A Grande Busca escrita por Rebeca Bembem


Capítulo 9
Leio o misterioso bilhete durante o fim do mundo.


Notas iniciais do capítulo

OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOIE O/
Eu demorei de novo pra escrever esse, mas me esforcei pra deixar o final bem top U_U espero que gostem o/ té mais
e deixem reviews hein! Runf!



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Encostei a porta da cozinha e presenciei uma cena que podia jurar que nunca viveria para ver. Eu tinha três garotas vestidas em armadura simples de couro e aço carregando armas mortais na cozinha da minha casa. Normal.Super normal. Tão normal quanto ter um colar mágico que abre um portal pra outro mundo e cura feridas. Tão normal quanto o fato de ter três lobas vindas de 'longe' pra me 'proteger'. Estava começando a ficar tonta com tanta informação a ser digerida, e pra evitar cair ou desmaiar - já me sentia vazia de novo, a fome voltara pra me fazer companhia - puxei uma cadeira pra perto, sentei e tentei absorver o que via diante de mim.

Acho que depois de tanto ler livros de fantasia medieval, acabei me acostumando com toda aquela coisa de aço que cobria o corpo dos homens em batalha, e achava simples essas peças de couro e aço que as garotas usavam. Mas qualquer pessoa mentalmente sã saberia dizer que elas não eram nada simples. Quero dizer, Lyanna, a que parecia ser a líder do grupo, alta, cabelos castanhos e grandes olhos amendoados também castanhos carregava uma espada.Uma espada. E ela era uma loba.Loba. Eu vi com meus próprios olhos a cena mais linda do mundo enquanto elas se transformavam. Uma voz em minha cabeça gritava:Isso não é normal, não, não, elas são loucas, você está ficando louca, o mundo enlouqueceu, não, não, Alice, volte pra sua bolha de 'normalidade', anda, vai logo. E outra, muito mais alta dizia:Realidade, pra quê? Você não tem pais, avós ou irmã, apenas um amigo de infância que não parece suficientemente forte e preparado pra te ajudar a pegar sua irmã de volta.Toda essa história de: magia, energia, universo alternativo e lobas com armas mortais, pareciam assustadora à primeira vista, mas, se eu calasse as vozes da razão dentro de mim e me concentrasse no sentimento, eu não podia negar que estava amando aquilo tudo.

Eu poderia finalmente me sentir protegida, em paz. Havia três lobas armadas na minha cozinha dispostas a me proteger não sei do quê. Não que eu gostasse de ser protegida, como uma garotinha assustada. Não, pelo contrário, sempre preferi fazer tudo sozinha, e nunca aceitei que me tratassem como coitada. Mas pela primeira vez desde a morte dos meus pais e avós eu me sentia... Acolhida. Nunca havia pertencido realmente à qualquer grupo em qualquer lugar. Desprezava demais os riquinhos metidos pra tentar ser um deles. Era muito inteligente na escola pra ser uma garota ' legal'. Tinha nojo demais dos que viviam em suas bolhas de futilidade achando que o mundo é feito de internet pra largar meus livros. Nunca quis ser aquela garota popular que sai nos fins de semana e pega todos. Ou fazer parte daquele grupo dos 'bonitos' que todos querem imitar. Nunca quis ser amada por todos, venerada, nunca quis ser ídola, popular ou conhecida. Sempre quis lá do fundo da alma, apenas... ser aceita.

Sentia que não fazia parte dessa época, desse século XXI. Era modernidade demais, era rapidez demais, pressa demais, futilidade demais, sentimentos de menos. Não gostava disso. Era mais à moda antiga, sempre fui clichê. E finalmente eu sentia que havia uma explicação pra isso. Aquelas garotas não estavam ali por acaso, e eu estava fascinada demais por suas armas pra temê-las. Elas também não eram dessa época. Ninguém do século XXI usa armadura. Sentia-me bem, mais leve. Confusa, mas não importava mais. A verdade viria com o tempo... e minha irmã também. Senti um aperto no estômago e não aguentei mais o meu silêncio enquanto via Raquel conversando com Lyanna, Nymeria e Katy e Pedro sentado sorrindo pra elas. Hugo se sentou ao meu lado, mas continuou calado.Acho que perdeu a língua, pensei.

– Vocês sabem onde minha irmã está? - perguntei, não aguentando ficar quieta.

Nymeria se virou pra mim e as outras pararam de falar. Todas tinham as sobrancelhas franzidas e expressões sérias e solenes. Eu me senti mais confiante, mesmo sem palavra alguma, como se aquelas expressões mostrassem que elas estavam prontas pra luta, e eu, de alguma forma, me senti assim também.

– Temos uma ideia - disse Nymeria, sentando-se na cadeira à minha frente, com Raquel, Katy e Lyanna às suas costas. - Sabe, temos uma vaga ideia de onde ela possa estar.

– É por isso que estão aqui? Pra me levar até ela e acabar com tudo isso? - quis saber.

– Também - respondeu Lyanna, a mãos apoiadas nas costas da cadeira de Nymeria. - Estamos aqui para levá-la à um lugar seguro, protegê-la, como é nosso dever e honra.

– Me levar pra onde? Por que é o dever de vocês? Só quero minha irmã de volta, então se vocês tem uma ideia de onde ela esteja, mesmo que seja vaga, eu não me importo, quero saber o que posso fazer pra ajudá-la, não aguento ficar aqui no conforto enquanto ela pode estar morrendo! Se vocês estão aqui pra me ajudar, ajudem! - não queria que ninguém me visse naquele estado, com lágrimas nos olhos, quase entrando em desespero, mas queria que soubessem que eu me preocupava sim, com minha irmã, e havia um vazio em mim onde ela estava antes de sumir.

– Entendo seu desespero. Se minha irmã bonitona aqui sumisse também ficaria boladona - disse Katy com um meio sorriso sarcástico nos lábios. Nymeria deu um tapa na mão dela com a mão direita sobre o ombro esquerdo. - Desculpe a brincadeira, não gosto de climas pesados. Estamos aqui pra te ajudar sim, e vamos fazer isso. Queremos te levar até onde achamos que sua irmã está. Mas é perigoso.

– O lugar não é usado frequentemente - Lyanna disse séria. - É como um quartel-general mas não há uma organização que tenha ele como sede - ela abriu a boca pra falar alguma coisa, mas logo a fechou novamente e fez cara de quem finalmente percebeu algo. - Até onde você sabe?

– Hã? - eu disse, automaticamente. - Quer saber quanto do que está acontecendo eu não ignoro completamente? Ah tá - tentei não soar sarcástica e usei minhas forças pra tentar ser educada, até porque já passara a gostar muito delas -. Bem, sei que tenho um colar mágico que junto com outros seis abre um portal pra uma dimensão paralela. Sei que tem uma mulher por trás disso tudo, sei que esse plano é bom pra alguns mas ruim pra outros, só não sei direito porque. Sei que minha irmã sumiu porque havia pessoas atrás dos nossos colares. E também sei que ambos os colares sumiram.

– Sumiram? - disse Nymeria como se todas as outras coisas que eu disse antes fossem super normais comparadas ao terrível sumiço dos colares - Isso é ruim.

– Mas não é o pior - disse Lyanna.

Isso ajuda muito, eu pensei.

– Essa mulher... Vic... - Nymeria fez cara de confusa ao falar, e parou, olhando para o chão como quem não entende o que está falando.

– Ela... Essa Vic... - Katy também parecia confusa, olhava pra irmã e franzia a sobrancelha.

– Por um momento parecia que eu ia falar outro nome. Quase chamei Cersei de Vic... - começou Nymeria, ainda olhando para o chão, meio perdida.

– O nome dela é Cersei - Lyanna tentava soar confiante, mas no fundo dos seus olhos amendoados vi que ela também estava perdida.

Tem alguma coisa errada, eu pensei. Além do usual, é claro.

– O que tem ela? - quis dar continuidade à conversa.

– Acho que sabemos pra onde ela levou sua irmã - continuou Lyanna, agora com sua solenidade habitual.

– Esse quartel-general que você falou? - perguntei.

– É - disse Nymeria, agora olhando pra mim, com seus profundos olhos verdes.

– Onde fica isso? - perguntei.

– Eu acho que sei do que vocês estão falando - a voz de Hugo não era ouvida à tanto tempo que levei um susto quando a ouvi, meio rouca. Ele não olhava pra mim, mas para as meninas, e tentava ao máximo não olhar pra Pedro.

– Então expliquem. Vamos, temos que ser rápidos - eu tinha pressa, e queria resolver tudo aquilo o mais rápido possível.

– Ela tem razão meninas - disse Katy - Temos um prazo. Lembram? Temos que levá-los à Toca o mais rápido possível.

– Toca? - eu e Hugo perguntamos ao mesmo tempo.

– É à toca e ao quartel pra pegar Manoela. Depois mais nada. São as ordens - disse Lyanna olhando pra Katy.

– Ordens? - eu e Hugo perguntamos de novo, sendo totalmente ignorados. De novo.

E então um estrondo me fez pular na cadeira. A porta dos fundos se abriu e uma ventania entrou, jogando os cabelos das meninas-lobo que estavam bem em frente à porta pra trás. A porta bateu com toda a força na parede e gotas de uma chuva feroz entraram na minha casa. Pedro levantou e começou a tentar fechar a porta. Hugo ficou sentado por uns dois segundos processando se ajudaria ou não, até que eu levantei e fui ajudar Pedro. Só então ele me seguiu. Ficamos totalmente encharcados enquanto usávamos toda a força pra vencer o vento e tentar fechar a porta. Finalmente conseguimos. Quando viro para ver se todos estão bem, escorrego no chão molhado e quase caio de cara no chão, mas Nymeria, já em pé, me segura com um único braço e me põe de pé.

– Cuidado por onde anda mocinha - ela me diz, com um sorrisinho.

– Claro. Obrigada. Por evitar que eu esmagasse minha cara no chão - respondi, ajeitando as roupas e o cabelo e retribuindo o sorrisinho.

Ela acena com a cabeça e segue Lyanna e Katy até a sala, onde vejo pelo corredor que estão fechando as janelas. Se minha avó estivesse aqui, pensei, já teria fechado tudo quando sentisse um cheirinho de chuva. Raquel fez um aceno com a mão, como que me chamando pra conversar. Cheguei perto dela, ela puxou minha mão e começou a correr pelo corredor, seus cachos ruivos quase me cegando.

– Pra onde vamos? - perguntei, em meio à onda vermelha de cabelos.

– Fechar as sacadas dos seus quartos ué. Ou quer deixar eles todos alagados? - viramos à direita para subir o lance de escada, dois degraus por vez.

– Ah é. Verdade - eu sempre me esquecia desse detalhe, e meu quarto sempre alagava nas chuvas fortes, pois eu ficava na sala conversando em baixo das cobertas com Manoela enquanto o mundo caía lá fora. Na minha casa antiga, onde morava com meus pais, nunca precisamos fechar as janelas, mamãe sempre fazia isso por nós. Senti uma pontada de saudades e reprimi um soluço. Mamãe saiba que sinto sua falta. Eu amo você, e papai também, murmurei pra mim mesma, esperando que ela ouvisse e me perdoasse por ser tão egoísta e medrosa.

Chegamos ao quarto e o encontramos alagado. Que beleza, eu pensei. A água cobria todo o chão e escorria para o corredor, mas graças à Deus não molhara a cama ou a cômoda. Levantei a pequena cômoda e a coloquei em cima da cama, sentindo o uivo do vento frio em meu rosto e tremendo naquela camiseta azul e shorts curtos que pingavam.Não sei como não peguei uma gripe ainda, pensei. Dois dias, duas vezes encharcada. Maravilha. Raquel não teve muita dificuldade em fechar a porta de correr de vidro da sacada. Então eu corri pro quarto de Manoela e também coloquei sua cômoda em cima da cama enquanto Raquel fechava a porta. Sentei em sua cama e analisei o quarto ao redor. Fotos de nós duas, nossos pais e avós, pôsteres de bandas de rock e recados da escola estampavam a parede da porta que dava ao corredor. Olhando para aquelas fotos senti uma nostalgia imensa.Eu vou trazer você de volta, murmurei pra mim mesma. Nem que eu morra tentando, ninguém tira você de mim.

Levantei e segui para o meu quarto, mas antes tirei uma foto da parede. Eu e ela, com cinco anos, um ano antes de nossos pais morrerem. Duas garotinhas inocentes e felizes, sorrindo pra câmera, abraçadas, os cabelos castanhos embaraçados e ao vento. Meus olhos castanhos brilhavam de travessura e alegria assim como os verdes de Manoela. Mamãe tirou essa foto, lembrei. Quando a gente foi ver o Cristo Redentor. Estávamos ainda na base do morro e era possível ver as enormes escadas e a multidão atrás de nós. Era quase natal.E agora também, Alice, é quase natal, eu disse à mim mesma.Não vai deixar que este acabe sem ela, vai? Não, foi minha resposta.

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Sentei na minha cama, tremendo de frio, enquanto Raquel tirava um cobertor do armário e nos cobria. Encostei a cabeça em seu ombro e fechei os olhos. Entendi porque ela havia me trazido pra cima. Pra ficar sozinha. Sabia que apreciava o silêncio e a paz em momentos difíceis. Olhei pra ela e sorri a foto bem segura em minha mão.

– Obrigada - murmurei.

– De nada, amiga - ela me abraçou. Fiquei abraçada com ela por quase um minuto, quando me soltei. Então ela falou:

– Alice, eu sei que não devia estar me intrometendo, mas não pude deixar de reparar que você tem uma... Pista - vendo minha cara de confusa, ela continuou - Um bilhete. Eu o vi jogado na grama lá no jardim.

– Ah! Verdade! Meu Deus! Quase me esqueci dessa coisa! Obrigada por me lembrar - então eu tirei o bilhete do bolso, o papel quase desfalecendo de tão molhado.

O papel era pequeno, mas grosso e amarelado. Parece pergaminho, eu pensei. Era pequeno também, maior de comprimento do que de altura. Desdobrei-o com o maior cuidado, colocando-o sobre meu joelho. Em uma caligrafia pequena, mas bonita e elegante e com uma tinta preta escura, o bilhete trazia as seguintes palavras:

''Sei que procura por sua irmã. Sei que está em desvantagem. Eu também estou. Pode pensar que seus amigos sabem bem o que estão fazendo, mas eles não sabem. Há uma carta nova nesse jogo, e se seguir as jogadas deles, vai acabar perdendo-a. Temos seus colares, temos sua irmã. Eu tenho a resposta para sua pergunta, um caminho mais curto para seu destino. Encontre comigo às duas da tarde no Café Rio. Seu amigo sabe onde é. Se faltar, perdeu a chance. Se contar para alguém ou tentar alguma armadilha, acredite, eu saberei. Estou tentando te ajudar, mas não dificulte as coisas, Alice. Ou sua irmãzinha Manoela pode sofrer as consequências.

Completamente sem amor ou carinho,

Bianca.''

Um arrepio frio percorreu minha espinha e o ar me faltou por um momento. As palavras foram lidas e relidas milhares de vezes e as frases pareciam entrar em mim como facas. ''Ou sua irmãzinha Manoela vai sofrer as consequências.''. Não queria analisar os prós e contras, nem parei pra pensar se Raquel havia lido ou não. Um barulho ainda mais alto ribombou na escuridão, e logo depois ela foi transformada em luz por meio segundo. O barulho da tempestade era ensurdecedor, mas não conseguia calar as vozes em minha mente.

– O que está acontecendo? - perguntou Pedro, parado e encharcado à soleira da porta.

– Eu bem gostaria de saber - disse, me levantando e dando à volta ao redor da cama pra encarar a chuva furiosa que escurecia ainda mais a noite sem estrelas lá fora.

Uma noite sem estrelas nunca é um bom presságio, meu vô costumava dizer. E naquele momento, eu acreditei em cada palavra.



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Notas finais do capítulo

E AEEEEEEEEEEEEEEEEE?
REVIEWS!



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