Projeto Hoshi escrita por dreamerbee, Clube TMJ


Capítulo 7
Capítulo 7




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Prontinho! Mais um cap!
Não esqueçam das notas no final!

Boa leitura!


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21 de fevereiro - 14:05 no HST (Hoshi Standart Time)

  O auditório da Academia era separado do prédio principal. Era amplo e, ao invés de teto, possuia um enorme domo por sobre o grande palco de madeira, que lhe havia rendido o apelido de "Ovo de Vidro" entre os habitantes da nave. Além do domo, possuía amplas janelas, iguais às do refeitório. Como tudo mais na escola, era branco. E enorme. Júlio rumou com Monica e Dan para o prédio após as aulas. Eles quase haviam se perdido no enorme campus, porém, com a ajuda de um mapa de localização que encontraram em uma das praças, conseguiram chegar a tempo da palestra de recepção da diretoria.
  Os três correram o mais rápido possível, se misturando ao restinho do grande grupo de alunos que entrava e ocupava as cadeiras, dispostas em semi-círculo e em desnível em torno do palco. Com esforço, encontraram três lugares próximos vagos e jogaram-se nas cadeiras, forradas de azul-petróleo. A diretora ainda não chegara e nenhum dos três falou nada enquanto recuperavam o fôlego.
  O nível de ruído no auditório era tremendo. Todos os alunos, de todas as gradações - menos a Faculdade - estavam ali, conversando, brincando, fazendo bagunça e passando por entre as cadeiras, subindo e descendo as escadas. Júlio deixou a atmosfera envolvê-lo, abrindo todos os sentidos para o ambiente que o rodeava. Olhou para os novos amigos, que ainda ofegavam ao seu lado. Não sabia explicar, mas havia nascido uma empatia entre os três - com Monica, desde o dia em que desembarcaram, com Dan, desde a hora do almoço. Ele era bem prático, não acreditava em destino ou nada do tipo, mas também não sabia dizer o que era aquela amizade que nasceu tão espontaneamente. Talvez por serem três novatos, chegando à nave agora, tendo que lidar com tantas mudanças e descobertas. Além de que, gostava do jeito dos dois. Monica era doce e gentil, Dan era muito, muito sincero. Ele, Júlio, era só um idealista com sede de mudança e vontade de aprender. Os três pareciam diferentes demais, mas algo os unia.
  O barulho alto foi tornando-se um sussurro leve a medida que os professores e convidados subiam no palco e ocupavam cadeiras também forradas de azul-petróleo. Quando todos sentaram, os estudantes aplaudiram aducadamente até a diretora sinalizar com a mão e levantar-se.
  Ela aproximou-se do púlpito onde estava instalado um microfone e sorriu.
  - Seja muito bem-vindos, alunos e alunas! Aos recém-chegados, desejo as boas vindas e aos que retornam, é bom vê-los novamente. Eu sou a diretora Pipa e estou aqui para conversar com todos vocês sobre a vida na Academia.
  Mais sussurros se seguiram enquanto ela fazia uma pequena pausa. A diretora limpou a garganta e novamente o ruído morreu.
  - Dirigindo-me em particular para os recém-chegados, vocês todos devem saber - e, mais do que apenas saber, ter percebido - que a Academia Escolar é diferente das escolas da Terra. Todos vocês presentes aqui neste momento estão prestes a assumir uma grande responsabilidade por um ano inteiro. Estudar fora nunca é fácil, mas vocês não estão em outra cidade, outro estado ou mesmo em outro país. Estão em uma colônia humana fora do seu planeta de origem e aqui apenas vocês poderão responder por si próprios. Deverão seguir as normas de disciplina e de segurança com precisão. Qualquer problema será sanado pelo Setor de RH, diretamente com vocês; casos extremos resultarão em deportação imediata do Cruzador. Espero que se lembrem bem disso. Vocês não são mais crianças.
  Júlio engoliu em seco. Aquilo não era uma brincadeira e agora, ouvindo as palavras da responsável pelo complexo educacional onde ele iria estudar, mais do que nunca deu-se conta disso.
  Olhou de relance para Monica, que também parecia apreensiva, mas que sorriu para ele mesmo assim, buscando tranquilizá-lo além de tranquilizar a si mesma. Dan ouvia com atenção as palavras da diretora e não desviava o olhar. Ele voltou-se para o palco quando a voz voltou a ressoar pelas caixas de som.
  - Posso parecer severa, mas tudo isso é dito pensando apenas na segurança de vocês. Então, as normas básicas que devem ser seguidas são... Nenhum estudante deve deixar o campus durante os horários de aula, a menos que tenha autorização expressa de autoridades competentes. Os estudantes não devem deixar a escola a pé, devendo sempre tomar o ônibus anti-gravitacional, mais conhecido como Leviabhus, que os leverá direto para o Setor 2, ou seja, o setor habitacional. Vários Leviabhus sairão da escola assim que terminarem as aulas e podemos garantir que haverá transporte para todos, portanto, não haverá desculpa de falta de transporte caso um aluno seja pego saindo das imediações da escola a pé. Os estudantes poderão se canditatar ao estágio prático a partir da 1ª gradação; estudantes de 8º ano ainda não estão aptos aos cargos. Caso o estudante seja estagiário, deverá receber um passe da direção para pegar um Leviabhus especial ou seguir a pé, a depender de onde ele faça estágio.
  Assim que saírem daqui, receberão sua identificação estudantil, que todos devem passar no leitor óptico para marcar presença sempre que entrarem e saírem das suas salas. Além disso, a identificação estudantil será o seu principal documento na Hoshi, substituindo o catão de identificação provisório que todos receberam quando vieram para cá. Portanto, não a percam; não se trata só da "carteirinha da escola".
  Agora daremos início às palestras de orientação vocacional. Aconselho todos a escutarem com atenção, já que a maioria de vocês deseja trabalhar na Hoshi; lembrem-se que a Academia funciona principalmente com o intuito de prepar vocês para seguir carreira no Cruzador. Portanto, observem bem as áreas e escolham a que mais sentem afinidade; comecem então a estudar com o intuito de ser aceito no seu departamento pretendido. Por favor, uma salva de palmas para nossos convidados!

  O auditório havia rompido em aplausos. Helvinho cutucou Felipe, animado; as atividades do dia o haviam deixado um pouco mais acordado, embora ainda estivesse cansado.
  - Olha lá, cara! É a Chefia!
  - Iiiiih, é mesmo! Nem acredito que ela vai dar palestra pra gente!
  - Bora dar "tchauzinho" pra ela, vamos?
  - Hahaha, vamos! Mas se prepara pra morrer na mão dela hoje de tarde!
  Os dois começaram a acenar animadamente, de maneira espalhafatosa, para Bianca, que ergueu a mão discretamente para eles, como quem alerta para que pare. Eles pararam, mas não sem cair na risada.
  - A cara dela!
  - É hoje que o couro come lá no setor!
  - Dá pra parar, crianças? Eu quero prestar atenção! - Emily queixou-se, fazendo biquinho.
  - É vamos parar - Felipe acrescentou - A Chefa levantou, acho que é a primeira a falar.
  Bianca aproximou-se do microfone e sorriu.
  - Muito boa tarde a todos. Meu nome é Bianca Andrade e eu estou aqui em nome do Setor de RH do Cruzador Hoshi. Vocês muito em breve notarão que o contato com o Setor de RH é constante para todos os habitantes da nave - isso porque a nossa missão básica é cuidar do bem-estar de todos os tripulantes do Cruzador. Nós monitoramos o processo de adaptação dos recém-chegados, avaliamos o comportamento e o estado de espírito dos habitantes estabilizados, possuímos um núcleo de tratamento para distúrbios psicológicos e consultórios de psicanálise, realizamos atividades periódicas visando o crescimento do quociente emocional dos tripulantes da nave além de monitorarmos todos os aspectos socias, como confraternizações e organizações de eventos. Basicamente são essas as funções do setor de RH. Somos uma equipe aberta e alegre, e esperamos ver vocês trabalhando conosco em breve.
  Um menino da primeira fileira soltou um "cofINÚTILcof". A diretora lançou a ele um olhar severo, enquanto Bianca alargou o sorriso, também direcionado para o local onde ele estava.
  Helvinho e Felipe olharam-se. Tinham pena daquele pobre coitado.
  Ele certamente iria pagar caro por aquela brincadeira, mais cedo ou mais tarde...

  Rafael entrou no auditório silenciosamente, esperando não ser notado. Havia se atrasado para a palestra, mas não era sua culpa; havia demorado a encontrar na biblioteca alguma coisa útil sobre a Galáxia de Aquamarinne, e ele precisava concluir um relatório para o estágio. Não queria estar ali. Sequer precisava mais daquilo, afinal, já havia escutado aquela mesma conversa no primeiro dia de aula da 1ª e da 2ª gradação, mas todos os alunos da Academia eram obrigados a assistir à orientação vocacional. Olhou em torno, sentindo-se exasperado.Não parecia haver um lugar vago sequer...
  Olhou para uma figura que acenava discretamente para ele. Era a menina com quem havia conversado na festa de volta às aulas; Anita, ele achava que era seu nome. Ela silenciosamente explicou através de mímica que havia um lugar vago ali e ele rumou agradecido naquela direção.
  - Você deu sorte - ela sussurrou quando ele sentou-se ao seu lado - Chegou exatamente entre um palestrante e outro. Já estamos na orientação vocacional...
  Ele massageou as têmporas.
  - Não sei nem porque precisamos assistir à essa inutilidade. Já temos estágios. Já estamos encaminhados. Não precisamos de nada disso e seria mais produtivo se estivéssemos trabalhando.
  - Ei - Francielli argumentou, entrando na conversa - Não é todo mundo aqui que tem estágios como vocês, Oh Deuses Supremos da Inteligência! Nós, meros mortais, queremos saber mais sobre os setores também.
  - Que seja - ele revirou os olhos - Não é como se os alunos antigos já não tivessem ouvido tudo isso. Essa palestra deveria ser obrigatória apenas para os recém-chegados.
  Francielli ia retrucar, mas Anita sinalizou para que os dois se calassem. O próximo palestrante havia se levantado.
  - Olha, é o Alferes! - Anita falou - Isso deve ser interessante!
  - Mais interessante do que a palestra daquela estranha do RH, sem dúvida...
  Zé Luís dirigiu-se ao púlpito.
  - Boa tarde a todos. Meu nome é José Luís Sousa e eu sou o Alferes do Cruzador Espacial Hoshi. Estou aqui para falar para vocês sobre as tarefas e ocupações do Setor de Comando. - ele fez uma pausa para respirar. Nenhum aluno falou nada, estavam todos absorvidos no discurso; a maioria deles havia vindo para a Hoshi seduzida pelo Setor de Comando. - Nosso trabalho consiste em, basicamente, traçar o curso da espaçonave, além de monitorar o funcionamento dos seus circuitos internos e de controlar o fluxo de entrada e saída de sondas e outros tipos de ônibus espaciais do Cruzador. Para simplificar, somos responsáveis por "pilotar" a Hoshi, além de servir como "torre de comando" e processar informações advindas de explorações de ambientes extraterrenos, como a Lua ou Marte. É um trabalho delicado e importante. Compreendo que muitos de vocês devem ter vindo para cá pensando no Setor de Comando - muitos alunos se endireitaram nas cadeiras -, mas gostaria de alertá-lo que este é um trabalho para poucos. Mais do que isso, é um trabalho para os melhores. Portanto, esforcem-se, dêem tudo de si, e espero trabalhar com vocês em breve! - ele sorriu nervosamente antes de sentar-se de novo. O auditório rompeu em aplausos.
  - Então quer dizer que você é uma dos "melhores"? - Francielli perguntou, bem-humorada, para a amiga - Sei não, hein?
  Rafael observou que a garota chamada Anita parecia, apesar de tudo, um pouquinho orgulhosa de si mesma. Ela sorria levemente, quase imperceptivelmente. O sorriso não era presunçoso, ou particularmente radiante, apenas satisfeito e sincero.
  Ele não pôde evitar sorrir também.

  Bee levantou-se da sua cadeira e dirigiu-se para o púlpito dos palestrantes. Tentou não ficar nervosa, mas ao mesmo tempo tentou não lembrar da cara de Koz quando descobriu que havia sido ela a escolhida para representar o setor deles. Ela havia rido por uma boa meia hora naquele dia.
  Era uma pequena vingança, afinal, ela pensou com uma pitada de satisfação cruel. Se ele se concentrasse mais no trabalho e menos naquela imbecil aguada seria ele, e não ela, quem estaria ali. Limpou a garganta e sorriu abertamente. Sentiu seu estômago saltar levemente.
  - Meninos e meninas, boa tarde! Meu nome é Bee Costa, e estou aqui para falar para vocês sobre o Setor de Serviços! - viu os alunos sorrirem para ela, o que aliviou um pouco a sua ansiedade - O Setor de Seviços é um dos mais dinâmicos do Cruzador. Somos responsáveis pelo atendimento em lojas, refeitórios e outros estabelecimentos, pela limpeza da nave, pelo trato de plantas e animais nos Parques e no Zoológico, por serviços de entrega de encomendas... Basicamente, fazemos de tudo um pouco! Os empregos têm rotatividade, portanto, mesmo que agora eu esteja trabalhando no refeitório Alfa do Setor 3, em breve posso ser transferida para outra função. Alguns de vocês devem estar encarando o que digo com a mentalidade terráquea de que esses empregos não são tão importantes. Gostaria de avisá-los que na Hoshi não é assim. Aqui, o Setor de Serviços é de vital importância, sendo um dos pilares para o funcionamento da nave. Não há diferença de salários em relação aos mesmos postos dos outros setores. Portanto, se você for uma pessoa dinâmica e cheia de energia, por favor, junte-se a nós!

  Kelsi aplaudiu sinceramente a palestrante alegre que havia acabado de se sentar. Tinha muito respeito pelo Setor de Seviços, afinal, eles eram alguns do funcionários que mais davam duro na Hoshi... Embora ela soubesse que aquela vida não era pra ela.
  Tudo que queria era cantar. E, aparentemente, as coisas estavam fluindo bem; sequer conseguia acreditar que havia passado o dia todo com a elite do colégio, os alunos mais bonitos da 3ª gradação!
  Sentiu seu PDA vribrar. Tirou-o do bolso e viu que havia uma nova mensagem.
  "Como estão as coisas aí? F. não está muito feliz. Não esquece da gente não, tá?
  XO,
   Helvinho.
"
  Ela franziu a testa. Felipe não estava muito feliz? Por quê?
  Perdeu-se em considerações e sequer percebeu quando uma professora que apresentou-se como Inês Gonçalves adiantou-se para palestrar. Era uma senhora já de idade que falava em nome da própria Academia Escolar, e pedia a todos que considerassem também a vida acadêmica, pois teriam o prazer de saber que haviam ajudado a formar novas mentes brilhantes para que o futuro da Hoshi continuasse a ser promissor.
  Batucou no PDA. Aquele setor da nave também não a interessava.
  "As coisas estão muito bem! F. não está feliz por que mesmo? E claro que eu não esqueço. Vocês são malas, mas não vivo sem vocês.
  XOXO ♥,
  Kelsi
"
  Apertou "send" e arrumou-se na cadeira. Faltavam ainda representantes dos setores burocráticos, dos escritórios... A tarde ia ser longa.

21 de fevereiro - 15:37 no HST (Hoshi Standart Time)

  Will rumou pelo corredor do Departamento de Segurança e parou em frente à porta, cujo visor eletrônico lia "Sala de Interrogatório 5422". Iria interrogar a quase-raptora de Fifi agora.
  A moça havia sido presa em flagrante e levada por ele até o módulo policial mais próximo; ela havia passado a noite no Departamento Punitivo da nave. Geralmente, não era fácil para os condenados passar a noite na famigerada Cadeia do Cruzador, mas se havia lido os relatórios direito, a noite havia sido mais difícil para os guardas do que para a prisioneira.
  Limpou bem a mente, deixando-a vazia, antes de abrir a porta. Os guardas haviam dito que essa era a melhor maneira de lidar com a beleza anormal da criminosa.
  Ele entrou no aposento, concentrando-se para não perder o foco. A mulher sentada à mesa o encarou com fúria. Ele pegou o gravador, ligou-o e colocou em cima da mesa.
  - Segunda-feira, 21 de Fevereiro. Eu sou o Capitão nº 0094873 e este é o interrogatório da Ré Primária nº 882, acusada de tentativa de sequestro - ele virou-se para ela - Qual o seu nome?
  - Por que deveria te dizer?
  - Porque você está sendo interrogada, e é isso que as pessoas fazem nos interrogatórios. Respondem perguntas. Agora senhorita, colabore, por favor, ou sua situação ficará pior do que já está.
  - Eu não fiz nada de errado - ela queixou-se - Fifi é minha irmã. É meu direito tomar conta dela; sou maior de idade.
  - Na verdade, como a senhorita não possui nenhum tipo de documento legal atestando seu parentesco com a criança, não posso concordar com você. Até o momento, oficialmente, Fifi está sob minha custódia, e do Setor de RH do Cruzador Hoshi. E, se realmente é sua irmã, queremos saber porque a menina foi encontrada abandonada há 7 anos atrás. Portanto, mais uma vez peço para que colabore.
  Ela revirou os olhos.
  - Muito bem. Meu nome é Vicky. Tenho 23 anos. Minha única família é minha irmã é Fifi, 8 anos. Sou uma Fyreon.
  Ele encarou-a, espantado.
  - Uma o quê...? Por acaso você acha que isso é algum tipo de piada? Os Fyreons foram extintos há anos!
  - Uma Fyreon. Pode achar que isso é brincadeira, Capitão, mas não é. Eu e minha irmã somos as últimas de nossa espécie.
  Will mentalmente repassou tudo o que sabia sobre os Fyreons. Eram um povo mercantil. Foram os primeiros alienígenas a fazer contato direto com o Planeta Terra. Gostavam de revender diversos artigos espaciais e fazer negócios lucrativos; atraíram muitos inimigos. Sumiram dos radares universais sem deixar rastros. E agora essa.
  - Vamos dizer que eu acredite em você. Se é mesmo uma Fyreon, como o seu povo sumiu? Por que apenas você e sua irmã sobreviveram?
  A moça suspirou.
  - É uma longa história.
  - Temos todo o tempo do mundo, senhorita.
  Ela pareceu irritar-se com o comentário.
  - Muito bem, se vocês, oh "autoridades competentes", realmente precisam ouvir, pode deixar. Vou contar tudo do começo. Mas aviso que existem coisas que nem eu mesma posso explicar. A história é toda surreal e muitos pontos estão confusos; mas aviso que não é culpa minha nem estou tentando inventar ou encobrir nada.
  Nasci em Vallyanttis, a capital do império Fyreon. Como você sabe, nosso povo era basicamente formado por mercadores intergaláticos, que compravam e revendiam vários tipos de produtos pelo universo afora. Mas não era só isso. Também aprimorávamos a tecnologia dos produtos que vendíamos, além de criar mercadorias exclusivas, que só poderiam ser encontradas nas mãos do nosso povo.
  Como os Fyreons acumulavam grandes quantidades de riquezas, além de não ter exatamente comprometimento geográfico - nossa capital era Vallyanttis, mas não era necessariamente a moradia de todos os Fyreons, que buscavam se espalhar por todos os planetas e expandir suas áreas de comércio - nosso povo arrumou muitos inimigos. Todos buscavam entrar em guerra conosco, mais para nos fazer gastar dinheiro com defesas e tropas do que qualquer outra coisa. Mas sabíamos que não teríamos chances caso realmente nos envolvessemos num conflito, pois as nossas forças armadas não eram o foco do governo e nem eram muito bem estruturadas. Assim, sempre nos desvencilhávamos por pouco das batalhas.
  Meu pai era um cientista e estadista. Ele dava consultoria para a Câmara do Conselho e para o Rei e a Rainha de Vallyanttis, além de ajudar nos departamentos de deselvolvimento de novas tecnologias. Um dia, ele chegou em casa muito perturbado. Chamou minha mãe de lado e começaram a conversar em voz baixa. Eu tinha 16 anos e minha irmãzinha tinha apenas 1 ano de idade. Após terminar de falar com minha mãe, meu pai veio até mim e explicou a situação. De alguma forma, ele havia descoberto que alguma coisa muito ruim estava por vir. Nunca soube exatamente o que - quem, ou o que causou a extinção do meu povo, para mim permanece um mistério tão grande quanto para vocês. Bom, ele disse que iria enviar a mim e a minha irmã para longe de Vallyanttis, e que a partir daquele momento eu precisava ser forte e cuidar de Fifi eu mesma, pois ele não tinha certeza se os dois iriam sobreviver. Claro que eu me opus, bati o pé, disse que era um absurdo ele e minha mãe quererem salvar só a mim e a Fifi. Mas eles foram intransigentes e disseram que iam nos enfiar na nave espacial nem que fosse a força. Meu pai havia construído um protótipo capsular, que mantinha no nosso porão, e era nele que eu e minha irmã fugiríamos. Fomos lá pra baixo; durante todo o caminho, eu fui de cara emburrada. Não queria, queria ficar com eles, não precisava ser protegida, afinal, eu não era mais uma criancinha. Mas mamãe me chamou de lado e explicou que era esse o papel deles; eles não poderiam partir em paz sem ter a consciência de que haviam feito alguma coisa para salvar suas filhas. E assim eu, relutante, concordei em ir embora. Meus pais aprontaram o protótipo capsular, colocaram a mim e à minha irmã dentro e traçaram o curso para um dos parceiros comerciais pacíficos do império Fyeron - a Terra.
  Assim nossa viagem se iniciou. Chegamos até o nosso destino sem maiores problemas, porém, o protótipo de meu pai ainda não estava totalmente pronto para uma viagem espacial - na verdade, ele ainda não havia feito os testes de entrada na atmosfera. Quando a nave começou a atritar-se com a atmosfera terreste, um pedaço da chaparia se desprendeu e algumas partes do funcionamento interno foram danificadas. Estávamos sem controle e esquentando muito; a nave provavelmente iria explodir. Só tive tempo de puxar os drag-chutes de segurança - meu e da minha irmã - e me lançar pelo buraco aberto na chaparia, protegendo Fifi com meu próprio corpo. Os Fyreons não sofrem de queimaduras. A nossa constituição fisiológica é diferente da dos humanos em alguns aspectos, e aparentemente éramos chamados Fyreons por termos vindo de um povo subterrâneo que vivia perto de vulcões. Assim, estávamos eu e ela relativamente ilesas - mas caindo vertiginosamente. Eu procurava segurar minha irmã com toda a força; porém, o vento fazia com que o drag-chute dela também inflasse e tornou-se impossível para mim segurá-la. Minha irmã foi lançada pelas correntes de ar para longe de mim; caí numa floresta e perdi os sentidos. Quando acordei, não consegui encontrá-la e venho procurando por ela desde então.
  - E você realmente espera que eu acredite nisso tudo?
  - É a verdade, Capitão. Você acredita nela se quizer.
  Will suspirou e massageou as têmporas. Mais essa agora. Ele levantou-se e desligou o gravador.
  - Muito bem. Eu terei de levar o seu depoimento até as instâncias competentes; por hora, você ficará reclusa no Departamento de Correção. Até breve, senhorita. Te darei um parecer acerca da sua condição no nosso próximo encontro.
  Com isso, ele deixou a sala. Não contava com aquilo. Sentia a cabeça dele girar. E, mais do que tudo, sentia-se exasto por passar tanto tempo no mesmo ambiente daquela mulher, anormalmente bonita.
  Aquilo tudo ia acabar lhe dando muito, muito trabalho...

21 de fevereiro - 14:45 no HST (Hoshi Standart Time)

  TTK revirou-se na cama onde havia passado as últimas horas. Os médicos haviam tentado sedá-lo, mas aparentemente os sedativos não faziam efeito. Então, tiveram que aplicar-lhe calmante na veia, enquanto o faziam respirar com um nebulizador.
  Ele estava assustado. Não queria ultrapassar os limites e acabar morrendo, mas aparentemente a fobia do sono havia se entranhado de tal modo em seu sistema que o próprio corpo repelia as substâncias que o poderiam fazer apagar. Assim, seu organismo não conseguia o descanso do qual precisava para sobreviver... enterrando-o cada vez mais naquele ciclo auto-destrutivo. TTK estava cansado. Tanto literal quando figuradamente. Estava cheio de tudo aquilo.
  Mas parecia que o medo era mais forte do que ele.
  Ouviu uma batida na porta do quarto e uma mulher entrou.
  - Boa tarde, TTK. - ela falou, em tom gentil - Meu nome é Tina e eu trabalho no Setor de RH da Hoshi. Vim conversar com você por causa do seu acidente na festa de ontem.
  - Eu sinto muito pelo que aconteceu - ele murmurou, meio envergonhado, e baixou os olhos.
  - Não precisa se desculpar. Acidentes acontecem - ela sorriu de leve - Só que nós queremos te ajudar. Bom - ela conferiu os papéis que tinham em mãos -, tentamos contatar o seu responsável na Terra, mas não conseguimos. Quem exatamente é Marko Brodza?
  - É meu tio. Eu morava com ele, mas como ele viaja muito, geralmente eu ficava sozinho em casa.
  - E desde quando você mora com seu tio?
  - Desde os 12 anos. Meus pais faleram há 4 anos atrás - ele murmurou.
  - Então seu tio te deixava sozinho enquanto viajava? - ela perguntou, em tom preocupado - Por que não ficava com outro parente, que de dedicasse mais atenção?
  - Meu tio é o único parente que eu tenho... Não tinha mais ninguém que pudesse cuidar de mim.
  - E como você veio parar na Hoshi?
  - Ah... - ele exitou - Um cachorro me deu a passagem.
  Tina olhou pra ele, ainda com a expressão preocupada, antes de continuar.
  - Bom, não se preocupe, TTK. Vamos te ajudar. Faremos tudo que estiver em nosso alcance para cuidar de você. Por hora, tente repousar aqui na enfermaria; em breve, voltaremos para iniciar o seu tratamento, está bem?
  TTK acenou enquanto a moça saía, com o coração um tanto quanto mais leve.
  Haveria esperança para ele, afinal?

  Tina discou rapidamente no seu PDA assim que saiu da sala. Mordeu de leve a ponta do polegar enquanto esperava a ligação ser atendida e suspirou quando ouviu a voz do outro lado da linha.
  - Alô? Tina, por favor, poderia falar rápido? Estou na Academia e tenho que acompanhar o resto da palestra de orientação vocacional...
  - Eu sei, Bianca, sinto muito. Você poderia me fazer um favor quando sair daí? Precisava que você localizasse um certo senhor Marko Brodza. Eu não consegui encontrá-lo. Queria avisar a ele que abriremos um processo para destitui-lo da guarda do seu sobrinho.
  - Muito bem, farei isso. Agora eu realmente, realmente tenho que desligar.
  - Certo, muito obrigada... e mande um alô pra Pipa por mim, pode ser?
  Sorriu satisfeita ao apertar o botão de 'off' do PDA. Aquele Marko Brodza não tinha nem idéia do que havia atraído para si. Dirigiu-se para o ponto do Leviabhus, analisando com calma o que sabia e se perguntando o que faria para ajudar aquele garoto.

Fim do Capítulo 7


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Notas finais do capítulo

Pronto! Acabei, finalmente! (coro de aleluia) Sério, gente, espero que o tamanho do capítulo compense a demora... Tive que me alongar MUITO na parte da palestra da orientação vocacional, primeiro porque foi uma parte em que quase todos os personagens da trama entraram, segundo porque precisava dar uma noção pra vocês de quem fazia o quê na Hoshi. Tinha muito mais coisa planejada pra esse capítulo, mas tive que deixar tudo por 8! Acho que ele também vai sair homérico... Bom, gente, novos caps agora só depois do Carnaval, porque eu vou viajar e ficar sem PC... Mas espero que tenham curtido!
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