Madness, Sweet Madness escrita por Guardian


Capítulo 11
Campos Elísios


Notas iniciais do capítulo

Narrado pelo Near.



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 O barulho dos aviões pousando e decolando um após o outro era o único som que conseguia distinguir e reconhecer de fato. A multidão de pessoas, apesar de visível, por algum estranho motivo não fazia barulho algum, não podia ser tocada, e toda que eu tentava acabava inevitavelmente atravessando elas.  Ou será que era eu que não estava lá de verdade, que não podia ser ouvido ou tocado por ninguém?

 Era estranho, no mínimo curioso, mas eu tinha a nítida impressão de que estava sonhando. Mesmo que essa impressão viesse junto com a sensação de que aquilo não era, de todo, somente um sonho. Deja vú? Mas isso já tinha acontecido antes? Quando? Vamos, pense...

 ...

 “Por favor, me ajudem!”

 ... Eu... Eu me lembro disso!

 Claro, esse era o aeroporto mexicano onde nós desembarcamos... “Desembarcamos”? “Nós”?... Scott!

 Foi só pensar nele que eu pude vê-lo passando bem ao meu lado, carregando uma mala que eu sabia ser minha, e... Não faço ideia de como descrever a sensação de ter eu mesmo me atravessando naquela hora, passando logo depois de Scott. Confuso? Nem me diga. O “eu” que acompanhava esse Scott parecia realmente ser o “eu” de... Algumas horas atrás? Quanto tempo tinha se passado desde aquele momento? Enfim, aquela versão minha que andava ao lado do agente acabou por me atravessar completamente, até como se o eu de agora (deveria ter um meio menos confuso de falar sobre isso...) não passasse de um... Espírito.

 ...

 Besteira. Além dessas coisas não existirem, eu não estava morto... Estava? Pode ser que... E então eu comecei a me lembrar do que tinha acontecido ali.

 Eu tinha até olhado para os lados – discretamente, para Scott não perceber – tentando enxergar um ponto ruivo e um loiro no meio de tanta gente, mas sem sucesso. Tinha alguns loiros lá, nenhum ruivo que eu conseguisse ver, e nada deles. Estávamos caminhando em direção a uma das saídas, ainda não tínhamos andado muito, quando fomos parados.

 Aquela garota praticamente se jogou em cima de nós – ela segurou forte no braço de Scott, para falar a verdade -, e foi tão de repente que eu cheguei a dar um passo involuntário para trás. “Por favor, me ajudem!”, foi o que ela disse quase choramingando, os olhos negros com as lágrimas que ali se formavam, e os compridos cabelos, tão brancos quanto os meus, bagunçados como se ela estivesse correndo sem parar até aquele momento. Reparando, ela também estava ligeiramente ofegante.

 Scott tentou acalmá-la – e eu posso jurar que vi um resquício, quase uma sombra, de sua antiga personalidade acolhedora beirando ao galanteio, de seu antigo sorriso gentil que costumava ser tão característico dele, enquanto ele fazia essa tarefa – e “tentar” certamente era o verbo certo, porque ele passou longe de conseguir. O que conseguimos entender em meio aos soluços e palavras atropeladas foi que o irmão dela havia desaparecido, e que nenhum funcionário que ela encontrou sabia falar inglês para ajudar.

 Claro que a princípio eu suspeitei, mas ninguém atua assim tão bem. Pelo menos foi o que eu pensei na hora. Péssima, péssima conclusão.

 A partir daí não consigo me lembrar de todos os detalhes, mas de três coisas eu tenho absoluta certeza. Um, a garota não estava sozinha. Dois, não tenho noção da gravidade, mas Scott estava ferido. E três, eles me apagaram com algum produto químico, provavelmente com algo até mais forte do que clorofórmio.

 A última coisa da qual me lembro com nitidez, antes de enfiarem aquele pano encharcado no meu rosto, foi da garota se aproximando de mim e falando bem baixo, de modo que mesmo eu tivesse que me esforçar para entender as palavras, os olhos negros completamente frios: “Obrigada pela ajuda, mas eu não posso mais encontrar meu irmão. Porque vocês o mataram”.

 Nem tive tempo de analisar o que aquilo queria dizer.

 Escuro.

~x~

 Eu conseguia sentir algo morno tocando meu corpo, chegava a ser um tanto quanto... Reconfortante. O que era isso, a luz do sol? Então eu estava mesmo vivo? Ou era outro sonho?  Experimentei abrir os olhos, mas eles pareciam estar mais sensíveis à claridade do que o normal. Eu estava zonzo.

 ...

 Ah, é claro. Aquele produto devia ser realmente forte.

 Tentei mais duas, três vezes, até conseguir manter os olhos abertos, mas para focalizar a visão e tentar descobrir onde eu estava ainda custou mais alguns segundos. E eu só ficava mais e mais confuso. Esperava – era o natural a se pensar em uma situação dessas – estar em um lugar fechado e isolado, ou mesmo morto ou no mínimo machucado, então por que eu estava me vendo bem no meio de um... Campo? Bom, parecia ser um campo, tinha cheiro de campo, e... Não, ainda não fazia sentido.

 Tentando ignorar a tontura e o baixo zumbido dentro da minha cabeça, junto com a inoportuna imagem de como seriam os tais campos elísios da mitologia grega, sentei. Minha cabeça parecia protestar por eu tentar pensar e entender o que estava acontecendo, pedindo mais um tempo de descanso, mas assim forcei-a. Quem era aquela garota podia esperar um pouco, a prioridade agora era descobrir onde eu estava.

 Olhei em volta. Nada. Quero dizer, havia mato, muito mato, até o limite que minha visão alcançava, mas nenhuma pessoa, nenhuma construção, e... Espero, nenhum animal também. Parece que eu terei que andar pra descobrir alguma coisa...

 Assim como minha cabeça, meu corpo protestou pela atividade, mas levantei e olhei para os lados, tentando decidir para qual lado seguir. O que se fazia em uma situação como essa? Seguia o movimento das estrelas? Mas ainda era de dia. Media a direção do vento? Do que isso adiantaria? Seguia os instintos? Nenhum parecia querer se pronunciar. Eu nunca sequer já acampei alguma vez em toda minha vida!

 Como Matt diria, dane-se. Estou perdido, sozinho, sem ideia do que fazer, só me resta apostar na sorte. Se é que eu ainda tenho alguma.

~x~

 Acho que eu nunca andei tanto antes, talvez nem metade do que agora. E isso explica o porquê de eu não tenho resistência alguma para uma atividade desse nível. Minhas pernas doíam, meus pulmões aparentemente já tinham desistido da missão de armazenar oxigênio, e meu coração batia de forma quase descontrolada. Mas eu não podia parar. Estava escuro já, e eu não podia desabar antes de encontrar alguém ou, no pior dos casos, algum lugar onde pudesse descansar sem medo do que quer que saísse durante a noite nesse lugar.

 A vegetação rasteira parecia roubar a praticamente inexistente energia que ainda me restava, a cada passo que eu dava, e o vento frio que começava a soprar batia nas minhas costas e era como se pedisse para eu cair logo de uma vez. Eu estava com medo.

 Por que eu tinha sido jogado aqui? Por quem?... Será que Scott estava vivo?

 Estar sozinho nunca me doeu tanto... Matt... Mello...


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Notas finais do capítulo

Viram, o Near está vivo e inteiro (por enquanto) ~
Hehehe A Luluh-chan foi a única que adivinhou no começo que a pessoa misteriosa era uma mulher xD
Eh... e então? :3