Improváveis Vestígios escrita por Jaque de Marco


Capítulo 3
Capítulo 3 - Duas visões de uma guerra




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Já estava em frente ao espelho há alguns minutos. Não era feia, não mesmo. Tinha diversos pretendentes, mas nada muito sério. Apesar disso, algo a incomodava na sua aparência: os cabelos vermelhos. Não existiam muitos bruxos e bruxas em Hogwarts com o cabelo dessa cor. Joss pegou o pequeno frasco que deixara repousando na beira da banheira e analisou por alguns segundos a possibilidade de ter colocado algas demais na poção. Afastou a possibilidade de sua mente... Era, sem comparações, a melhor aluna do 6º ano.

Joss Atkinson tinha uma necessidade inexplicável por conhecimento. Sua habilidade intelectual era o que a destacava entre os demais bruxos, já que não era exatamente uma bruxa de posses. Apenas poucas pessoas sabiam que ela vivia na Mansão Malfoy e que seu falecido pai era um traidor do Lorde das Trevas. Para a maioria dos integrantes de Hogwarts, ela era mais uma estudante sangue-puro.

Ela passou as mãos por entre os longos cabelos ruivos como despedida. Logo estaria bem diferente, estaria igual às demais bruxas de sua turma. Ela tomou fôlego, tampou o nariz com os dedos e tomou toda a poção do frasco em um único gole. O líquido arenoso desceu por seu esôfago arranhando, o gosto era forte e ácido. Assim que ela levantou os olhos, assistiu a uma massa preta sair do topo de sua cabeça, cobrindo todo o comprimento do seu cabelo lentamente. E então lá estava ela morena.

- Caramba! – foi a única coisa que Joss conseguiu dizer após ver sua transformação completa.

Mal parecia que algum dia já fora ruiva. A partir daquele dia teria que preparar a poção frequentemente para dar o retoque na raiz. Joss terminou de se arrumar, colocando a saia de prega e a gravata com detalhe prata e verde. Estava atrasada para a aula de História da Magia.

Joss estudava na única casa de Hogwarts, a Sonserina. Esta, por ser uma unidade, se dividia em quatro durante os Duelos de Bruxos e no Quadribol. Já ouvira falar que há alguns anos as casas de Hogwarts funcionavam com outros nomes, mas nem sabia bem o porquê de tudo mudar.

A bruxa pegou seus livros e saiu apressada do dormitório feminino. Assim que se virou, viu Scorpius sentado em frente à lareira apagada com os braços cruzados e os pés batendo impacientes no chão.

- Não adianta reclamar, não pedi para você me esperar! – Joss se adiantou.

- Você fala como se eu não a esperasse sempre, além do mais... – e então ele parou alguns segundos, encarando os escuros cabelos da amiga – Pintou o cabelo, é?

- Não, tirei e troquei!

- Estressada! Deixa eu ver. – e ele se aproximou como se precisasse analisar de perto. Scorpius sabia fazer uma cara arrogante quando queria – Hum... Não gostei. Preferia antes.

- Como você é idiota!

Joss empurrou Scorpius, o que fez com que ele caísse, pulando as costas do sofá. De início ela sentiu um leve remorso, mas então se lembrou que era apenas Scorpius, ele merecia qualquer judiação.

- Vamos logo, Scorpius, estamos atrasados – ela estendeu as mãos para ajudá-lo.

Ele aproveitou as mãos estendidas de Joss para puxá-la, fazendo com que ela caísse sobre ele. Eles estavam com os rostos quase colados. Estranhamente, Joss sentiu-se desconfortável estando tão perto de Scorpius. Crescera ao seu lado, estavam juntos o tempo todo, mas aquela proximidade estava fazendo seu rosto corar.

- Está vermelhinha por quê, Joss?

- Vermelha? Impressão sua – Joss realmente nunca tinha reparado como os olhos de Scorpius eram bonitos. Tão azuis!

- Tenho que dizer, seu cabelo está muito cheiroso... – Scorpius foi se aproximando vagarosamente do rosto de Joss enquanto falava - mas continua horrível, na minha opinião.

Scorpius deu um sorrisinho debochado pouco antes de Joss sair de cima dele e derrubá-lo no carpete da sala comunal.

- Seu besta! Vamos logo, Nott vai nos matar pelo atraso!

Joss e Scorpius percorreram o caminho das masmorras até a sala de aula em menos de cinco minutos (um trecho que não levava menos do que dez minutos a passos tranqüilos em dias normais). Tentaram entrar sorrateiramente, mas assim que a porta foi aberta todos os alunos viraram, encarando com olhares de censura e deboche os dois adolescentes que entravam.

- Será que os pombinhos vão ficar na porta ou vão procurar suas carteiras, se sentar e me deixarão terminar? – Nott, com seus grandes óculos, arrastou o máximo possível sua frase e deu ênfase na palavra “pombinhos”.

Novamente Joss sentiu seu rosto corar, era a segunda vez no dia que ficava envergonhada por culpa de Scorpius. Isso era novo para ela, afinal ele era praticamente seu irmão, não? Ela se sentou rapidamente na carteira ao lado de Alex Rookwood. Nem quis olhar onde Scorpius se sentou, na verdade esperando que ele tivesse escolhido um lugar o mais longe possível dela. Retirou os livros, pergaminhos, pena e tinteiro da bolsa e começou a prestar atenção ao que o professor falava.

- ...e vocês acham que os Sangue-Ruins e Traidores do Sangue sentiam remorso? Nunca. Mataram muitos bruxos! Quem aqui não conhece alguém na família de vocês que nunca sofreu algum ataque daquela maldita Ordem de rebeldes?

Joss lembrou-se da noite em que Scorpius vira o corpo de seu pai. Pensou em procurá-lo com os olhos, mas a timidez falou mais alto.

- Salazar Slytherin era quem estava certo ao tentar expulsar os bruxos nascidos trouxas de Hogwarts, há muitos séculos. Era o melhor a ser feito. Imaginem, se eles não tivessem podido, desde aquela época, freqüentar a escola de magia, eles jamais teriam sido poderosos o suficiente para se rebelarem e, com isso, haveria menos mortes. Eles são perigosos! Por isso, precisamos ser muito gratos ao Lorde das Trevas por ter conseguido afastá-los nos últimos anos. Imaginem vocês hoje dividindo esta sala de aula com Sangues Imundos cheios de doenças. Haveria atentados todos os dias em Hogwarts!

Uma onda de sussurros e comentários surgiu na sala. Ao seu lado, os irmãos Avery falavam sobre o assassinato de seu pai, morto por um dos integrantes da chamada Ordem da Fênix. Joss não conseguia entender por que esses rebeldes causavam tanta destruição e tanta dor. Graças aos céus o mundo mágico tinha o Lorde das Trevas para defender a todos.


As faíscas vermelhas piscaram no céu sem estrelas. Esse era o sinal. Estava na hora da ação.

Hermione, que dividia a capa de invisibilidade com Rony e Neville, apertou mais os passos para acompanhar os bruxos. Cerca de dez pessoas espalhavam-se sorrateiramente pelos jardins da Mansão Malfoy. De acordo com as informações que Rony recebera, este era o local do novo esconderijo da 8ª horcruxe de Voldemort, Nagini.

Há cerca de oito anos, a Ordem da Fênix ganhara novos adeptos, tudo graças a crescente insatisfação da população mágica quanto ao poder de Voldemort. Muitos bruxos estavam sendo assassinados sem qualquer razão aparente por Comensais da Morte, o acesso a produtos como varinhas, poções e utensílios para preparo de experimentos só podia ser feito através de um “mercado paralelo” já que tudo se concentrava nas mãos de Voldemort e seus aliados.

Hermione não podia descartar a ótima liderança de Rony como um dos motivos do crescente sucesso da Ordem. Seu marido estava completamente engajado na luta, provavelmente pela mesma razão que a maioria dos demais bruxos considerados rebeldes: estava cansado. Viver às escondidas, sem saber se corre ou não perigo a cada esquina virada... Não era exatamente a vida que todos planejam.

Olhando para o lado, Hermione viu Teddy Lupin e Rolf Scamander, viúvo de Luna, sinalizando que o caminho estava livre. Rony, já fora da capa de invisibilidade, assentiu com a cabeça.

- Hermione, Neville, vamos!

Com a varinha em mãos, Rony encobriu a entrada de Hermione e os demais bruxos por uma porta no chão. Hermione proferiu o feitiço “Lumus” e então se viu em uma adega muito suja com, pelo menos, umas trezentas garrafas de vinhos, champanhes e uísques.

- Os outros virão de flu? – Hermione arriscou perguntar em voz baixa.

- Estão esperando liberarmos a lareira. Precisamos evitar chamar atenção até chegarmos lá em cima. – Rony agora falava com os demais – Vamos indo.

Todos sabiam que a casa estava cheia de Comensais da Morte, mas era a primeira vez que Voldemort colocava Nagini em tão baixa proteção. A informação que a Ordem recebera era de que já nas primeiras horas do dia a cobra seria transferida para um outro local e então a tarefa se tornaria quase impossível. Os rebeldes tinham a seu favor o elemento surpresa, mas Hermione sabia que não seria suficiente. Só que eles não estavam mais na fase de sentir medo de morrer.

Kingsley e Neville saíram da adega, seguidos logo atrás por Teddy, Scamander, Gui, Fleur, Carlinhos e Gina. Hermione encaminhou-se para a porta, mas antes de sair sentiu a mão de Rony tocar seu braço esquerdo.

- Mione, a espada.

Hermione então tirou de sua bolsa enfeitiçada uma espada com o punho cravejado de rubis, a espada de Godric Gryffindor. A mesma que anos antes acabara com as duas horcruxes de Voldemort: o anel dos Peverell e o medalhão de Slytherin. Antes de entregá-la a Rony, Hermione encarou a arma. De alguma forma, ela a fazia lembrar-se de seu melhor amigo, Harry Potter. Era para ele estar ali... O mundo não parecia andar da maneira mais correta.

Rony pegou a espada das mãos de Hermione e, por um segundo, os dois se olharam. Ela sabia que o marido estava pensando em Harry também. Hermione beijou suavemente os lábios de Rony e apertou com suas mãos as mãos do marido que estavam sobre a espada. Eles precisavam ser fortes.

- Vamos, temos uma horcruxe para destruir.

Sair da adega e chegar ao segundo andar foi relativamente fácil, só tiveram que estuporar e petrificar três Comensais, sem sofrerem nenhuma baixa para isso. Agora eles estavam em um longo corredor com diversas portas. Depois de estuporar um Comensal, Neville aplicou Veritasserum nele para descobrir onde Nagini estaria. Eles precisavam agora quebrar os feitiços protetores no último quarto do segundo andar. Definitivamente, o mais imponente de todos.

Gina e Fleur entraram no primeiro cômodo vazio que encontraram para liberar magicamente a lareira para que Jorge, Victorie, Angelina e Audrey pudessem reforçar o grupo. Teddy preparava feitiços protetores e silenciadores no corredor para evitar que outros Comensais aparecessem e atrapalhassem a missão dos demais. Rony, Hermione, Gui, Scamander, Carlinhos, Kingsley e Neville pararam em frente à porta dupla, alta e com entalhes em forma de cobras gravados numa madeira maciça.

- Não podemos arriscar simplesmente abrir a porta – Gui comentou alto.

- Você pode quebrar esses feitiços de proteção, Hermione? – Rony perguntou quase gentilmente demais para alguém que estava correndo um grande risco de morrer.

Hermione encostou-se na porta como se precisasse sentir o que deveria fazer para ultrapassá-la. Imaginava o que teria sido colocado na entrada... Muito provavelmente a mesma proteção que Voldemort havia colocado na caverna que Harry fora com Dumbledore no seu sexto ano. Sem dar muita atenção aos olhares dos bruxos a sua volta, ela tirou da bolsa enfeitiçada uma adaga e com ela fez um corte na altura do antebraço, formando um risco vermelho de sangue.

- O que você está fazendo?! – Rony tentou impedir Hermione, mas já era tarde, pois ela já estava encostando o braço na porta, manchando-a de sangue.

- Espero que funcione.

Então um filete de luz seguiu todo o contorno da porta. Antes que Hermione dissesse que era seguro, Rony girou a maçaneta, abrindo a porta. A claridade que o quarto emitia irritava os olhos. Depois de alguns segundos, Hermione conseguiu ver que a claridade saía de um grande globo que flutuava no centro do cômodo.

- Nagini! – Rony falou, caminhando em direção à esfera, na qual a gigantesca cobra movia-se como se estivesse nadando.

- Como faremos para tirá-la daí?

- Temos que quebrar este globo, Neville. – Kingsley passava levemente as mãos na esfera gelatinosa, recebendo um olhar furioso da cobra que estava presa.

- Hermione, se usar a espada de Gryffindor, consigo quebrar essa proteção?

- Provavelmente. Mas, Rony, ficaremos vulneráveis ao animal.

- É o risco que corremos, pelo menos até Rony acertar a espada na horcruxe. – Gui comentou.

- A não ser que... – Hermione começou a falar, chamando a atenção dos demais - que juntemos a magia de todas as nossas varinhas, segurando Nagini enquanto Rony se aproxima.

- É seguro? – Scamander pareceu ligeiramente amedrontado.

Hermione sabia que seguro não era, mas precisavam arriscar. Resolveu não responder.

Rony se aproximou do globo. Todos se prepararam, ficando com as varinhas em mãos. Então tudo aconteceu muito rápido. Com a espada, Rony rompeu a esfera fazendo com que Nagini mergulhasse ameaçadoramente em direção aos demais.

- Agora!

Com o grito de Rony, todos disparam de suas varinhas feitiços que mantiveram a cobra no centro. Ela continuava incitando-se contra todos, mas não conseguia se aproximar o suficiente. Rony aproximava-se com cuidado, preparando-se para matá-la, mas, por uma fração de segundo, Hermione viu Scamander titubear sua varinha. Nagini estava forçando seu corpo mais intensamente contra o bruxo, provavelmente percebendo o vacilo dele.

- Rolf, fica firme!

- Não estou agüentando mais, Hermione!

- Estou quase conseguindo. – Rony gritou a centímetros da cobra.

- Desculpa!

Rolf Scamander baixou sua varinha segundos antes de Nagini avançar sobre ele. Na mesma hora, todos lançaram feitiços, tentando fazer com que ela parasse de atacar o bruxo. Sentindo os ataques, Nagini abandonou o quarto, sibilando e arrastando-se em ziguezague.

- Hermione, fique aqui e cuide de Scamander! – Rony disse pouco antes de correr atrás de Nagini juntamente com os demais bruxos.

Rolf Scamander estava inconsciente no chão. Por todo seu corpo existiam cortes e as marcas das presas venenosas da cobra. Hermione pegou o braço do bruxo para sentir sua pulsação. Já era tarde. O veneno provavelmente já estava na sua corrente sanguínea, estava morto. Hermione fechou os olhos ainda abertos de Rolf e desejou que ele pudesse agora descansar em paz ao lado de Luna.

Com a varinha em mãos, Hermione correu para fora do quarto. No final do corredor, viu Teddy levemente machucado, sendo amparado por Victorie. Correu em direção às escadas e então viu Gina, Angelina e Jorge lutando com Comensais. Sua missão fora revelada. Precisava encontrar Rony.

Chegando ao primeiro andar, Hermione estuporou dois Comensais que atacavam Gui e Fleur e petrificou outro que cruzou seu caminho. O rastro de sangue no chão mostrava que Nagini seguira em direção a um corredor simplório, que no fim revelou ser uma cozinha. Chegando ao final do rastro, Hermione parou. Um corpo de mulher estava dilacerado no canto. A bruxa procurou com os olhos pelo marido e viu Neville, com a espada de Gryffindor em mãos, ajudando Rony a se levantar. Nagini estava morta, partida em dois pedaços, sobre uma imensa poça de sangue.

Rony, mancando, aproximou-se de Hermione e a abraçou. Então era isso, a última horcruxe de Voldemort estava morta. Neville enfim cumprira o seu destino. Aos poucos, os demais bruxos chegavam à cozinha. Todos estavam a salvo.

Hermione aproximou-se, então, do corpo caído na entrada da cozinha. A senhora estava de pijamas, provavelmente era uma empregada da mansão que apenas descera para tomar água. O rosto parecia uma massa de carne e sangue que escorria pelo chão, manchando os brancos e compridos cabelos. Hermione fechou os olhos e desejou que tudo aquilo não estivesse acontecendo, que estivesse em Hogwarts com Harry e Rony e que o mundo não estivesse em guerra. Mas certos desejos nunca se tornariam realidade.


Cenas do próximo capítulo:

“Então era isso, ela tinha uma pista de onde Rose poderia estar. As esperanças continuavam remotas, mas ainda havia esperança.”

...

“Ele levou seus braços na altura do abdômen e jogou-se no chão. Seu corpo tremia freneticamente enquanto ele gritava de dor. Joss deu um pequeno passo inconsciente em direção ao bruxo, mas parou ao sentir o forte aperto das mãos frias de Scorpius em seu pulso. Ela virou e o viu encará-la com um olhar como se dissesse ‘não faça nada estúpido’.”


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