Change Of Heart escrita por Sak Hokuto-chan


Capítulo 20
Drunk Sincerity


Notas iniciais do capítulo

Antes do capítulo, eu vou deixar duas notinhas:

1. Os avisos sobre álcool; a "idade de consentimento" na Grécia ser 15 anos e a expressão "In vino, veritas" ("No vinho, está a verdade"), estão em vigor de novo, ok? Isto é, o primeiro aviso vale durante a fic toda, mas não custa relembrar... '-'

2. Tenham sempre em mente que alguns personagens são adolescentes. Ou seja, a maioria deles ainda não é muito madura, responsável, decidida, etc... mas vão chegar lá (em termos e cada um do seu jeito oo). Até lá a gente vai rindo e se irritando com alguns comportamentos... S2

Orphelin, meu carneiro-beta querido, obrigada pela revisão, pitacos e percepção com as minhas brisadas, haha -q



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Capítulo XX

Há esperança nas palavras e emoção nos olhos
E como tolos nós confiamos na conversa
Mas isso tudo é só sinceridade bêbada

Drunk Sincerity - Bad Religion

Aiolia deu um passo automático para trás e, sem querer, bateu a cabeça contra uma árvore com força. Um gesto bem estúpido, ele concluiria mais tarde – quando o torpor do álcool começasse a diminuir e ele não conseguisse lembrar direito da sequência de fatos em meio à dor.

Uma sequência bem rápida, por sinal. A reação de Shaka foi imediata. Mal Aiolia pressionou os lábios sobre os do loiro e este já o empurrava para trás com as mãos. Foi quando o leonino cambaleou um passo e ambos viraram-se automaticamente para o lado, procurando a pessoa que tinha soltado uma exclamação tão surpresa quanto a do indiano.

– Incrível! – Aiolia constatou, alheio ao olhar mortal que o virginiano lhe lançou por não ter sequer a decência de parecer constrangido pela situação em que foram flagrados. – Eu começo a agarrar a Marin e o Shaka aparece pra atrapalhar. Aí, eu agarro o Shaka e você aparece... Se eu te agarrar, quem será que vai aparecer, Saga?

O geminiano franziu levemente as sobrancelhas, parecendo confuso com a pergunta do outro:

– Não fui eu que me espantei... – explicou, pois, afinal, era difícil ficar surpreso com algo tendo um irmão tão surpreendente quanto Kanon. Saga balançou levemente a cabeça, fazendo um gesto para trás, por cima do próprio ombro.

Olhando para a direção apontada, Aiolia perdeu a noção do que ocorria ao seu redor. Havia o olhar indignado de Shaka, que exigia alguma coisa; Saga se aproximando e depois se afastando... e, então, não havia mais ninguém, nem nada, além do silêncio da noite no Meikai e do olhar surpreso no rosto de Aiolos.

– Ahn... – o mais novo balbuciou à toa, na falta de algo melhor para dizer. Não sabia o que pensar. Pior, não sabia o que o irmão poderia estar pensando. De todas as pessoas que podiam aparecer, por que logo seu irmão?

O sagitariano deslizou uma das mãos pelos cabelos claros e soltou uma espécie de suspiro preparatório, como se acabasse de se conformar em fazer alguma coisa. Precisava ter uma conversinha com o irmão caçula. Já era hora!

Nessa hora, Aiolia parecia uma fera enjaulada, demonstrando claramente o quão desconfortável se sentia pela situação. Afinal, só se lembrava de ter visto aquela expressão séria no rosto do irmão uma única vez, alguns anos antes, quando fazia Mu de bode expiatório e tudo o mais.

Com muita apreensão, acompanhou o mais velho aproximar-se em total silêncio até parar, imponentemente, à sua frente. Aiolos era bem mais alto e, por alguns instantes, o leonino apenas encarou o ombro dele, sem saber pelo quê esperar.

O sagitariano encostou as mãos nas faces do caçula, deslizando os polegares pela pele macia o suficiente para forçá-lo a levantar a cabeça com suavidade, a fim de melhor observar suas feições juvenis.

Aiolia apenas mordeu o lábio inferior, contendo uma repentina vontade de rir sem motivo, mas controlou-se, maldizendo mentalmente as bebidas que ingerira. Se bem que, considerando o histórico de Aiolos, este não tinha motivos para ficar incomodado pelo irmãozinho ter beijado outro cara, certo?

– Caramba! – o mais velho exclamou de repente, fazendo o outro sobressaltar-se. – Como você cresceu! Já chegou à fase da curiosidade e eu nem notei direito quando você deixou de ser aquele bebê superbonitinho.

– Ahn?! – fez o garoto, confuso ao ser puxado para um abraço bem apertado. Ia dizer que não tinha nada a ver com curiosidade alguma, mas logo percebeu que o cheiro de álcool que sentia não vinha apenas de si mesmo. – Quanto você andou bebendo, Aiolos?

Apertando-o ainda mais entre os braços, o sagitariano ignorou a pergunta do caçula e começou a questioná-lo sem esperar pelas respostas, tecendo, também, seus próprios comentários e suposições: Mas por que logo o Shaka? Ele não era seu arqui-inimigo? Eu achava que se você fosse passar por isso, escolheria o Milo... Vocês sempre foram um grude... Hey, você não estava de rolo com a Marin?

Aiooolos... – protestou com a voz abafada, já que tinha o rosto colado ao tórax do mais velho.

– Bem, vamos pra nossa conversa! – exclamou num ímpeto, as bochechas rosadas pelo álcool indicando que não estava em seu melhor juízo, e sentou-se na grama mesmo, puxando o irmão consigo.

– Olha, se for aquela sobre sexo, de onde vêm os bebês e tal, você tá alguns anos atrasado. Nem se incomode.

O sagitariano fez uma expressão de espanto tão exagerada que Aiolia podia jurar que sentiu o drama iminente. Não adiantava dizer que já tinha quinze anos e que, portanto, era óbvio que já tinha aprendido essas coisas. Não, Aiolos supôs – com um pouquinho de razão – que a culpa era de Kanon.

– Você acha que eu não sei que você passa muito mais tempo conversando com ele do que comigo? – perguntou com um ar extremamente ofendido e magoado.

Aiolia fez menção de replicar, mas foi impedido quando o mais velho pressionou um dedo gelado sobre seus lábios.

– Shh... Está ouvindo esse som? – o sagitariano sussurrou, os olhos claros muito abertos. – É o som do meu coração se partindo em pedaços... Pe-da-ços!

Depois dessa, o leonino começou a gargalhar tanto que acabou se deitando na grama, sentindo falta de ar. Aiolos, com seu adorável beicinho emburrado, colocou-se a reclamar sobre ser alvo de chacota do próprio irmão – sangue do seu sangue! – e concluiu que ninguém o amava.

– Ué, o Shura é ninguém agora? – o mais novo provocou com um sorrisinho, feliz pelo irmão ter se esquecido de seu breve incidente com Shaka. Sem saber como chegaram naquela conversa absurda.

Aiolos levantou-se bruscamente, seus olhos girando sem foco enquanto ele quase caía pela falta de equilíbrio. Era verdade, ainda existia uma pessoa naquele mundo cruel que não o maltratava!

Aí, ele pegou o celular do bolso e tentou ligar para o espanhol. Desistiu, segundos depois, ao perceber que não estava conseguindo enxergar direito.

Aiolia afirmou que era melhor assim, pois ninguém merecia, principalmente altas horas da noite, aguentar bêbado ao telefone.

– Tem razão... – Aiolos resmungou contrariado, mas logo se empolgou novamente com uma ideia brilhante em mente: – Vou até a casa dele!

– Vá pela sombra... – replicou o mais novo com voz sonolenta, deitado na grama de barriga pra cima, apenas contemplando as estrelas com um olhar lânguido e vazio...

De súbito, se levantou num pulo ao finalmente perceber que a ideia do irmão era sem sentido e perigosa. Embriagado como estava, o sagitariano acabaria sendo atropelado por algum motoqueiro antes mesmo de sair das imediações do Meikai, ou se perderia pelas ruas, ou...

– Mas que droga! – reclamou, olhando ao redor em vão, pois o irmão já tinha sumido por entre as árvores.

O jeito era procurá-lo, decidiu, tentando se sentir mais preocupado do que se sentia. No fundo, tudo parecia tão estupidamente engraçado depois daquele álcool todo e... Caramba! O que tinha acontecido com o Shaka? Incrível como o loiro sempre sumia no Meikai.

***

Mas incrível mesmo, segundo Shina, era a negação de Milo. Ela sentia ganas de acertar um porrete na cabeça dele até que caísse desacordado. Assim, ela o amarraria sem roupas e mandaria Camus para cima dele. Tratamento de choque. De repente, resolveria tudo... Bem, paciência. Milo estava terrivelmente emburrado, porém não seria legal fazer aquilo com ele – por enquanto.

De qualquer forma, Shina ficou boa parte da noite tentando conversar com ele, tentando entender qual era o problema, mas o escorpiano não facilitava. Não queria nem ao menos beber, sabendo que ela iria se aproveitar de sua bebedeira para conseguir mais informações.

Logo, os dois ficaram em silêncio, sentados num banco qualquer e por um longo tempo. Ele olhando para frente com a expressão fechada e ela contemplando o copo quase vazio entre as mãos de um jeito bastante pensativo.

– Eu tenho uma teoria... – a italiana murmurou depois de algum tempo. – Mas você tem que ouvir até o fim, sem falar nada.

A voz dela soou inesperadamente suave e, por esse simples motivo, Milo não tentou interrompê-la com alguma imprecação. Ele também não apostou nada naquela conversa, é claro! Continuou quieto enquanto ela encostava a cabeça em seu ombro e começava a falar.

– Você sente atração pelo Camus – Shina disse, apertando o braço do rapaz com suas unhas compridas quando ele fez menção de interrompê-la. – Isso é bem evidente, mesmo se eu descontar minha visão yaoi da vida. Você mesmo já admitiu pro Aiolia que acha alguns caras atraentes, então, nem tente negar.

Maldito, Aiolia!, o escorpiano praguejou mentalmente, limitando-se a bufar.

– Mas você tá confuso... – a ariana continuou divagando. – Porque você sente o mesmo por mim. E tá preocupado porque não quer estragar sua amizade com ele, caso as coisas não acabem bem. Ou, talvez, você se preocupe em acabar como a Marin que, mesmo ainda sendo amiga do Aiolia, anda toda deprimida porque ele não corresponde seus sentimentos. Aí, você nem quer correr o risco de se envolver.

Milo fez um muxoxo, olhando para cima. Isso fez Shina começar a se empolgar em sua hipótese.

– Hmm, talvez seja por isso que você nunca tentou nada com o Aiolia. Primeiro, não queria arriscar a amizade entre vocês e, depois, viu que ia acabar sendo tratado como a Marin.

Shina sentiu o escorpiano se enrijecer e levantou a cabeça do ombro dele para melhor observá-lo.

– Do que diabos você tá falando, sua louca? – Milo esbravejou, seu rosto totalmente vermelho e seu olhar, ao mesmo tempo, indignado e constrangido. – Aff! Quantas vezes eu vou ter que dizer que foram só uns selinhos sem sentido e quando éramos crianças?

– Hmm, então você não gosta dele? – implicou com uma risadinha.

– Sim! Digo, não! – corrigiu-se rapidamente e em voz alta. – Quero dizer, eu gosto, mas não desse jeito.

– E quanto ao Camus?

Gah! Me deixa em paz! – Milo exclamou aborrecido, apontando um dedo para a ariana antes de se afastar rapidamente.

Assim, Shina foi deixada para trás, cultivando um sorriso suspeito no rosto e, também, mais e más ideias.

***

Shion também tinha lá suas ideias, que, geralmente, deixavam Dohko ressabiado. Daquela vez, o tibetano havia tido a inusitada ideia de ir ao Meikai. Não que eles nunca houvessem ido. Aquele simplesmente não era o ambiente ideal para um casal tão... caseiro quanto eles. Milo e Aiolia costumavam implicar, dizendo que os dois tinham almas velhas demais para tal ambiente.

– Então, por que estamos aqui mesmo? – o libriano quis saber, olhando para algumas magníficas Harley-Davidson, todas estacionadas por ali, com certa admiração. – Tão repentinamente...

– Mu está aqui também... – respondeu com ar vago, como se isso explicasse alguma coisa.

Dohko arqueou as sobrancelhas. Estaria Shion tentando sabotar o provável antro que sua casa viraria – como sempre! – algumas horas depois?

O ariano soltou um risinho desesperançado. Aquela era uma causa perdida.

As especulações do chinês foram interrompidas quando eles se encontraram com Saga e Shaka, que andavam a esmo pelo local.

Logo depois que Aiolos e Aiolia começaram a conversar, Saga convenceu o loiro de que era inútil tentar argumentar com o leonino, ao menos enquanto este estivesse embriagado. No mais, se afastaram dos outros dois sem avisar e caminharam em silêncio, cada um absorto em seu próprio mundo interior, contemplando pensamentos diversos.

Apesar de Shion ter cumprimentado a dupla com sua afabilidade típica, Dohko só conseguiu lançar um olhar irrequieto para o grego, de modo que Saga não demorou a se afastar, dizendo que precisava encontrar o irmão o quanto antes – tinha acabado de se lembrar de que Kanon deveria estar pelo Meikai com Mu, embora ainda não tivesse visto nem sinal deles.

– Vocês viram o Mu? – o indiano indagou, pouco tempo depois, soando levemente apreensivo.

Shion respondeu que não e trocou um breve olhar com Dohko. Este, por sua vez, deu de ombros e afastou-se, avisando que ia comprar algumas bebidas. Quando o libriano se foi, o tibetano passou a encarar Shaka com tanta atenção que o garoto arqueou uma sobrancelha duvidosa.

– Você está confuso – Shion sentenciou, no mesmo tom solene que usava quando pretendia apoiar Mu.

O virginiano apenas encarou o mais velho, seu orgulho não gostando de ser lido com tanta facilidade, por mais que gostasse de Shion e sua habilidade nata de inspirar tranquilidade e confiança.

– Não encontro respostas – Shaka contou por fim, afastando a franja dourada dos olhos com um suspiro cansado.

O mais velho sorriu, seu ar sábio e distante se intensificando:

– Talvez você esteja fazendo as perguntas erradas.

Ótimo, pensou o indiano, franzindo o cenho em confusão. Como saberia quais eram as perguntas certas?

– Hmm... – fez Shion, cruzando as mãos atrás das costas e olhando para o céu. – Saberá quando as respostas começarem a aparecer, naturalmente. Já tentou meditar sob as estrelas? Considero muito inspiradoras... – dizendo isso, apertou levemente o ombro do mais novo e saiu pelo Meikai atrás de Dohko, mas não sem antes completar: – Tente alguma noite e, então, conversaremos novamente, se precisar.

Shaka permaneceu parado no mesmo lugar, se sentindo mais tranquilo do que esperava, depois daquela conversa no mínimo estranha com o irmão mais velho de Mu.

***

E aquela era uma noite estranha, concluiu Shura, ao estacionar o carro perto da entrada do Meikai e olhar, pensativo, ao redor. Ele estava quase dormindo quando recebeu uma ligação de Mu, avisando sobre Aiolos e sua embriaguez.

Sabendo que poderia ser perigoso para o grego ficar andando pelas ruas bêbado, só porque queria ir até sua casa, o espanhol, resolveu tentar encontrá-lo primeiro. O sagitariano, principalmente quando bebia, tinha sempre tantas ideias que Shura chegava a ficar realmente preocupado.

Por sorte, não demorou e nem foi muito complicado encontrá-lo. De fato, logo avistou o grego correndo para fora do Meikai, olhando várias vezes para trás como se fugisse de algo ou de alguém. Shura apenas observou, de longe, o amigo tentando se esconder atrás de uma árvore para escapar de seja lá o que fosse que o perseguia.

– Aiolos? – chamou baixinho, aproximando-se do outro.

O grego sobressaltou-se, como se tivesse sido pego em flagrante fazendo algo errado.

– Shura! – exclamou encantado, visivelmente aliviado. – Que coincidência! Eu estava indo te ver e você veio... Ah, não! – interrompeu-se, olhando novamente para a entrada do Meikai. – Me esconde! – pediu, abrindo a jaqueta do espanhol e tentando esconder o rosto no tórax desse.

Revirando os olhos para a atitude inútil, Shura observou Pandora sair do Meikai e olhar ao redor sem vê-los. Ótimo. O espanhol balançou a cabeça e puxou Aiolos para que o acompanhasse até o carro. Ele bem que queria dar algum tipo de bronca, mas, naquele estado em que o amigo estava, seria desnecessário. Tudo o que conseguiria, com a mais absoluta certeza, seria um drama daqueles.

– Mas já vamos embora? – o grego especulou, esquecendo-se da moça e brigando com o cinto de segurança. – Você acabou de chegar...

De uma forma nada gentil, Shura ajeitou o cinto para o amigo enquanto explicava, com certa contrariedade, que só tinha ido até lá para buscá-lo.

– Awn... – fungou Aiolos, fingindo limpar uma lágrima de emoção. – Quem dera todos os meus amigos se importassem comigo como você...

– Não comece...

Naturalmente, o grego começou suas reclamações. O capricorniano tentava abstrair a tudo o que ouvia, meramente soltando resmungos estratégicos, de tempos em tempos, até chegarem à sua casa. Ele nunca levava Aiolos até a própria casa naquele estado, sempre cuidava dele na sua mesmo, mas... Bem, aquela seria a primeira vez que faria isso desde que revelara seus sentimentos.

Não que Aiolos sequer estivesse se preocupando com alguma coisa, andando todo elétrico pela casa e dizendo que ela era mesmo muito legal pela, talvez, centésima vez na vida. Shura o acompanhava a certa distância, atento aos movimentos desajeitados que poderiam resultar em algum machucado.

– Shura! – exclamou, voltando para perto do espanhol com os olhos cintilando empolgação ao constatar o óbvio para o amigo: – Você gosta de mim!

– É mesmo, não é? – concordou distraído, dando de ombros, e sentou-se no sofá.

– Você tem muito bom gosto! – Aiolos afirmou solenemente, ajoelhando-se no mesmo sofá, no lugar ao lado do outro.

Um meio sorriso enviesado e uma sobrancelha arqueada foram as respostas do espanhol.

De repente, a expressão do grego se fechou em seriedade ao observar Shura com uma atenção maior.

– O que foi, Aiolos?

– Ahn, é que estou dando uma boa reparada em você. Kanon vive me dizendo que você é bonitão e sexy...

Houve um silêncio meio esquisito. O espanhol teve vontade de perguntar o que o amigo tinha concluído após tanta observação, mas continuou calado. A expressão In vino, veritas se aplicava totalmente ao grego, mas Shura não gostava da ideia de deixá-lo arrependido no dia seguinte.

Se tinha uma coisa da qual não precisava, era Aiolos o evitando e dificultando as coisas. Não, definitivamente seria melhor ouvir as opiniões de um Aiolos sóbrio, mesmo que pudesse demorar.

– Você vai mesmo tentar me conquistar? – o grego quis saber, pestanejando de uma maneira curiosa que o fazia parecer muito adorável.

Shura riu um daqueles risos breves e raros dele. Deslizou os dedos pelos cabelos cor de mel do amigo e replicou num sussurro bem próximo ao ouvido desse:

Tentar? Eu vou conseguir.

– Presunçoso! – acusou, afastando a cabeça e ficando emburrado. – Eu não quero, ok? Não sou um... um... como era mesmo a palavra? Um uke... isso, não sou um uke pra ser conquistado... Aliás – acrescentou, vendo o outro revirar os olhos esverdeados –, se me quer mesmo, por que você não tentou me beijar ainda?

Ok, essa pergunta foi inusitada. Shura apenas o encarou sem expressão, ou tentou. A resposta seria óbvia para um Aiolos sóbrio – que, logicamente, não faria tal pergunta. Bem, o espanhol estaria mentindo se não admitisse para si mesmo que queria beijá-lo. Porém, sendo uma pessoa justa, não poderia levar o outro a uma situação que pudesse deixá-lo arrependido no dia seguinte.

– Não, Aiolos – redarguiu, segurando-o pelo queixo com sua falta de delicadeza típica –, quando eu o beijar, você estará completamente sóbrio pra que, depois, não tenha nenhuma desculpa que justifique sua aceitação – deslizou o polegar sobre os lábios avermelhados do grego e esboçou um meio sorriso.

E se as faces de Aiolos já estavam meio coradas por causa do álcool ingerido, depois das palavras de Shura elas ficaram de um vermelho bastante vivaz. Só não saberia se foi por causa das palavras ou pelo beijo breve, mas quente, que o espanhol pressionou em sua bochecha.

Quando o capricorniano se afastou, o grego inclinou a cabeça para o lado e sorriu de forma tão inocente e, ao mesmo tempo, absolutamente atraente que Shura pensou, sentindo um arrepio estranho, que era impossível não admirá-lo.

– E que tal se eu te conquistar? – Aiolos propôs sem pensar, piscando com uma malícia recém-descoberta por causa do álcool.

Shura entreabriu os lábios, sentindo-os secos como nunca. Deslizou a língua por eles, umedecendo-os, e franziu o cenho. Estranho como de repente queria tanto um cigarro. Ora essa, o sagitariano sabia muito bem que já o tinha conquistado...

Então, reparou na expressão cheia de expectativa no rosto do amigo e aquiesceu:

– Mal posso esperar.

Aiolos sorriu, bocejou e esfregou os olhos, deitando-se no sofá com a cabeça apoiada no colo do espanhol. Soltou um suspiro de apreciação ao ter os cabelos acariciados com uma suavidade que não condizia com os gestos habituais do capricorniano.

– Mas saiba que sou muito difícil... – Shura murmurou, divertindo-se, embora soubesse que o outro nem sabia do que estava falando.

– Estou contando com o desafio... – replicou com a voz grogue de tão sonolenta que estava, apertando o joelho alheio. – Hey, acho que estou deitado bem em cima do seu...

– É minha coxa – o capricorniano interrompeu, retirando a bandana vermelha que o outro usava. – Durma de uma vez, Aiolos!

– Mas está meio desconfortável... – insistiu, fazendo um beicinho dramático.

Shura respirou fundo. Se o grego ficasse quieto e dormisse, ele não... Ah, esquece! Antes que pudesse falar ou fazer qualquer coisa, Aiolos adormeceu, ressonando baixinho em seu colo.

***

Adormecer. Era exatamente o que Mu gostaria de ter feito aquela noite. Mas, não! Tinha ido ao Meikai – praticamente arrastado, mas tinha. Kanon lhe sorrira com aquele ar conspiratório e lhe entregara um cocktail. Sabendo que não era lá muito resistente, o ariano teve o bom senso de recusar. No entanto, o grego era, como sempre, bastante persuasivo.

Daí, Mu bebeu um copo, ou talvez dois, e, em algum momento, Kanon se virou para ele e retomou um assunto que deveria estar acabado:

– E o nosso acordo, hein?

Apesar de ter a borda do copo entre seus lábios, o tibetano fez uma clara expressão de ahn?. Que acordo? Oh, sim... O geminiano havia proposto lhe dizer o que queria saber, isto é, se lhe contasse sobre seu estranho interesse em Aiolia. Ora, mas não tinha interesse nenhum!

– Ele me intriga, é só isso.

– Sei... – Kanon ironizou, esboçando aquele sorriso torto. Escorou as costas numa árvore e inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, as mechas de seus cabelos caindo displicentemente sobre os olhos enquanto ele encarava o ariano de uma maneira intrigante.

Um pouco incomodado, Mu desviou o olhar e terminou de virar o copo antes de tentar se fazer mais claro. Sabia que Aiolia estava em uma fase complicada, cheia de hormônios fervorosos prestes a explodir e tal... Só que essa fase também significava que ele já era crescido o suficiente para saber o que causava nas pessoas com as brincadeiras que fazia. O garoto não podia continuar deixando as pessoas confusas para, no final, simplesmente sair como se nada tivesse acontecido.

– Será que só eu não o entendo? – Mu indagou retoricamente, massageando as têmporas. – Kanon, você que o conhece tão bem, diga, por favor, o que se passa naquela cabecinha geniosa.

– Olha... – o grego começou, ampliando o sorriso e apontando para trás do ariano. – Por que você não pergunta direto pra ele?

Essa não, pensou Mu, sentindo um frio desagradável no estômago. Aiolia estava atrás dele? Teria escutado tudo o que dissera?

Aparentemente, não. O leonino se aproximava deles com passos rápidos, era verdade, mas sua expressão preocupada sugeria que, se ele escutara, não se importava nem um pouco, pois tinha outras preocupações em mente.

– Vocês viram meu irmão? – perguntou, já emendando uma breve explicação sobre o que acontecera.

Ao final da explicação, Kanon concluiu que precisava procurar o próprio irmão também. Saga à deriva pelo Meikai soava preocupante. E se ele tivesse bebido com Aiolos? Melhor seria procurá-lo e encontrá-lo o quanto antes. Além disso... bem, ele piscou para os outros dois, saindo de forma estratégica logo após.

Sendo prático, Mu perguntou se o garoto já tinha tentado ligar para Aiolos. Recebeu um revirar de olhos e um rude mas é claro! como resposta. E quanto a ligar para Shura? Hmm... Dessa vez, Aiolia mordeu o lábio inferior e admitiu que não.

– Ele vai saber como cuidar da situação – o mais velho comentou, com um sorriso apaziguador, antes de ligar para o espanhol e informar o ocorrido.

Sabendo que Shura chegaria ali voando – e, de fato, ele levou menos de quinze minutos para encontrar o sagitariano e ligar de volta para Mu, avisando que estava tudo bem – Aiolia já não precisava se preocupar mais com o irmão e... Bem, agora estava sozinho na companhia do ariano.

Naquele momento, Mu não sabia mais o que estava acontecendo e culpava Kanon e seus cocktails saborosos por toda sua confusão. Sim, confuso, uma vez que Aiolia lhe agradecera pela ajuda em relação ao paradeiro de Aiolos com aquele sorriso ébrio, mas cativante, antes de se aproximar com um pouco mais de interesse:

– E aí... O que você dizia quando cheguei?

– Ehrm...

Aiolia colocou a mão perto da boca e diminuiu significativamente o tom de voz:

– Sabe? Eu sinto que você anda me evitando desde aquela brincadeira que fiz... Você ficou chateado, foi?

Indignado seria o termo mais exato, Mu pensou, sentindo a cabeça estranhamente mais leve. Olhou de relance para o copo vazio e, com isso, deu uma ideia para o leonino:

– Ah, já sei como me redimir! – exclamou, puxando o mais velho pelo pulso ao sair andando apressado. – Vou comprar uma bebida pra você!

– O quê? – fez Mu, com um olhar surpreso para cima daquela mão que envolvia seu pulso, arrastando-o com energia. O leonino era tão estranho. Ora amigável, ora rude... Sempre o afastando e se aproximando com sua imprevisibilidade típica.

Okay, Aiolia interrompeu os pensamentos do outro. Na verdade, ele pagaria a bebida, mas o tibetano teria que pegar, já que era menor de idade e tal.

E foi assim que, arrebatado pela animação do mais novo, Mu se viu sentado na grama, perdido pelo Meikai, e com um grande cocktail em mãos. O grego sentado bem à sua frente rindo para o próprio copo sem nenhum motivo em especial além do efeito do álcool.

– Você quer me embebedar? – especulou, já se sentindo meio alto demais para o próprio bem. Não ficou muito surpreso quando o leonino negou entusiasticamente, contradizendo-se ao rir na maior cara-de-pau.

Aiolia apoiou as mãos sob o queixo e lançou ao ariano um olhar aparentemente sério e interessado. Havia algo a mais em seu olhar que o mais velho nunca conseguiria descrever. Seria aquela mesma insolência da infância? O tempo simplesmente não alcançava a vivacidade de seus olhos?

– Fale mais sobre mim, Mu... – sussurrou após um momento de silêncio.

Falar o quê? Pelos deuses, tinha divagado, encarando o garoto sem nem perceber!

– Você é... muito petulante... – resmungou por fim, sem pensar direito, bebericando de seu copo. Sentiu-se inspirado de repente: – Sempre foi, desde que era criança... Só que, agora, você cresceu... – interrompeu-se e, outra vez, acabou dando uma longa observada no mais novo. – Ehrm, cresceu muito, pra ser sincero.

Mesmo sentado, o leonino empertigou-se, parecendo muito orgulhoso de si mesmo.

Provavelmente, teria sido melhor se Mu tivesse largado seu cocktail e ido embora. Entretanto, ele apenas desviou o olhar, cansado daquela expressão de desafio que o mais novo lhe lançava toda vez que percebia que estava sendo observado. Mais do que isso, estava cansado da inconstância incompreensível do grego.

– Eu, definitivamente, não entendo você... – o ariano confessou por detrás de seu copo. Se parasse para pensar, teria mil perguntas e protestos a fazer.

E ele bem que arriscou algumas pequenas observações, mas Aiolia – mostrando-se um grande discípulo de Aiolos nas artes do drama, ao menos quando lhe convinha – o interrompeu logo no início:

– Você me odeia, Mu?

– Claro que não! – respondeu imediatamente, arregalando os olhos claros. Que pergunta mais despropositada!

Aiolia mordeu o lábio inferior com força, deixando-o extremamente vermelho. Certo, constatou, Mu não o odiava... mas, também não gostava dele!

– Claro que eu gosto... – o tibetano balançou a cabeça com um ar desolado, os cabelos compridos deslizando por seus ombros e cobrindo-lhe os olhos. Tinha algo errado. Faria mais sentido se fosse ele, e não o garoto, a fazer tais perguntas. – Você que não gosta de mim...

Aiolia perguntou por qual razão o outro achava aquilo, com curiosidade genuína, bebendo todo o conteúdo de seu copo de uma vez só. Agitou a cabeça algumas vezes e levantou o rosto corado para o mais velho com um brilho de empolgação sem sentido no olhar. Depois, abandonou o copo e arrastou-se um pouco, de forma a ficar bem ao lado do outro.

– Vejamos... – o ariano balbuciou, sem virar o rosto para fitá-lo, com a impressão de que as ideias estavam embaçadas em sua mente. – Alguém que diz ser meu amigo, mas que age como se me desprezasse, não deve gostar de mim.

Em silêncio, o leonino levou uma das mãos aos cabelos de Mu, afastando-os do pescoço pálido para melhor contemplá-lo. Lentamente, começou a acariciar a pele macia com as pontas dos dedos.

O tibetano estava muito distraído em seus devaneios para estranhar o gesto. Quer dizer, além de tudo, o garoto era rude, prepotente e bastante malcriado consigo. Seria assim com as outras pessoas também? Tal comportamento, quando era criança, até fazia sentido, considerando o quanto era possessivo com Aiolos, mas agora? Que gênio difícil!

Mu estava tão cansado e chateado. Depois de todo aquele tempo namorando, estar sozinho era meio deprimente e... que droga! Ah, por que tinha bebido mesmo? Sentia-se estúpido naquele instante, mas Kanon também não ajudava, viu! Essa não, estava perdendo o foco. Do que estava falando mesmo?

– Estava reclamando de mim... – Aiolia praticamente ronronou contra o pescoço do outro, sua respiração causando-lhe um arrepio.

Ah, é mesmo! Mu concordou, inclinando um pouco a cabeça para o lado por reflexo, seus olhos brilhando de forma sonhadora. Então! Será que o garoto era bipolar? Numa hora vinha todo amigável e animado, noutra estava um poço de revolta e grosseria. Interessante que, às vezes, lembrava bastante o próprio Kanon... Alguns trejeitos ou algo assim... Sem falar no atrevimento. Não, Aiolia, você não pode simplesmente dizer o que quer e depois sair na maior tranquilidade como se não tivesse nada a ver com... Ahn... Droga! Estava perdendo o foco de novo. Poxa, ficava chateado porque não entendia o motivo de tantas mudanças de atitude. Por que ele tinha que ser um mistério? Tirando a personalidade problemática, achava o garoto incrível, de verdade. Talentoso com instrumentos musicais, habilidoso em diversos esportes e, ainda por cima, tão lindo e...

– É mesmo? – Aiolia encorajou, envolvendo as costas do mais velho com uma das mãos, deslizando os lábios por aquele pescoço pálido para, em seguida, distribuir beijos curtos e pausados... antes de lhe dar uma bela e gloriosa chupada.

Aw! – espantou-se, com um estremecimento esquisito e doloroso, recuando um pouco e massageando a área. Só então começou a perceber realmente o que estava acontecendo.

Pelos céus, seria outra das brincadeiras de gosto duvidoso do mais novo? Encarou o atrevido com o máximo de atenção que pôde reunir. Esperava encontrar o divertimento ou o descaso, aqueles já bem conhecidos nas expressões juvenis do leonino. Mas, para sua surpresa, deparou-se com um olhar ilegível.

– Sabe de uma coisa, Mu? – anunciou com a voz ébria cheia de contrariedade, aproximando o rosto perigosamente da face do mais velho. – Você fala pra caralho quando tá bêbado e eu não entendi quase nada, mas garanto que a culpa é toda sua.

Minha? – indignou-se, desejando mais do que tudo levantar-se e ir embora daquele lugar. Tinha uma vaga sensação de que ficaria muito constrangido quando estivesse sóbrio de novo.

Aiolia balançou a cabeça de modo positivo.

– Eu fico muito irritado quando sou interrompido... – informou num tom incompreensivelmente suave, deslizando a mão que ainda estava nas costas do tibetano para baixo, até levantar a barra da camisa do outro e traçar círculos invisíveis em sua pele macia. – E, uma vez, você me interrompeu.

Mu franziu o cenho, dividido entre sair correndo como se fugisse de um demônio, ou continuar parado, sentindo aqueles carinhos inesperados que lhe causavam arrepios. Mas... Voltando ao assunto... Como assim? Quando o tinha interrompido? E de que forma?

Okaay! – o mais novo concedeu, impassível. – Na verdade, o Deba me interrompeu.

O Aldebaran? Os olhos de Mu miraram o nada, perdidos e confusos, enquanto sua mente procurava algo para associar a tal informação repentina.

Por sua vez, como se fosse a atitude mais natural e apropriada do mundo, Aiolia segurou-lhe o queixo com a mão livre – decidido a fazer o que queria de uma vez, antes que alguém ou a consciência do próprio Mu pudessem interrompê-lo – e o puxou para si, beijando aqueles lábios rosados.

Porque fazer aquilo era muito mais simples do que tentarem conversar.

***

Milo não queria nem saber de conversa com ninguém. Não depois de aguentar aquele monte de baboseiras de Shina. Gostar de Aiolia mais do que como um amigo, até parece! Seguia rumo ao palco, almejando se distrair ao som da banda que estava tocando.

Porém, era claro que os deuses deviam estar conspirando contra ele, pois, no meio do percurso, encontrou certo ruivo caminhando por ali.

– Você está sóbrio – Camus constatou, arqueando as sobrancelhas.

– Hey! Por que isso te surpreende? – o loiro protestou, emburrando ainda mais.

O aquariano deu de ombros. Estava mais interessado em saber se Milo tinha visto Shaka, pois na última vez em que tinham se falado, o indiano dissera que iria até o leonino e, por fim, Camus tinha visto Aiolia perambulando sozinho pelo Meikai há um bom tempo.

– Não vi, não... – respondeu baixinho, olhando para os lados de um jeito que mais parecia estar buscando uma rota de fuga do que procurando o virginiano.

– Algum problema? – indagou polidamente, estranhando a inquietação do outro.

– Problema? Não, problema nenhum. Só algumas dúvidas...

Camus lhe lançou um olhar analítico. Ora, todas as pessoas tinham dúvidas, era algo normal e não um motivo para tamanha agitação. O que Milo precisava mesmo era resolver o que queria da vida.

– Sou muito novo pra saber o que quero... – replicou apreensivo, perguntando com incerteza: – Hmm... Por acaso, você já sabe o que quer?

– Sei, sim – respondeu sem hesitar, os cantos de seus lábios se inclinando ligeiramente naquele esboço de sorriso que era o máximo que sua seriedade concedia às vezes. – Só preciso que você se decida... Precisa de ajuda?

Continua...


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Notas finais do capítulo

Aeeee o/ Levou vinte capítulos, mas o Aiolia e o Mu fi-nal-men-te foram e panz /todascomemora -q Veremos como as coisas caminharão daqui pra frente... oo

Muito obrigada aos queridos que mandaram reviews, mensagens e e-mails, comentando, elogiando, cobrando...: Orphelin, Sango, ddkcarolina, Hanajima, Bruna Uzumaki, Tenkisei Minos de Griffon, yukari_shii, Stalker, HoneyShi, Svanhild e katsu S2

Vejo vocês muito em breve, prometo :3 (não necessariamente nessa fic, talvez)