Spirit Bound Por Dimitri Belikov escrita por shadowangel


Capítulo 24
Capítulo 24


Notas iniciais do capítulo

Meninas,
de longe essa é a pior parte de toda a série. Nem quando Dimitri virou Strigoi...
É apenas o começo.



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Desde que eu havia chegado à Corte, restaurado como um dhampir, não tinha tido um tratamento como aquele. Depois do interrogatório me levaram novamente para a cela, eu realmente não esperava que em um passe de mágica tudo se resolveria, mas aquela vigilância e desconfiança que todos demonstravam por mim, lentamente se dissipava. Pela primeira vez não fui incomodado com perguntas. Até a guarda da cela tinha passado de três para apenas um homem. Por um lado, eu sentia um grande alívio em perceber este caminho sendo tomado, embora eu tivesse a consciência que jamais teria a minha velha vida novamente.

Sentei na beira da cama, repassando mentalmente os acontecimentos do dia. Minuto a minuto revivi cada parte do interrogatório, inclusive as partes em que Rose interferiu. Quase sem querer me deixei levar pela lembrança dela. Sua força, inteligência e determinação. Essas características faziam com que ela parecesse ainda mais bonita. Uma doce sensação começou a tomar conta de mim. Mas não por muito tempo. Novamente, o conflito surgiu. Sempre que eu pensava em Rose como antes, as memórias de quando eu era um Strigoi. Era como sentimentos de duas pessoas diferentes lutassem dentro de mim. Amor e ódio. Admiração e possessão. Zelo e destruição. Sentia meu coração doer dentro do meu peito a cada batida que ele dava. A sensação era desesperadora.

Na manhã seguinte fui acordado com uma leve batida na grade da cela. Senti meu corpo reagir em alerta e me coloquei em pé no quase que no mesmo segundo. Vi que um guardião estava em pé no corredor, olhando de forma divertida para mim. Ele era uma velho amigo meu.

“Sabe que dia é hoje, Belikov?”

Forcei minha mente. “Domingo?”

“Sim, sim. Você lembra do que você sugeriu no interrogatório ontem?”

Sim, eu lembrava. Eu havia manifestado o meu desejo de ir à missa no domingo. Imediatamente aquela ideia me pareceu excelente. Pensar em ir a um lugar onde eu sempre achei paz e conforto me deu um novo ânimo. O guardião pareceu reconhecer as minhas feições contentes.

“Bem, apronte-se e considere este mais um teste.” Ele falou em um tom indiferente. “Vamos levá-lo à igreja. Se você ainda tem algo de Strigoi em você, este pode ser seu último passeio.” O guardião começou a se afastar, mas depois se aproximou novamente da cela. “Ah, quase esqueci de lhe entregar isso.” Ele estendeu par a mim uma pequena frasqueira. “São para sua higiene pessoal. Essa sua barba mal crescida lhe deixa com uma aparência péssima.”

Eu abri o kit com desconfiança. Além de xampu e sabonete, tinha algo que me surpreendeu. Lâminas e espuma para barba. Realmente alguém parecia confiar em mim para me dar um objeto cortante. Sem perder tempo, passei para o pequeno lavabo que tinha dentro da cela e comecei a me barbear. Era estranho poder me ver no espelho. Era como olhar para mim, sem realmente me ver. Strigois não tinham sua imagem refletida em espelhos e, talvez por isso, eu não tinha necessidade de me olhar para saber qual era minha aparência. Em poucos minutos eu já estava pronto para sair, somente aguardando a chamada daqueles que iriam me escoltar até a igreja.

Quando chegamos à igreja, ainda era cedo e poucas pessoas estavam lá. Eu agradeci mentalmente por não ter uma platéia para me recepcionar. Faltava quase uma hora para o início da missa. Paramos em frente à porta e eu pude ver a apreensão dos meus guardas. Era como se eles acreditassem e não acreditassem ao mesmo tempo, que eu fosse capaz de pisar em solo santo. Eu sabia que podia. Quando eu era um Strigoi, uma espécie de instinto de sobrevivência havia sido desenvolvido em mim. Instintivamente eu sabia do que eu devia me aproximar e do que eu devia me afastar. Eu sabia como me alimentar, como me esconder, contra quem lutar. E eu sabia que não conseguia entrar em uma igreja. Mas agora, não. Eu sabia que podia entrar, assim como eu sabia que não precisava mais de sangue.

Sem hesitar, caminhei para dentro da igreja, quase pegando meus guardas desprevenidos. Escolhi um dos bancos do fundo, de forma que eu podia ter uma visão de todo o ambiente, me mantendo discreto. Era um velho hábito de quando eu era um guardião.

Lentamente, a igreja começou a encher de pessoas. Algumas entravam solenemente, outras cumprimentando aos conhecidos. Na hora marcada, o padre tomou lugar no altar e deu início à missa. Percebi que, apesar da igreja estar bem cheia, o banco que eu estava não foi ocupado por mais ninguém. Eu entendia todos os sentimentos de medo e preconceito que as pessoas tinham sobre mim. Ninguém podia ser culpado ou julgado por isso.

Havia pouco tempo que a missa tinha começado, quando percebi uma pequena agitação na entrada. As pessoas observavam alguém que tinha se atrasado e vinha na direção do banco onde eu estava. Levantei meus olhos e vi quando Rose abria espaço para sentar ao meu lado. Senti meu corpo todo ser tomado de tensão. Não podia acreditar que ela tinha vindo até a igreja para me provocar. Rose definitivamente não desistia.

“Não.” Falei com uma voz baixa, assim que ela sentou ao meu lado. “Não comece – não aqui.”

“Nem pensaria nisso, camarada,” ela falou no mesmo tom de voz que o meu. “Só vim pelo bem de minha alma, só isso.”

De jeito nenhum Rose buscava qualquer coisa que fosse pela sua alma. Ela nunca foi religiosa e eu duvidava até que ela acreditasse em Deus. Só havia uma razão para ela estar ali e ao meu lado. Ela queria insistir para ficarmos juntos. Aquela ideia me atormentou. Fiquei atento a qualquer movimento dela, somente esperando para que ela tivesse alguma ação. Mas, estranhamente, ela ficou quieta, de alguma forma, prestando atenção ao que o padre falava. Assumindo que ela não faria nada grave por hora, também voltei minha atenção ao sermão do padre e deixei as palavras dele conduzirem minha mente.

Parecia que tudo era dito diretamente para mim. Ao mesmo tempo em que podia reviver mentalmente as atrocidades que cometi como Strigoi, as palavras de fé me enchiam de esperança de um dia ter remissão e retornar a ser a pessoa que eu era antes de me tornar um monstro. Mas isso ainda parecia tão impossível para mim. Completamente impossível.

Durante todo o tempo, Rose permaneceu ao meu lado. Era difícil descrever aquela sensação. Uma onda de paz e tranqüilidade me tomavam por estar perto dela, ao mesmo tempo em que o remorso e a culpa também se faziam presentes. Apesar da aparente quietude, eu percebia que ela me observava o tempo inteiro mas, de alguma forma, não conseguia me sentir incomodado ou intimidado por isso.

“Você não acha que, se Deus pode, supostamente, perdoar você, é meio egoísta não perdoar a si mesmo?” Rose perguntou, assim que as pessoas começaram a se movimentarem para a fila da comunhão. De jeito nenhum eu participaria daquele sacramento.

“Por quanto tempo você ficou esperando para usar essa frase comigo?”

“Na verdade, acabou de vir à mente. Bem boa, não é? Aposto que você pensou que eu não estava prestando a menor atenção.”

“Você não estava. Você nunca presta. Você estava me observando.” Respondi rapidamente.

“Você não respondeu a pergunta.”

Eu olhei fixamente para a fila de comunhão, tentando esboçar uma resposta para ela. Eu conhecia Rose e sabia que ela podia usar qualquer coisa que eu disse contra mim. Ela era insistente e eu não podia me deixar levar por ela.

“É irrelevante. Eu não preciso me perdoar mesmo que Deus o faça. E eu não tenho certeza de que Ele o faria.”

“O padre acabou de dizer que Deus faria. Ele disse que Deus perdoa tudo. Você está chamando o padre de mentiroso? Isso é um grande sacrilégio.”

Eu respirei em exaspero. Ela sempre conseguia fazer com que tudo se conduzisse para onde ela queria. Até mesmo questões religiosas eram encaradas desta forma por Rose.

Eu já podia sentir que aquela seria mais uma das conversas que nenhum argumento funcionaria com ela.


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