Point of view: Demetria.

- Senhorita Lovato!

Eu e Selena respondemos ao mesmo tempo quando o sobrenome foi pronunciado. Nos olhamos e rimos. Ainda era estranho saber que daquela vez a Lovato que eles queriam era outra. Adentramos numa sala um tanto quanto escura e aguardamos até que uma mulher de aparentemente 35 anos apareceu lançando um sorriso exclusivo para Selena, que olhou-me de lado e sorriu de volta.

- Boa tarde senhoritas, é um prazer ter vocês aqui. Selena, pode por favor tirar a calça e vestir o jaleco?

Observei com os olhos estreitos o movimento delicado que a mulher fez ao entregar o jaleco para Selena provocando um leve roçar de mãos. Como ela poderia ser tão audaciosa de flertar com a minha mulher diante dos meus próprios olhos? Quando Selena voltou do banheiro fiz questão de selar nossos lábios demoradamente antes que ela se deitasse na maca. No pequeno cômodo havia uma televisão onde uma imagem em preto e branco aparecia, uma maca com apoio para pés e ao lado da mesma havia um computador com alguns aparelhos que eu fazia algumas idéias de para que serviam. Cruzei os braços abaixo do peito aguardando enquanto a doutora enchia um dos aparelhos com gel e passava um preservativo nele em seguida.

- Com licença. – ela manteve o olhar no computador o tempo inteiro enquanto o aparelho desaparecia entre as pernas da minha mulher – Vocês conseguem ver alguma coisa?

- Tem muitas coisas que eu deveria ver mas não consigo. – meu tom foi um tanto quanto rude –

- São essas duas bolinhas pretas que estão aparecendo ali na televisão. – ela apontou com a mão livre para a mesma onde dois círculos pretos se destacavam no centro da imagem cinza – É uma gestação compatível com o período de quatro semanas, o primeiro ponto cinza é um bebê, o segundo ponto cinza é outro.

- DOIS? – Selena gritou movendo-se na maca –

- Sim, dois. – ela riu diante do grito – Preciso que continue deitada. Ok, ambos os sacos gestacionais tem seis milímetros, o que significa que os fetos tem aproximadamente... – ela marcava todas as informações na tela, onde eu acompanhava tudo em choque – 0,5 milimetros. Ainda não consigo ouvir os corações, mas vamos marcar outra ultra para daqui a quinze dias e creio que conseguiremos fazer isso.  Por hoje é só. – o instrumento apareceu misteriosamente –

- Vou colocar minha roupa gatinha. – Selena levantou-se e seguiu para o banheiro com o jeans na mão depois de receber um aceno positivo meu –

- Selena é mesmo muito bonita. Bela escolha. – a voz da médica desviou minha atenção –

- Eu vou dizer a você apenas uma vez e espero que fique claro o suficiente para que eu não precise repetir. Eu fiz o ex namorado dela desmaiar de tanto socar a cabeça dele porque ele simplesmente foi abusado demais e acredite em mim, eu não vou pensar duas vezes antes de acabar com você se eu perceber qualquer indicio de que você está se insinuando para a minha mulher.

- Sem problemas.

- E então, o que mais precisamos fazer? – a voz suave soou próxima ao meu ouvido e os braços da minha mulher envolveram minha cintura –

- Nada... Podem esperar lá fora.

Sentamos numa das poltronas disponíveis na recepção e aguardamos em silêncio. Selena sabia que algo havia acontecido dentro daquela sala pois o tom da minha conversa com a mulher foi alto o suficiente para ela ouvir propositalmente. Meu pé balançava freneticamente tocando o chão diversas vezes enquanto ela resolvia alguma coisa com uma das recepcionistas e olhar para mim foi tudo o que ela precisou fazer. Fiquei de pé passando o braço ao redor da cintura dela fazendo com que nossos corpos ficassem colados de lado num ato completamente possessivo, mas sempre havia sido assim com ela e havia se tornado mais intenso depois que nosso relacionamento foi revelado para o público. Selena parecia chamar mais a atenção das mulheres do que eu, ou então eu estava ocupada demais tomando conta dela e não percebia as mulheres que olhavam e/ou tentavam flertar comigo. Entramos no carro e eu virei o rosto para o lado, sentindo em seguida meu braço ser puxado num movimento rápido e os lábios roçarem nos meus arrancando-me um suspiro derrotado.

- Ela quer você. Não vamos voltar nessa médica nunca mais. – sussurrei –

- Ainda temos tempo para procurar alguém, você é Demi Lovato.

Ao chegar em casa ligamos para minha mãe para dar a notícia, que foi muito bem recebida por todos, até mesmo por ela. Depois de muita resistência ela finalmente havia se rendido a todo o charme e encanto da mulher com quem eu estava casada. Ou talvez tivesse sido o casamento o sinal para que ela parasse com tudo aquilo, afinal foi o último passo para admitir que sim, iria viver com Selena para sempre. Poderia também ter sido o fato de que Dallas, a filha preferida dela, estava em um relacionamento tão sério quanto o meu com a Mila e havia assumido isso pouco tempo depois que Selena e eu nos casamos. Madison era provavelmente a última esperança da minha mãe para aquela família, e o pensamento me fez rir. Ligamos para o pai da minha mulher e marcamos um almoço com ele pois ela fazia questão de contar pessoalmente. Eles até tinha um bom relacionamento agora que viviam distantes... Quero dizer... Ele sempre ligava para perguntar como ela estava, coisa que ele nem ao menos se dava ao trabalho de fazer antes quando ainda moravam juntos. Aproximadamente uma semana depois durante a madrugada senti uma movimentação estranha na cama, porém não acordei num primeiro momento. Despertei quando minha coxa (que estava presa entre as pernas de Selena) ficou úmida. Esfreguei o rosto preguiçosamente ainda desligada da sensação molhada na minha perna e apertei os olhos ao esticar os braços acima da cabeça. Levantei tateando na parede até esbarrar no interruptor e fiquei em silêncio quando vi o sangue manchando o lado da cama onde Selena dormia. Tentei manter a calma, entretanto o sentimento de perda misturado com mais alguma coisa parecida com desespero me dominou e corri até ela, sacudindo-a um tanto quanto violentamente até que ela já estivesse de pé e vestida com a mão na ponta da barriga.

- Dirige mais rápido, Demi!

- Eu não consigo! Se eu dirigir mais rápido nós vamos morrer!

Parei o carro na porta da emergência do hospital, retirei a chave da inguinição e corri até o outro lado, passando o braço de Selena por trás do meu pescoço já indo na direção da recepção. Uma das enfermeiras começou a fazer a minha ficha ao mesmo tempo em que eu seguia uma segunda enfermeira pelo corredor e ajudava Selena a andar numa velocidade considerávelmente rápida.

- O que houve com ela? – ela colocou o estetoscópio no peito de Selena ouvindo o coração da mesma –

- Ela não tem nada no coração! Ela está grávida! Eu não sei o que houve, ela só começou a sangrar, sangrar e... sangrar.

- Vamos levar ela para a sala de ultrassom, você precisa esperar lá fora.

- NÃO! Deixem ela ficar, por favor. – as lágrimas começaram a escorrer pela lateral do rosto pálido – Por favor. – implorou –

- Tudo bem, tudo bem! Vamos correr com isso!

Depois daquilo, tudo pareceu ser rápido demais. As enfermeiras foram para a sala de ultrassom, um médico chegou com a respiração acelerada sinalizando que ele havia corrido, todo o procedimento do gel, preservativo, a calça pendurada em meu ombro, um circulo no monitor.

- Aparentemente esse sangramento não tem motivo. – ele observou mais uma vez o monitor – O feto continua ali.

- Deveriam ter dois desse aí. – cocei a testa – São gêmeos.

- Oh... Eu sinto muito, senhorita. Eram gêmeos.

Agradeci por estar sentada naquele momento, porque se estivesse de pé eu cairia no chão diante de tal notícia. Apesar de todas as explicações que ele deu sobre as gestações de fertilização invitro serem mais frágeis principalmente nos primeiros meses, uma parte de mim estava arrasada. Selena chorava silenciosamente enquanto apertava minha mão tentando passar alguma segurança, mas era inútil. Eu continuei chorando incessantemente até já estarmos dentro do carro outra vez.

- Demi, não fique assim. – ela abraçou-me – Nós ainda temos um bebê.

- Eu queria os dois, shadow. – solucei –

- Nós duas queríamos os dois... Mas talvez não fosse pra ser. – ela afagava minha nuca enquanto sussurrava com a boca próxima ao meu ouvido – O médico recomendou que eu tente manter a calma agora, é seguro para o bebê que ainda tem aqui. – a mão de Selena segurou uma das minhas, guiando até a barriga – Se eu chorar e ficar nervosa demais posso acabar perdendo ele também. Ele disse que acontece na maioria dos casos... Eu só preciso que você me ajude.

A voz embargada dela em meu ouvido fez com que meu choro antes alto agora fosse apenas um derramar de lágrimas. Deslizei os dedos lentamente através da pele gelada da barriga de Selena e inclinei-me para baixo, beijando a mesma delicadamente.

- Nós vamos cuidar de você, meu amor. Você... – levantei o rosto outra vez encostando ele de frente no de Selena – Você é o amor da minha vida, shadow.

Nossos olhares permaneceram fixos enquanto Selena mordia o lábio inferior contendo o choro que estava visivelmente implorando para explodir, contúdo ela conseguiu conter o mesmo e sorriu, deixando apenas algumas lágrimas rolarem antes de envolver meu corpo em um abraço apertado e demorado.

- Vocês são os amores da minha vida, gatinha.