Mais um dia, menos um dia. Meus amigos continuavam me chamando para sair, e eu ía mesmo que contrariada. Mas eu raramente me conseguia divertir. Você deve estar pensando que eu sou antissocial, não é mesmo? Mas isso não é verdade.

Eu sempre soube diferenciar muito bem meu mundinho do resto do mundo. Não sei se me estou fazendo entender, mas eu sempre vivi no meu próprio mundo, onde nunca podia ser magoada. Ou talvês seja exactamente o contrário, o mundo em que eu posso ficar triste e chorar sem que ninguém me interrompa ou encomode. Onde eu posso ficar pensando em certas coisas que me dão o que pensar.

Na verdade você não deve me conhecer muito bem. apenas sabe que eu sou uma garotinha sozinha que não consegue ser feliz, apenas porque uma pessoa muito importante não está aqui comigo. E em parte isso é verdade, mas digamos que há dois lados diferentes de mim. O lado realista que faz parte do mundo em que você e todas as outras pessoas normais vivem e o lado privado apenas para a minha pessoa. Nenhum deles é o meu lado verdadeiro ou falso, fazem todos parte de mim e sem eles eu não sería eu. Sem eles eu não conseguiria conviver com o resto do mundo e comigo mesma.

Sábado, um dia normalmente tranquilo. Normalmente as pessoas nunca me chamavam para sair hoje, assim que estava grata por ser fim-de-semana. 

Você acha que eu sou estranha? Que fico deprimida o tempo inteiro e não convivo com niguém por causa disso? Parcialmente você está certo, na verdade. Mas esse já é meu geito de ser, e estou confortável deste geito. Não demonstro meus sentimentos, assim que me magoo menos no final. Ou pelo menos é aquilo que eu acho até agora.

Me levantei da cama, ainda sem saber o que fazer hoje. Estava tentando arranjar uma desculpa para ficar em casa de novo, mas isso não podia ser. 

Tenho pensado nestes últimos dias que não tenho seguido um rumo certo com a minha vida.  

Decidi passar a fazer um "diário mental" de todos os episódios da minha existência, a partir de hoje. Como é de esperar de um diário, decidi me apresentar. Olá, meu nome é Aya Suzuki, tenho 16 anos e nasci no Japão. Tenho cabelos cinzas até à minha anca e sou constantemente comentada em qualquer lugar onde vá por ter olhos desiguais, um vermelho e outro azul. Nunca soube exactamente a origem destas estranhas tonalidades dos meus olhos, presumo que seja uma doença que afecte a coloração da iris, mas definitivamente não afecta a minha visão, que é perfeita.

Apontei essas informações na minha mente como se estivesse escrevendo num caderno. Ainda me sentia estranha por estar a fazer isso, mas acho necessário criar um diário sobre o que se está passando comigo. Como não quero estar escrevendo um diário, porque não gosto lá muito de escrever, acho que consigo memorizar todas as minhas informações pessoais na minha mente. Acho que posso começar amanhã, hoje estou cansada e tenho que pensar na minha vida. 

Telefone tocando. Tinha mesmo que ser agora? 

Desci as escadas lentamente. Embora eu definitivamente não quisesse descer, derivado à perguiça que já me dominava o corpo desde alguns dias atrás, tinha que saber quem era. Se fosse para a minha mãe era o celular dela que estava tocando, já que a minha mãe não dá o número do telefone de casa a ninguém. Provavelmente sería para mim, por muito estranho que isso seja.

- Alô? - falei. Ouvi um tossido do outro lado.

- Como? - uma voz rouca masculina pronunciou-se do outro lado. De repente lembrei-me: estava a falar português. Tinha que me lembrar que já não estava a viver em Portugal, tinha voltado à minha antiga casa no Japão, à casa onde passara toda a minha infância.

- Ah, gomenasai! Moshi Moshi? - me corrigi. Ouvi a voz do outro lado soltar um riso abafado. Não sei quem era, mas esse alguém estava rindo á minha custa. Desligou o telefone na cara. Ía começar a subir as escadas para voltar ao meu quarto mas ouvi algo tocar novamente, mas desta vez não era o telefone; era a campainha que estava tocando.

Caminhei até à porta de entrada e vi um garoto ruivo com alargador, com cara aborrecida. Meu coração acelarou: eu acho que já o vi em algum lugar, já conheço esta cara.

- Yo, eu sou o seu novo vizinho! - a expressão dele pareceu mudar quando verdadeiramente olhou para o meu rosto. Parecia estar tão surpreendido quanto eu. O que se estava passando?