cheguei aqui. Ele até faz o tipo dos que gostariam de ver Finnick sem roupa, mas quem não faz? Abafo outra risada, o que instiga um pouco o meu mentor.

— No que está pensando, Annie?

— Nada... — desconverso.

No jantar, comemos assado de peru ao molho de maracujá e legumes gratinados. Autorizo que um avox sirva um pouco do vinho em minha taça e, por mais que me observem relutantes, nenhum dos meus mentores se opõe. Tomo apenas um gole da bebida e a sinto queimar pela garganta. Infelizmente, não traz alívio algum e desisto de bebê-la.

Assistimos à retrospectiva das entrevistas no hall comum dos aposentos. Posso observar uma jovem de cabelos escuros e vestida em ondas tentando ocultar o seu nervosismo. Pareço tão pequena e frágil ao lado das outras carreiristas que minha nota sete acaba se tornando muito alta comparada ao nove da garota robusta do distrito dois. Aestate Bagiot — nome que, só agora, descobri — é quase tão larga quanto Taurus e tem uma voz rouca demais para uma garota. Já ouvi falar de drogas que podem tornar uma mulher mais masculina e, se elas realmente existem, tenho certeza de que Bagiot as usou.

Minha entrevista acaba sendo pouco satisfatória. Assisto-me ruborizar na tentativa mal sucedida de parecer indiferente ao comentário de Caesar sobre Finnick e, praticamente, menosprezar a estadia na Capital enquanto todos a glorificam. Noah se sai melhor do que eu nisso, com a sua história sobre a adorável namorada que o aguarda em casa e como vencerá por ela. Quem não torceria pelo jovem apaixonado que deseja retornar para seu amor? Foi uma ótima sacada, eu devo admitir... Mas ele não possui o queridinho da Capital ao seu lado!

Mais tarde, em meu quarto, Finnick conta como todos só estão falando da “Doce e linda Annie Cresta” e como “nem mesmo o famoso Finnick Odair resiste aos seus encantos”. Eu não poderia ficar mais satisfeita com o resultado. Meus patrocinadores não podem me resgatar daquela arena, mas são uma ajuda extremamente valiosa. Talvez as chances voltem a estar ao meu favor.

— Você precisa descansar agora — orienta meu mentor.

Ele me acomoda na cama como se eu fosse uma criança pequena e cobre minhas pernas com a colcha. Eu sei que eu preciso descansar. Poucas horas bem-dormidas podem ser a diferença entre a vida e a morte na arena. Necessito recuperar as minhas energias enquanto ainda está em tempo. No entanto, de que forma poderia fazê-lo? Como desligar a minha mente de tantas preocupações? Não consigo parar de imaginar os desafios que me aguardam amanhã.

— Eu tenho uma coisa para você. — Finnick remexe o bolso da frente e me entrega um pequeno frasco contendo um líquido púrpura translúcido.

— O que é isso?

— Consegui aqui na Capital, fará você dormir — explica calmamente. — Só precisa beber.

Eu não tenho certeza se desejo passar as últimas horas ao seu lado dormindo. Isso fará com que a nossa despedida chegue mais rápido. Contudo, se desejo retornar viva — e vê-lo novamente —, preciso estar descansada amanhã. Entorno o líquido brilhante em minha garganta e sinto o gosto amargo de remédio.

— Traz um sono sem sonhos. — Ele beija o topo da minha cabeça.

Ou pesadelos, completo mentalmente.

Não sei em que momento fecho os olhos, mas quando os abro, as luzes externas já se alastram por todo o quarto, tornando cada canto iluminado. O remédio era eficiente e não me recordo de sonho algum da noite anterior. Visto a muda de roupas que Ocella deixou sobre a cômoda e subo com Finnick para o terraço. Ele segura a minha mão o tempo todo e durante o percurso inteiro sem que eu precise pedir ou lembrar. O aerodeslizador se aproxima e abomino o momento cada vez mais iminente de desprender nossos dedos entrelaçados. Aspiro seu perfume adocicado, tentando guardá-lo em minha memória. Ele não pode me acompanhar mais do que isso e o resto da viagem seguirei sozinha.

— Não se envolva em nenhum combate desnecessário na boca da Cornucópia, deixe que os outros carreiristas façam o trabalho por você — Finnick me aconselha. — Eles não vão machucá-la, precisam de você e das suas dádivas na arena. Mags conseguiu a Aliança para você e Noah. Brutus e Cashmere concordaram e orientarão seus tributos para aceitá-los.

— Certo — eu assinto. — E depois? Continuo no bando?

— Sim — diz um pouco relutante —, mas fuja antes de se virarem uns contra os outros. Você pode deixar uma mochila preparada com alguns suprimentos desde o início, esconda-a ou mantenha ao alcance. E, na hora de se separar, você terá o essencial.

— E quando é a hora certa de fugir?

— Você saberá. Só não espere que os demais competidores tenham morrido para fugir. Precisa agir primeiro. Eu posso tentar enviar algum sinal.

— Como o que?

— Não sei. Algo que você reconheça. Temos a vantagem de nos conhecermos bem, isso ajuda na comunicação.

— Tem razão — concordo. — Obrigada por tudo, Finn.

O aeroplanador finalmente pousa e desce as escadas automáticas. Minhas mãos tremem sob os dedos de Finnick que continuam a me envolver com veemência. Ainda assim, desfaço o aperto e enxugo o suor das palmas na lateral da calça.

— Escute, Annie... — Ele suspende minha cabeça pelo queixo, para que eu não desvie o olhar. — Eu não vou mentir e dizer que será uma experiência agradável. Talvez chegue a hora em que você pense em desistir e ache que nada mais vale a pena, mas não faça isso. Está me entendendo? Não desista. Você não pode se dar por vencida.

— Não vou desistir...

— Promete?

— S-sim — respondo relutante. — Eu prometo, Finn.

— Certo. Vença por mim como venci por você e, quando isso tudo terminar, eu estarei aqui fora esperando, está bem? — Ele encosta nossos lábios. — Você ainda me deve um segredo. Irei cobrá-lo quando voltar.

Uma mulher impaciente desce as escadas e me apressa para embarcar.

— Quero que leve isto com você. — Finnick estende um cordão com um pingente de metal retorcido que se assemelha aos túneis internos de um búzio. — Sei que demorei para entregar, mas eu não encontrava a hora certa...

Reconheceria o trançado da linha em qualquer lugar. Foi feito por mim, quando ainda criança, os nós tão amadores que nem parecem meus. É o colar com que presenteei Finnick há cinco anos — um pouco antes de seus jogos — e que ele, surpreendentemente, guarda consigo até hoje. Era sua única lembrança de mim na Arena, o totem que retornou de lá após sua vitória. E agora será o meu.

— Obrigada, Finn. — As lágrimas escorrem sem autorização e trocamos um último beijo salgado.

Pacificadores se aproximam para me levar. Não quero soltá-lo, mas eles nos separam à força e me conduzem até a escada. Subo os degraus hesitante, olhando para trás por cima do ombro. As portas da nave se fecham lentamente e posso admirá-lo por alguns instantes — imóvel, ereto, em seu semblante abatido — até que as duas metades finalmente se encontram e o cinza do metal se torna minha única visão.

— Adeus, Finnick — despeço-me num sussurro.


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Notas finais do capítulo

O colar é o que Finnick usa no filme (clicar na palavra colar para ver)

Aestate é tradução do latim para verão. Bagiot é uma homenagem ao Bilbo/frodo baggins. Como vi que alguns ficaram em dúvida, se pronuncia "béguiot"
E ai, peixinhos? Ansiosos para arena?
— Azeite.



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