Eu resolvi que ia colocar tudo em ordem com os Três Grandes. Pedi a Hermes que falasse aos três para me encontrarem no Cassino Lótus as 03h30min daquele dia.

O plano era simples: assim que os três chegassem, eu iria levá-los para uma ilha perto da Filadélfia que não deixaria com que eles usassem seus poderes. Aquele era um lugar neutro para os três. Uma vez lá, eu iria rebaixá-los a nada, deixando os três furiosos. Eles iriam se juntar e ai eu teria que pará-los e fazê-los ver que eles são, acima de tudo, irmãos.

Contei meu plano para Héstia, que desaprovou meu método, mas disse que “para situações extremas, medidas extremas” e me desejou boa sorte. Avisei Palas que seria hoje, então era pra ela não ocupar meu pai com outras coisas. Ela ficou muito envergonhada e me deu uma bronca, mas disse que não faria nada. Contatei Perséfone e perguntei do humor de Hades, e ela disse que ele estava bem. Agradeci a todos os deuses pacifistas por isso.

~*~

- Bom tarde Mel. Estou me perguntando por que você me faz vir aqui a essa hora da tarde.

- Bom tarde Zeus. Veja bem, eu apenas acho que dois deuses desocupados como nós poderíamos bater um papinho amigável.

- Hmpf, desocupados, sei.

- Apenas sente-se ai velho, e não reclame muito. Temos que esperar mais dois convidados.

- Suponho que sejam meus irmãos. Você vai tentar cumprir sua profecia com toda aquela ladainha de ‘vocês são irmãos, não podem ficar assim’ que Héstia sempre conta? Se for isso você pode desistir. Não vai funcionar.

- Cale-se Zeus e sossegue.

Alguns minutos depois, Hades aparece.

- Oh, ver vocês dois aqui esclarece muitas das minhas perguntas. Desista Melanie. Ninguém conseguiu até agora, você também não vai.

- Boa tarde pra você também Hades. Eu e Zeus estamos ótimos, obrigada por perguntar. E você? Perséfone? Deméter? Quando mesmo você e Perséfone vão procriar? Um herdeiro seu seria muito bem vindo, além de Nico. Mas Nico é um mortal, não poderá comandar caso você precise sair em missão. Isso é algo a se pensar.

Ele me ignorou e puxou uma cadeira.

- Então seu plano é nos trazer aqui, nos embebedar e fazer-nos confessar nossos mais profundos sentimentos?

- Cale-se. Vamos esperar meu último convidado.

Alguns minutos se passaram, e nada de Poseidon. Tirei meu celular do bolso e liguei para ele. Nada. Liguei para minha mãe.

- Onde está aquele velho teimoso? Hermes entregou o recado, não?

- Entregou. Nós estamos terminando uma reunião de emergência no EM. Só vou dizer tchau pra ele e ele se transporta.

- Ótimo. Obrigada mãe. Amo-te.

- Eu também te amo, sua apressada.

E desligamos.

Poseidon apareceu. Eu me ajoelhei e pedi sua benção, já que era a primeira vez que via meu pai hoje. Depois de cumprimentar os irmãos, ele disse a mesma coisa que os outros dois.

- Vocês três se merecem mesmo. Agora fiquem quietos e relem em mim. Vocês sabem como o transporte alheio funciona.

- Você não vai nem ao mesmo nos contar aonde nós vamos pirralha?

- Hades, se vocês três fossem realmente de confiança, eu teria mandado os três pra lá direto. Mas, pra onde nós vamos vocês não querem ir nem pintados de ouro.

E transportei os três antes que eles pudessem reagir.

~*~

Branco e névoa. Era tudo que tinha ali. Assim que nós chegamos, quatro tronos apareceram, em um estilo três contra um. Sentei na poltrona solitária. Os três, ainda de pé, começaram a reclamar que ali não era um lugar onde se trouxesse três deuses inocentes e blábláblá.

- Fiquem quietos e sentem-se. Eu não quero ouvir nada de vocês três. Vocês três acham o que, que é tudo festa e que vocês mandam em tudo. Sinto muito, mas não é assim. Existe um conselho, existem outros deuses. Eu não vejo as irmãs de vocês agirem assim. Elas brigam? Claro que brigam. Mas elas não são arrogantes e prepotentes como vocês três, que pensam que o mundo gira em torno do umbigo de vocês. Sinto muito, mas não é assim.

Respirei fundo. Os três estavam chocados, exatamente o que eu esperava. Levantei, e resolvi que ia começar por Hades.

- Você, “Grande Deus do Submundo” – comecei, fazendo aspas com as mãos – pensa que é quem? Raptando a todos por ai, descontando seu mau humor nos humanos, descontando seu mau humor no seu filho. É eu estou falando do Nico. Você quase queimou seu próprio filho, apenas porque ele o contradizia sobre salvar o Olimpo. Ele tinha razão, sabia? Você não ouviu seu filho, você quase o queimou. A única coisa que o salvou foi Perséfone, a qual você também machuca. Você nega a Perséfone o maior desejo e o maior poder dela. Tirou-a dos braços da mãe e impediu-a de achar outro cara que gostasse dela. Isso não é amar, é possuir a outra pessoa.

Hades estava afrontado, ressentido, ferido. Seu ego estava murcho. Mas por ele ser o do meio, nada muito grave ia acontecer. Poseidon tinha ganas de me fazer calar a boca, eu sentia. Raiva, muita raiva, vinda dos três. Odiei-me por aquilo, mas continuei, bloqueando meus sentimos para os três. Na primeira frase eu estava normal, mas depois eu comecei a gritar.

- E você Poseidon? Com toda sua pose de deus bonzinho, você quebrou o juramento com seus irmãos, colocou seu próprio filho e sua casa em risco! Você sabia o destino de qualquer filho seu, mas mesmo assim resolveu que teria um. Deixou Sally viver com aquele porco do Gabe, deixou seu filho ser indiciado e ser taxado de criminoso. Só assumiu Percy para que ele salvasse sua bunda de uma guerra estúpida, já que Ares e Palas estariam ao lado de Zeus. Sem contar que você é tão lesado que deixou Palas sofrer por éons até se tocar que vocês estavam apaixonados. Você é tão egoísta que pensou em salvar seu palácio, e não o Olimpo! Protegesse seus súditos e partisse. Essa era sua obrigação! Você é um idiota na pele de um Rei!

Poseidon estava confuso, com raiva e magoado. Magoado e com raiva se sobressaiam. Eu queria parar e pedir desculpas, dizer que era tudo mentira, mas eu não podia, eu ia fazer aqueles três voltarem a ser irmãos de verdade. Zeus estava muito chocado por eu estar falando daquela maneira com meu pai e rei, e Hades queria me fazer sofrer. Eu apenas queria ter mais forças pra agüentar tudo que eu tinha que fazer.

- Agora, para fechar com chave de ouro, Zeus. O babaca de marca maior. Trai a esposa com qualquer mortal que aparece, não importando se elas são belas ou feias, não importando que você tenha uma linda esposa em casa, que pode assumir a forma humana que você quiser. Você é um trouxa. Engoliu sua primeira esposa, Métis, apenas para não ser destronado. Fez com ela o mesmo que seu pai fez com seus irmãos. Você acha que eles são uns babacas por não terem lutado, mas você mesmo só foi salvo graças à engenhosidade de sua mãe. Engenhosidade que você não herdou, foi direto para Palas e Hefesto. Por sinal, você é um péssimo pai. Thalia te odeia, Apollo te acha um frouxo, Artemis quer que você suma, Hermes concorda com Artemis e Palas... Bem, Palas pensa que você é um estúpido que não merece nem mesmo a morte. Que você deveria simplesmente cair no esquecimento. Agora, mesmo com tudo isso, você se acha o centro do mundo. Você é tão estúpido que um semideus pôde roubar seu raio-mestre, e você dependeu de outro semideus para descobrir a verdade.

Desviei meus olhos deles e respirei fundo. Agora era o golpe de misericórdia.

- Vocês três são uns João-ninguém. Não sei como vocês podem ser os “Três Grandes”. Só se for os Três Grandes Idiotas, porque vocês ignoram a tudo e a todos, achando que são melhores que alguém. VOCÊS NÃO SÃO MELHORES QUE NINGUÉM. SÃO APENAS DEUSES PREPOTENTES QUE QUASE FORAM DERROTADOS VÁRIAS VEZES. VOCES NÃO SÃO NADA ENTENDERAM? NADA!

Eu berrei a última parte, e encarei os três, ofegante e fingindo-me de brava, mas desmoronando por dentro. Eu queria ir para os Campos Asfódelos e esquecer-me de tudo isso. Eu era uma péssima filha, uma péssima deusa. Mas eu ia pensar nisso depois.

Eles estavam putos. De verdade. Em um segundo estava tudo quieto, e no outro os três estavam gritando comigo. Como estavam os três gritando ao mesmo tempo, eu não entendia nada além de algumas palavras soltas, um defendendo o outro. Eu consegui. Apesar de tudo, eu provoquei tanta raiva para mim que eles esqueceram a raiva que tinham uns dos outros. Eles gritaram comigo por cerca de cinco minutos, e então silenciaram.

- Vocês entenderam. Viram quão ruim é ver alguém falando mal de algo que amamos. É dessa maneira que todos nos sentimos quando vocês começam a brigar, ou a falar mal um do outro. Eu tinha uma irmã enquanto mortal. Eu tenho um meio-irmão agora. Eu brigo com os dois, mas eu amo os dois. Vocês três tem seus reinos e poder suficiente. Os mortais vivem muito menos tempo com muito menos coisas. Um chefe escoteiro me ensinou uma oração que mais parece uma meditação. Ela diz assim “Uns tem, mas não podem. Outros podem, mas não tem. Nós que temos e podemos ao Senhor agradecemos”. Vocês têm e vocês podem. Então por que continuam brigando como crianças mimadas? – Eu fiz uma pausa, na qual eu me recompunha. – Hades, me desculpe. Algumas coisas que eu disse eu não queria ter dito, outras eu inventei. Mas pense seriamente sobre Perséfone, afinal, fertilidade é o poder dela, você não pode negar isso para sempre. Zeus me desculpe. Você não é um péssimo pai, Thalia, Artemis, Apollo, Ares, Palas... Nenhum deles te odeia isso eu realmente inventei. Só pense mais sobre Hera, e vocês dois não me escaparão. Você não é nenhum estúpido, mas às vezes é um pouco obtuso. E... Pai, eu peço seu perdão. Você é um ótimo pai e um Rei excelente. Não pode resolver o problema de todo mundo, eu sei. Perdoe-me, de verdade. Sua benção, meu pai.

E cai de joelhos em frente a ele. Durante algum tempo, o silêncio reinou. Entendi que ele não me abençoaria. Levantei-me, ainda de cabeça baixa, demonstrando respeito e arrependimento. E quando eu estava para me transportar, eu ouvi.

- Eu te abençôo.