A Grande Busca escrita por Rebeca Bembem


Capítulo 5
Fugimos daquele que quer nos proteger


Notas iniciais do capítulo

Heey! Espero que gostem desse aqui *-* Reviews?



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Hugo foi mais rápido. Foi o que reagiu de maneira mais rápida a minha súbita aparição. Saiu do lado do pai ainda surpreso demais pra fazer alguma coisa e correu em minha direção, fazendo com que eu quase derrubasse as roupas que ainda segurava quando puxou meu braço direito.

– Ei! - eu gritei. - O que está fazendo?

– Corre Alice, corre se quer salvar sua irmã!

Por uma fração de segundo, eu pensei em estacar onde estava e exigir uma explicação, mas eu o conhecia bem demais pra fazer isso. Se ele me disse pra correr, significava que ia me explicar depois. Como sempre. Então eu corri. Nós corremos, enquanto Lúcio gritava às nossas costas coisas do tipo: ''Parem agora!'', ''Onde pensam que estão indo?''.

Eu não entendia nada do que estava acontecendo, mas logo me vi atravessando a longa sala de estar, entrando por uma porta que levava à cozinha e passando por outra que dava em um belo jardim de fundos. Os arbustos muito bem cortados e as vivas rosas vermelhas eram encobertas pela fina névoa.  O sol espreitava por entre as nuvens, tentando de alguma maneira acabar com aquela luminosidade nublada que cobria o Rio de Janeiro nos últimos dias, mas sem sucesso. Sentia o vento forte nas minhas roupas, o hálito gelado que precede as chuvas fortes fustigava meu rosto. Viramos à esquerda enquanto Lúcio saia da cozinha ainda gritando.

– Não posso acreditar que estão fazendo isso! Onde pensam que vão, seus loucos?!

Então, Hugo parou de correr, quando já estávamos quase perto do alto portão branco - o quê me fez esbarrar nele com toda a força, pois não esperava aquela parada súbita - e gritou ao seu pai, sua voz ecoando pelo vento forte até alcançá-lo.

– Eu não posso deixar essa oportunidade passar. E não posso deixá-las sozinhas nisso. E se você não quer me ajudar, vou fazer isso sozinho.

Parecia que Lúcio finalmente havia entendido. Com a feição mais surpresa que eu já vira até aquele momento ele não disse nada por uns segundos. Apenas abriu a boca, em sinal de total incredulidade, uma enorme ruga de descrença em sua testa, sem conseguir impedir que eu e Hugo continuássemos a correr, seus desalinhados cabelos envelhecidos pelo tempo tirando-lhe a visão. Eu já não obedecia a nenhuma ordem direta do meu cérebro. Minhas pernas se moviam sozinhas, eu não fazia a menor ideia de para onde ir, não tinha a mais remota suspeita do porquê de estarmos fazendo aquilo, apenas segui Hugo. Nós chegamos ao portão, que estava aberto (!) e saímos para rua.

Ela estava calma, sem carros, sem pessoas, nada. A quietude da rua me fez pensar por um segundo se eu não estava sonhando, perdida em algum lugar distante, presa em um simples pesadelo do qual acordaria logo, com Manoela ao meu lado e todas as outras pessoas normais do mundo vivendo suas vidas normais. Foi só quando vi um carro saindo de uma garagem do outro lado da rua foi que percebi que não estava sonhando, mas a calmaria da rua ainda me causava arrepios.  E somente quando ele virou à esquerda e me arrastou pela calçada é que eu entendi pra onde estávamos indo. O vento aumentava cada vez mais, sacudindo nossas roupas e cabelos, fazendo as folhas das árvores caírem ao nosso redor, como se estivéssemos em um belo e corriqueiro outono e nada tivesse mudado. Estávamos indo para o único lugar que formava uma exceção naquela rua, o lugar que por si só alterava a imagem de normalidade que ela tentava passar: minha casa. Apenas por desencargo de consciência, perguntei, tendo que gritar para ser ouvida:

– É impressão minha ou estamos indo pra minha casa?

– Não, não é só impressão sua! - gritou ele em resposta.

Interpretei isso como um sim, enquanto ouvia outros gritos, vindos de trás, a voz chegando fraca e quebrada depois de atravessar a cortina de névoa e vencer o forte barulho do vento que zunia em nossos ouvidos. Virei-me a tempo de ver Lúcio correndo atrás de nós.

– Hugo, porque estamos fugindo dele?! – perguntei, desconcertada pelo olhar de pura preocupação no rosto desgastado pelo tempo de um jovem homem destruído.

– Porque se ele não quer nos ajudar, eu ajudo vocês! – ele gritava, apertando minha mão e me instando a correr mais rápido, pulando raízes de árvores e desviando de buracos na calçada.

– Consegue explicar melhor?! – eu perguntei, minha garganta já doendo de conversar naquele tom, enquanto quase caia em cima de Hugo por não ter visto uma rampa na calçada.

– Não agora! – ele disse, enquanto me puxava para que não me espatifasse no chão.

Continuamos a correr em direção à minha casa, o zunido do vento cada vez mais forte e a névoa cada vez mais densa. Finalmente paramos em frente ao portão de entrada. Estava fechado. Estaquei por um momento, parada no lugar, pensando por um instante se não deveríamos reconsiderar essa ideia maluca de fugir daquele que queria nos proteger. Olhei para o lado e vi Lúcio chegando cada vez mais perto, ofegante. Ele parecia mais do que nunca, cansado. Hugo olhou pra mim com cara de quem diz: ''Anda!'' Mas eu não tinha certeza do que estava fazendo, não parecia certo ignorar os conselhos de alguém como Lúcio, que só parecia preocupado com nosso bem estar. Não tive tempo de concluir o pensamento. Quando Lúcio parou para respirar um pouco mais, apoiando uma mão no joelho e com a outra pedindo para que parássemos, Hugo me sacudiu pelos ombros, os olhos cinza arregalados de pressa e o cabelo negro descontrolado.

– Pega logo a chave e abre o portão, Alice! – ele gritava

– Mas eu não tenho chave! - disse, indignada, saindo do meu devaneio. Como ele esperava que eu estivesse com a chave se eles me encontraram caída no meio da avenida? Homens.

Enquanto isso, Lúcio se preparava para correr de novo, dessa vez olhando pra Hugo com um toque de raiva nos olhos cinza escuro. Logo estaria perto o suficiente para lhe dar uma boa surra que qualquer garoto rebelde merecia. E você vai junto, Alice, uma voz me dizia no fundo da mente. Olhei pra Hugo e por um instante vi dúvida em seu olhar, juntamente com algo que me dizia: “Por que não confia em mim?” Mas o problema era que nem eu mesma podia responder. Ele me sacudiu de novo pelos ombros, e pelo canto do olho pude ver Lúcio a menos de dez metros de nós.

– Como você não tem a chave?! Temos que ir logo, eu vou ajudar vocês, mas tem que ir logo! – ele gritava. E foi quando decidi que confiaria nele, simplesmente porque não tinha uma opção melhor. Não tinha quem mais me ajudasse. E muito menos tempo.

– Simplesmente pelo fato de você e seu querido pai terem me atropelado! Acha mesmo que quando corri atrás dos homens que pegaram Manoela eu parei e pensei: ''Poxa, é melhor eu guardar essa chavezinha no bolso, porque o Hugo pode aparecer pra me atropelar!'' – disse, irritada.

– Tá, tá, tá bom. Então vamos ter que pular o portão! – disse ele enquanto fazia “pezinho” com as mãos para que eu me apoiasse.

– Como? – perguntei incrédula.

– Pular o portão, surda!

Ele não esperou uma resposta, simplesmente apontou pro seu pai, que chegava perigosamente perto com sua expressão furiosa, e grunhiu enquanto fazia de novo ''pezinho'' com as mãos. Respirei fundo, e sem pensar muito, apoiei meu pé direito em suas mãos e coloquei o esquerdo em uma das grades do portão. O vento era tão forte que me desestabilizava um pouco e por isso tinha que me segurar com todas as forças no portão branco. Joguei minhas roupas que eu ainda segurava para o outro lado por entre as barras do portão, enquanto ia trocando os pés de grades. Com o corpo todo tremendo tanto de frio tanto de medo de cair, respirava fundo a cada passo e só pensava em colocar um pé depois do outro, até ficar com a cintura acima do portão. Meu coração batia acelerado por ter corrido tanto, minhas roupas e meus cabelos eram fustigados pelo vento forte, que ameaçava em meu ouvido me derrubar na mais leve distração de minha parte. Minhas pernas pareciam pesadas demais para passar para o outro lado, tinham subitamente virado chumbo. Eu tinha certeza que a minha falta de coordenação ia me fazer cair, bater a cabeça e passar mais dois longos dias desacordada...

– O que está esperando? Passe a perna pro outro lado! Vamos, Alice, você consegue! - disse Hugo, já ao meu lado, no alto do portão. Podia ver que a altura deste e a força do vento também mexiam com sua suposta coragem. Via em seus olhos que tinha medo do que estava fazendo, e não tinha completa certeza se era o certo. Eu estava lá em cima, já tinha escolhido confiar nele, então não podíamos desistir ainda. Mas só de olhar pra baixo, para a estradinha de pedras feitas para o carro passar sem estragar a grama, e vendo que estava tão longe, não consegui me mexer.

– Eu... eu não... não consi... – gaguejei enquanto me segurava forte ao portão, temendo que o vento pudesse me arrancar dali.

– Consegue, é claro que consegue! – ele disse, os cabelos balançando ferozmente e os olhos brilhando ao olhar pra mim. Por um instante, ouvimos em silêncio as ameaças vazias de Lúcio vindas de baixo, apenas nos encarando. Eu tremia violentamente.

Foi então que, olhando pra mim, ele tentou passar a própria perna para o outro lado. Mas quando ele fez o movimento, algo muito estranho aconteceu. Sua perna simplesmente não passava para o outro lado. Parecia que havia uma parede invisível separando o lado de dentro e o de fora da casa, e Hugo não conseguia passar para o lado de dentro, por mais que tentasse. Por um momento, achei que fosse o vento o impedindo, mas o vento vinha do outro lado e quando o atingiu quase o derrubou, já que se apoiava em uma só perna. Meu coração parou por um segundo, mas vi-o recuperar o equilíbrio e tentar de novo. Novamente a barreira invisível o parou. Ele olhou pra mim com uma mistura de espanto e medo. Reuni forças para olhar pra baixo e vi Lúcio ali, bem embaixo de nós, ainda gritando. Com isso, tomei coragem e tentei passar a perna para o lado de dentro de minha casa, sentindo o hálito frio do vento forte no corpo todo.

Eu fechei os olhos, me segurei com as mãos no portão com uma força que desconhecia que tinha, temendo sentir a mesma parede invisível que barrara Hugo. Abri os olhos e olhei pra ele, que estava com as duas pernas do lado de fora, como antes, passei a perna, temendo o impacto... Mas não senti nada. Quase gritei de alívio, mas uma rajada forte me fez desequilibrar por um instante e o grito morreu na garganta. Segurei-me com mais força. Não fazia a menor ideia de como havia conseguido aquele feito se Hugo não havia, e ignorava os gritos de Lúcio vindo do chão, pedindo para que parássemos com aquela maluquice... Olhei pra Hugo e sorri, tentando passar uma estabilidade que não tinha e passei a outra perna, chegando ao outro lado, sã e salva. Suspirei aliviada, segurei a mão de Hugo e disse com os olhos que tentasse de novo. Ainda segurando minha mão e com uma expressão de medo no rosto, ele tentou de novo passar a perna... E conseguiu! Surpreso e apressado, ele passou a outra perna, e soltou minha mão para segurar as grades, sorrindo pra mim.

Passo por passo, nos forçávamos a não olhar para baixo e nem para Lúcio. Só pense no próximo passo, eu pensava. Não era isso que mamãe dizia? Um passo de cada vez ou vão acabar caindo. Ouvia a voz dela com uma clareza incrível em minha cabeça, mas não podia pensar nela, não com o vento me chacoalhando violentamente e ameaçando me derrubar. Chegamos, em fim, ao chão. Finalmente tinha terra firme sob os pés. Somente agora eu ouvia com clareza os gritos de Lúcio e começava a sentir medo do que eu e Hugo tínhamos acabado de fazer. Também era somente agora que o frio começava a me perturbar. Lá em cima, na adrenalina do momento, não o sentira com canta intensidade, mas agora, no chão, sã e salva ele me causava tremores. Peguei minhas roupas do chão e ouvi, com aflição, o que Lúcio tinha a dizer, quase não suportando olhar para aqueles olhos desolados pela incredulidade. Perdoe-nos, eu sussurrei em silêncio. Hugo, sentindo meus tremores e meu tiritar de frio, pôs o braço direito ao meu redor e me trouxe pra perto. Lúcio respirou fundo e olhou pra nós,  desacreditado. Mesmo com a voz calma e baixa, seu tom era imperativo.

– Parem com isso, agora! Voltem já aqui! Hugo, você não sabe do que está falando, tudo isso é muito perigoso! Meu filho, por favor, me escute! Não sabe o que está fazendo! Não sabe onde está se metendo! Pensa que pode contra eles, mas não pode meu filho! Alice, por favor, me escute!

Novamente, Hugo segurou em minha mão e me puxou pra irmos em direção a casa. Eu estava tão confusa que não sabia mais o que fazer e meu corpo já não me respondia mais. Mas antes de virarmos as costas, e antes que eu pudesse sequer falar com Lúcio, tentar explicar e pedir desculpas, Hugo já se dirigia ao pai, e pelo canto do olho pude ver que seus olhos brilhavam de tristeza.

– Eu não posso ficar parado, esperando que tudo fique bem de novo. Se eu não fizer nada, não vai ficar bem de novo! Queria que viesse comigo, mas eu sei que não vem. Eu te amo pai, e só quero que tudo fique bem outra vez. Perdoe-me.

E dizendo isso, com uma fina névoa a encobrir tudo e as nuvens acima de nós tão cinzas e carregadas quanto os olhos de Lúcio, Hugo me puxou para correr até a porta da frente do que já fora o que eu chamava de lar.


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Batemos na porta, e como eu esperava, não tivemos resposta. Eu tentava não pensar em como as súplicas de Lúcio haviam cortado meu coração, tentava não pensar em todas as vozes dentro de minha cabeça dizendo: “O que você fez foi irresponsável, devia ter obedecido à Lúcio, ele é o adulto.” Ou ainda, “Está completamente certa, ele não parecia muito disposto a te ajudar com a busca de sua irmã... “. Nenhuma dessas vozes me ajudava muito ou me mostrava o caminho certo, se é que havia algum. Eu não sabia o que estava fazendo, o que estava acontecendo, não sabia absolutamente nada.  Mas lá no fundo, eu tinha apenas uma certeza: Hugo estava disposto a me ajudar na busca por Manoela. E pelo que eu podia perceber, ele sabia muito mais que eu sobre com o que estávamos lidando. “Confie nele.” diziam algumas vozes. “Vamos, crie coragem pra lutar pelo que você quer”, “Ela é sua única família.”, “Ela não teria medo.”, “Ela não pensaria duas vezes antes de matar o mundo, procurando por você.” E foi pensando em Manoela, no amor que sentia por ela, na falta que ela me fazia e no medo que eu sentia de que algo ruim acontecesse com minha irmã que eu girei a maçaneta, descobrindo a porta aberta e entrando em minha casa, que certamente não estava do jeito que eu a deixei da última vez.



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Notas finais do capítulo

Gostaram? >.< reviiiiiiiiiiiiiews



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