- Sr. Mellark! – exclamou uma mulher de pele morena e cabelos negros que pendiam em um coque, a mulher trajava um vestido negro que se arrastava ao chão, e andou em direção a Peeta e Katniss com os braços abertos como para os acolherem em um abraço – E senhorita... Everdeen? Ou devo dizer senhora Mellark?

- Everdeen – respondeu Katniss.

- Por ora – acrescentou Peeta com um sorriso brincando aos lábios, soltando as mãos de Katniss e abrindo os braços para cumprimentar a mulher com um apertado abraço – Comandante Paylor – cumprimentou Peeta educadamente.

Katniss não reconheceu sua presidenta. Sempre a vira com uma arma na mão e farrapos, das quais ela chamava de roupa. Sempre com arranhões e hematomas. Sempre com as feições duras e um olhar severo.

- É bom ver vocês aqui, estamos os aguardando para poder servir o jantar – Katniss não sabia se deveria agradecer por Paylor estar fingindo felicidade em vê-los, ou se deveria censurar sua presidenta por tamanha falsidade.

- Como está rapaz? – perguntou Haymitch com uma taça de vinho as mãos, parecia já ter bebido sua cota da noite, mas ainda sim se lembrava do ataque que Peeta tivera mais cedo. Apesar de estar falando com Peeta seus olhos estavam fixados a frente, Katniss não se incomodou em olhar e ver o que era.

- Não se preocupe – foi apenas o que Peeta respondeu, com um sorriso tranquilo ao rosto enquanto puxava uma cadeira para Katniss se sentar ao lado de Haymitch.

- Eu cozinho melhor do que isso – murmurou Johanna torcendo os lábios ao cutucar com o garfo um pedaço de salmão que estava em seu prato – Isso aqui está mais duro do que a cabeça de Enobaria.

- Eu pensei que viria mais gente – confessou Katniss olhando em volta e não vendo mais pessoas do que as que já vira.

- E vêm, para o baile – Gale puxou uma cadeira e sentou ao lado de Peeta – Paylor não pode se dar ao luxo oferecer um grande jantar para metade da população da Capital, que virão para o baile.

- Panem está passando por uma crise ou algo do tipo? – perguntou Peeta a Gale, ele parecia estar realmente interessado no assunto.

- Algo do tipo – respondeu Gale puxando uma taça e uma garrafa de vinho que estava próximo a Haymitch, ele que por sua vez lançou um olhar desconfiado para Gale com sua garrafa, logo voltou a olhar para o que quer que estivesse fitando – A revolução teve seus gastos. Parte dos Distritos e da Capital precisaram ser restaurados, e os próprios Distritos não tinham como arcar com as despesas, de forma que Paylor teve de arcar com as despesas de toda a Panem com o dinheiro dos cofres da Capital.

- E como ás pessoas da Capital tem lidado com isso? – Peeta perguntou.

- No começo foi mais difícil – confessou Gale – Esse pessoal vivia literalmente no mundo da lua, ter de cortar os luxos dos quais estavam acostumados gerou uma certa aversão da população ao governo de Paylor, mas aos poucos eles começaram a perceber que ela estava tentando conciliar o melhor para toda a Panem.

- Uma bela história – Johanna empurrou o prato para frente – Mas me diga, você vive no 2, não na Capital, como sabe de tudo isso?

- Faço parte da equipe administrativa do 2 – ou, como Katniss gostava de chamar, os caras do poder – É minha obrigação saber.

- Porque você não nos contou isso Haymitch? – perguntou Katniss se virando para Haymitch, já que ele fazia parte da equipe dos Caras do Poder, mas Haymitch não a ouviu, continuou focado no que quer que seja.

- Qual é a dele? – perguntou Johanna.

- Ele parecer estar avaliando Effie, e seu noivo – respondeu Peeta, seguindo os olhos de Haymitch, e os grudando em uma figura mínima, que estava sentada ao lado de Annie e com Finnick no colo.

Katniss não havia notado-a, e por um segundo quase não acreditou que aquela era a Effie.

Os cachos curtos de Effie haviam se transformados em um longo encaracolado que pendiam para baixo dos ombros, os loiros pareciam estar da cor natural, apenas com as pontas escurecidas. A maquiagem não se passava de uma leve sombra com um mínimo de base. E havia um homem ao seu lado. Alto com ombros largos, com um sorriso alegre e verdes olhos simpáticos. Agora entendia porque Haymitch estava naquele estado.

- Eu vou subir – falou Haymitch por fim.

- Não vai perder muita coisa – murmurou Johanna.

Haymitch se levantou, e arrastou-se a longos passos até o elevador, quando a porta do elevador se abriu, um grupo de pessoas saiu, e Haymitch entrou.

Katniss sorriu ao ver Octavia, Venia, e Flavius, junto com eles mais meia dúzia de pessoas, que apenas de vista, Katniss sabia ser da Capital. Não eram escandalosas como as pessoas da Capital costumavam ser, eram menos superficiais, e quase poderiam se passar por pessoas normais. Quase. Ainda vestiam roupas de cores florescentes e mantinham penteados nada tradicionais.

Em um piscar de olhos, o elevador voltou a se abrir, várias e várias vezes, pessoas e mais pessoas saíam, e logo o Salão estava lotado.

- Dança comigo? – perguntou Gale, para surpresa de Katniss, a Johanna.

Johanna soltou um pesado suspiro.

- Não pode ser pior do que ficar parada aqui – e assim, a loira entrelaçou sua mão, na mão estendida de Gale, e juntos foram para a pista de dança, que há essa hora estava lotada, Katniss nem se lembrava de ter ouvido a música começar a tocar.

- Me concede a honra? – perguntou Peeta em pé ao lado de Katniss, com a mão estendida, e um sorriso que ia dos lábios aos olhos.

- Ela é sua – respondeu Katniss retribuindo o sorriso e pegando a mão de Peeta.

Ele a conduziu a pista de dança, e passou ambas as mãos por sua cintura, enquanto Katniss passava os braços em volta da nuca de Peeta. A música era lenta, de forma que se mexiam suave e sincronizadamente no lugar.

- Bom, não está sendo tão ruim essa viagem – disse Peeta.

- Não, se continuar assim, por mim não teria problema.

- Parece que até Johanna está gostando – disse Peeta lançando um olhar de relance para o lado, Katniss também olhou, e lá estava Johanna, com um quase sorriso no rosto, grudada a Gale.

­Annie se mexia em algum lugar na pista com um Finnick risonho ao colo, havia dois rapazes da Capital admirando-a, e falando qualquer coisa que fazia Annie ri. Effie se mexia com seu noivo, não muito longe de Annie, e até Enobaria encontrara um par. Katniss sentiu pena apenas por a única companheira de Haymitch ser sua amargura e solidão. E uma garrafa de álcool, claro.

- E que história foi aquela com Paylor, “Everdeen, por ora”? – perguntou Katniss tentando imitar a voz de Peeta, mas apenas conseguindo arrancar uma gargalhada do garoto com isso.

- Pretende manter o nome de solteira mesmo depois que nos casarmos? – perguntou Peeta, Katniss agradeceu a tênue luz que pairava no salão por disfarçar o tom que suas bochechas adquiriram, um ano ainda era pouco tempo para que ela conseguisse falar do assunto sem corar.

- Não, não pretendo – respondeu ela, afinal, do que adiantaria negar, estava pronta para passar resto de sua vida com Peeta, e se ele queria que um dia passassem pelo ritual e cerimônia de casamento, Katniss faria de bom grado para vê-lo feliz.

- Então vai se acostumando – o salão parecia não caber mais gente, o elevador voltara a se abrir e mais pessoas chegaram, e mesmo com Paylor racionando a comida de toda a Panem, havia garçons andando entre os convidados com bandejas, servindo petiscos e bebidas. Era bom ver que os garçons não eram forçados a trabalhar com os avox. Eram assalariados e tinham todos os direitos trabalhistas garantidos, assim como todos os outros serviçais que estavam servindo os convidados nos apartamentos e os serviram no trem. Katniss sentiu Peeta se enrijecer, e fora isso que a tirara de seus pensamentos.

- Está tudo bem? – perguntou ela. Peeta parecia tenso, seus olhos tornaram-se duas fendas azuis, imperceptíveis e duras, eles fuzilavam qualquer coisa perto do elevador, Katniss se virou e tentou ver o que Peeta via – O que foi?

- Que tal irmos embora? – sugeriu ele.

- Mas Paylor ainda vai fazer um discurso... – Peeta a silenciou colocando o indicador em seus lábios.

- Vamos fazer nosso próprio baile – disse ele, e embora voltasse a sorrir, seus olhos ainda estavam tensos.

Katniss não pensou duas vezes, e logo já estavam saltando do elevador, para o apartamento dirigido aos convidados do Distrito 12. O casal quase tropeçou em cima de um Haymitch desmaiado ao sair do elevador.

Peeta fez a gentileza de arrastar Haymitch até o sofá e tirar a garrafa de vinho de sua mão, tentara também tirar a faca de Haymitch da outra mão, mas mesmo entorpecido, desmaiado e embriagado, Haymitch não a soltou.

- Velhos hábitos nunca mudam – comentou Katniss se dirigindo ao quarto, puxando Peeta pela mão.

- Eu tive um sonho outra noite – começou Peeta entrando no quarto e fechando a porta – Você abusava de mim.

- O que? – perguntou Katniss quase berrando, incrédula.

- Eu estava dormindo... Mas não estava, na verdade, estava meio acordado, mas fingindo dormir, e você pensando que eu estava dormindo, me beijava. A primeira vez que estivemos na arena – Peeta estava com um sorriso travesso no rosto – Você abusou de mim Katniss Everdeen. Verdadeiro ou falso?

Katniss corou levemente, mas não deixou de rir.

- Verdadeiro, não posso negar.

- É egoísmo de sua parte só você se lembrar bem do nosso primeiro beijo.

- Pena que não podemos fazer nada a respeito – disse Katniss deixando as sandálias em um canto, e tirando os prendedores que firmavam seu penteado, assim com a tiara.

Katniss cambaleou quando Peeta a virou de surpresa para de frente a si, de forma que suas mãos foram o que a seguraram.

- Vamos fingir que nunca demos um único beijo na vida – disse Peeta um tom mais baixo.

- E então eu não serei egoísta? – perguntou Katniss em um tom de brincadeira.

- De jeito nenhum – respondeu Peeta se aproximando de Katniss.

Os lábios de ambos se tocaram, os de Katniss se abriram em um convite para Peeta poder explorá-los. O beijo começara suave e macio, as mãos de Katniss passaram pela nuca de Peeta, o puxando mais ainda para si, as mãos de Peeta se pousaram na cintura de Katniss, de um beijo, passaram para outro, e do outro para outro. Logo já não eram tão suaves e calmos, adquiriram um tom fugaz e urgente, e nesse momento a cama os acolheu de bom grado.

Fora a luz irritante do sol que fizera Katniss acordar.

Ela enrolou o máximo que pode, adiando a hora de abrir os olhos, apenas para não perder a sensação de calma e prazer na qual estava mergulhada.

Virou-se para o lado e esticou a mão, a fim de encontrar Peeta, mas quando sua mão tocou o travesseiro, Katniss abriu os olhos. Por um momento Katniss se alarmou, mas um bilhete sobre o travesseiro a tranqüilizara.

“Bom dia, reunião para começarmos elaborar a constituição, não perca hora. Pães frescos te aguardam no forno.

Eu te amo. Peeta.”

Com um sorriso, Katniss se levantou, fez sua higiene matinal, e foi encontrar os pães te Peeta que lhe esperavam com um jarro de suco na cozinha.

O apartamento estava vazio, de forma que provavelmente Haymitch e Peeta já teriam descido para a sala de reuniões no primeiro andar, o que significava que Katniss estava atrasada.

Katniss não se apressou nem um pouco, e foi para o elevador e andou tão tranquila quanto se permitia até a sala.

- Finalmente, o tordo – Esse fora o “oi” de Enobaria.

Uma mesa enorme e redonda estava colocada no meio da sala, painéis tomavam conta das quatro paredes, computadores estavam colocados de frente o lugar de cada um. Havia duas cadeiras vazias.

- Então podemos começar – disse Paylor.

- Ainda não – falou Beetee, e só então Katniss se lembrou que não o vira no baile – Onde está Peeta?

Uma dúzia de olhos se viraram para Katniss.

- Ele já veio... – respondeu ela automaticamente – Antes de eu acordar.

- Não, eu fui a primeira a chegar, e teria visto o garoto do pão se ele tivesse vindo – falou Johanna.

- Eu não o vi no apartamento – disse Haymitch se levantando.

Katniss andara pelo apartamento antes de descer, não havia ninguém lá. Até a porta do telhado estava trancada. Se Peeta não estava no apartamento, e se Peeta não estava na reunião... Katniss engoliu em seco.