POV Annabeth
Meus olhos doeram no primeiro momento que tentei abrí-los. Ao contrário do que esperava, não havia mais nenhuma música tocando em um volume ensurdecedor, o número de pessoas presentes havia sido relativamente reduzido a apenas algumas jogadas pelos cantos, desmaiadas ou dormindo, e a única luz que iluminava o local era do próprio sol, vinda de uma enorme parede de vidro que eu não notara no dia anterior.
Tornei a fechar os olhos, tentando voltar a dormir, mas já era tarde demais para isso. Tudo no meu corpo doía, desde a minha cabeça latejando até as minhas pernas parecendo estranhamente molengas. A única parte que eu desejava que parasse de funcionar e continuava a trabalhar a todo vapor eram os meus ouvidos, aguçados como nunca.
- Se se importa tanto, por que não ficou cuidando dela, hein, Di Ângelo? - berrou a voz esganiçada de uma menina.
- Você está me chamando de negligente, Grace? - um rapaz retrucou, no mesmo tom.
- Pelo amor de Deus, você queria que eu te chamasse de quê? Porque, vamos ser realistas, eu não vejo nenhuma responsabilidade em largar a própria namorada no banheiro enchendo a cara...
- E é muito "responsável" trair a melhor amiga do jeito que você fez, não é?
Os dois fizeram silêncio e, enquanto isso, ainda de olhos fechados, tentei colocar aquelas palavras em ordem. Eu conhecia seus sobrenomes, conhecia aquelas pessoas, suas histórias de vida e porque havia uma ligação forte tanto entre eles quanto a mim. Mas por que nada fazia sentido naquele momento? E, meu Deus, o que aconteceu comigo?
- Você não sente nenhum tipo de arrependimento, Thalia? - o rapaz sussurrou - Que tipo de ser humano é você?
- Eu provavelmente não sou do tipo que larga as pessoas sem mais nem menos...
A voz da menina passou a soar mais baixo ainda. Um outro silêncio prolongado. As coisas começavam a fazer alguma espécie de sentido. Quem discutia ali era Nico e Thalia. Há quanto tempo eles não se falavam? E por que raios voltaram se falar agora, justamente no momento em que eu apenas quero silêncio para poder voltar a dormir?
- Eu não consigo entender porque você não pode simplesmente pedir desculpas.
- Pelo mesmo motivo que você - dessa vez ela gritou e a discussão voltou ao seu tom alto, embora as palavras passasem a se embolar e não fazer nenhum sentido na minha cabeça. Meus olhos, ainda que fechados, pareceram extremamente pesados e o meu corpo estranhamente leve. Estava prestes a apagar de novo...
- Annabeth? - sussurrou uma voz em meu ouvido. Eu estava tão grogue a ponto de não ter sentido ninguém se aproximar.
- Hum? - foi a coisa mais coerente que conseguira murmurar.
- Será que esses dois nunca vão parar de gritar? - eu conseguia imaginar perfeitamente a pessoa que falava comigo revirando os olhos, mesmo sem ter a menor ideia de quem fosse - É, acho que não... Acho também que não rola você sair caminhando por aí... Vem comigo.
Mesmo sem nenhuma resposta da minha pessoa, senti meu corpo sendo erguido por mãos fortes e um cheiro de maresia invadindo minhas narinas. Aquele com certeza era um lugar para apagar muito melhor que o anterior.
POV Percy
Por mais linda que ela parecesse dormindo, acho que eu nunca poderia descrevê-la como um anjo ou qualquer coisa parecida, como a maioria dos artistas fariam. Annabeth tinha um sono extremamente inquieto. Ela murmurava coisa sem nexo, remexendo-se de um lado para o outro. Se dependesse de Thalia ou Nico, ela teria saído rolando pelo chão, quebrado aquela maldita parede de vidro e caído de um altura de dois andares.
Talvez trazê-la para a minha casa e tê-la deitado na minha cama não fora a atitude mais prudente do mundo, mas o que mais eu poderia fazer? Talvez esse fosse o mínimo depois dela ter feito o mesmo por mim na minha primeira festa da Goode High School (aka capítulos 5 e 6), quando era eu quase entrando eu coma alcóolico.
Mas o que me fizera mesmo erguê-la daquele chão e colocá-la dentro do meu carro, fazendo o possível para que ninguém nos visse, fora a necessidade que eu sentia de vê-la em segurança. E mesmo sabendo que não era a pessoa certa para isso, eu definitivamente precisava mantê-la segura.
- Percy? - escutei uma voz fina perguntar, ainda que confusa. Annabeth olhava-me com os olhos semicerrados, em parte por causa da luz forte saindo pela janela, em parte pela confusão que deveria estar a sua cabeça.
- Bom dia, Bela Adormecida - disse sorrindo, deixando o violão encostado na poltrona em que estava sentado.
- O que... que raios aconteceu? E por que minha cabeça dói tanto?
- Por onde você prefere que eu comece? - considerei o silêncio qe ela fez um sinal para continuar - Digamos que Thalia tenha te levado para o mal caminho se é que você me entende...
A princípio, sua expressão continuou confusa, mas acredito que logo uma série de flashes e lembranças começou a chegar em sua cabeça, porque seus olhos se arregalaram e ela se jogoou deitada na cama novamente, parecendo assustada. Eu meio que entendia o que ela estava sentindo.
- Eu não acredito - ela mumurou, abismada.
- Pois é... Você só tá dizendo isso porque ainda não viu a marca vermelha no seu braço. Pelo pouco que eu sei, mais de uma seringa passou por aí.
- Ah não, não, não...
- Sim, sim, sim - eu ri sem humor.
Ela continuou deitada, em silêncio, até que se levantou rapidamente, sentando-se com as costas retas em meio ao emaranhado de lençóis.
- Acho que eu atrapalhei alguma coisa... - disse, apontando a cabeça para o violão.
- Não, imagina, eu...
- Você estava tocando.
- É - respondi, dando um suspiro derrotado. Isso apenas fez que desse uma risada leve, indicando para que eu me sentasse a sua frente.
- Você podia continuar. Só que tocando pra mim, sabe?
Foi como se um sapo estivesse passando pela minha garganta. Minha cara provavelmente deve ter ficado muito vermelha porque ela só riu mais ainda de mim. Por que tocar apara Annabeth soava tão constrangedor?
De qualquer jeito, eu levantei-me com o violão em mãos e sentei-me a sua frente. Ela deu um sorriso cheio de expectativas, cruzando as pernas e sinalizando com a cabeça para eu eu começasse. Respirei fundo antes de começar a dedilhar e cantar a música que tocava anteriormente, antes que ela acordasse.
(http://www.youtube.com/watch?v=udBP7poismk)
Mesmo que tenha mantido os olhos baixos o tempo todo, eu podia sentir ela olhando para mim e sorrindo. E podia jurar que era o sorriso mais lindo do mundo. Como a própria música dizia (QUE POR SINAL VOCÊS PRECISAM ESCUTAR *-------------------*) "eu não queria deixá-la agora". Nem agora, nem nunca.
De um jeito que fazia todo e nenhum sentido, depois da última nota, repousei calmamente o violão ao meu lado. Segurei delicadamente seu rosto pequeno entre minhas mãos grandes, dei uma última olhada em seus olhos cinzentos como uma tarde tempestuosa e levemente encostei seus lábios nos meus.
Mesmo que parecendo um pouco assustada, ela correspondeu. Aquele era sem dúvida o melhor beijo que já havia dado. Era doce e suave e tinha a pressão certa no momento certo. Seu eu pudesse, faria aquele momento durar para sempre...
- Percy, querido... Ah meu Deus, você não estava com a Rachel?
Assim como começara, subitamente, a mágica acabara no momento que minha mãe escancarou a porta do meu quarto, gritando as palavras erradas na hora errada. Annabeth olhou-me com a mesma expressão de mais cedo, só que, além de confusa, parecendo arrependida e chorosa, antes de pegar os sapatos no chão e sair correndo dali, murmurando um pedido de desculpas para dona Sally.
A mesma olhava-me de um jeito nada bom. Ambos escutamos a batida da porta da casa lá embaixo e ambos sabíamos que uma tremenda discussão estava por vir a seguir. É, fudeu.