Sobre Os Seus Sonhos escrita por Lena Portela


Capítulo 1
One-Shot


Notas iniciais do capítulo

Então, essa é minha primeira de The Hunger Games e primeira Peetnis. Espero que vocês gostem.



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sobre os seus sonhos

Você podia viver cem vidas e ainda sim não merecer aquele cara, sabia?

(pag. 192) EM CHAMAS, Suzanne Collins





Esta noite, sonho que nós estamos na arena novamente.

Minhas pernas estão dormentes e todo o meu corpo se mantem inerte. Lembro-me de correr o dia inteiro e quase nunca ter parado, arranhando minhas mãos e rosto enquanto me embrenhava cada vez mais na mata selvagem que era o cenário dos Jogos Vorazes este ano. Agora restavam apenas seis de nós, e cada um tinha sua própria cota de exaustão. Nenhum dos tributos caçava, todos eram presas. Os idealizadores tinham uma tática na arena este ano que consistia em nos fazer correr mais do que nossas pernas poderiam aguentar. Os que ainda poderiam se arrastar, os que ainda poderia enganchar a terra sob suas unhas mantinham-se longe das armadilhas. E os que desistiam eram levados com a torrente de perigo que caminhava atrás de nós. Sempre ocultos. Eles nunca pronunciavam do quê ou de quem corríamos. E éramos obrigados a seguir colocando pé a frente de pé e nunca olhar para trás, ou o que quer que olhássemos ali, poderia ser a nossa última visão.

Na ultima vez que cai tinha a sensação devastadora da queimação em meus músculos para saber que ainda poderia seguir correndo. Agora, no entanto, não tenho tanta certeza assim. Tento me mexer um centímetro sequer, apenas alguns, porque ouço os passos do caçador atrás de mim. Ele um sádico; gosta de nos ver correr em desespero. Gosta de ouvir os nossos gritos e ofegos de medo. Sente o gosto da morte e sorri. Não o conheço, mas sei exatamente as coisas que faz. Quando o mal te persegue, confie em mim, você consegue pressentir a podridão daquela alma penetrando em seus poros. Isto é mais que evidente, respira-se no ar.

Tento imaginar o que a Capital vê agora: Katniss, a Garota Quente, finalmente sendo pega. O brinquedinho dos idealizadores caça uma vez mais, e sua presa é um dos Tributos destemidos que obteve a pontuação máxima nestes Jogos. Não consigo pensar em alguém ficando triste por isso. Não na Capital.

Peço desculpas a Prim. Mentalmente emito um clamor desesperado a Gale para que tenha forças. Não duvido de sua promessa, ele nunca as quebra. Por último penso em Peeta, estranhamente, absurdamente e docemente. Observo-o andar por minha mente como um sonho proibido. Ele está sorrindo. Não quero pensar no porque o faço, estou morrendo de qualquer jeito agora, mas me agarro a esta última imagem. Sigo-a para onde quer que vá, porque onde quer que este garoto gentil esteja, tenho certeza de que não será um lugar ruim.

O caçador me alcança. Ele me sacode com a força de um tornado. Tritura-me com uma crueldade digna de sua maldade.

Katniss, volte. – Ele diz. Balança-me uma vez mais, firme. – Isto não é real. Você não está lá. Volte Katniss!

Quando abro os olhos o que vejo não é nada tão aterrorizante quanto o caçador ou estar na arena novamente, é apenas Peeta. Seu rosto está diretamente em minha linha de visão: cabelos de sol e olhos cor de céu. Ele parece tão firme e seguro que quase soa zangado. As linhas gentis de seu rosto se foram e no lugar delas há contornos sérios. Esses contrastes o acompanharam desde a arena. Ele não é mais o garoto do pão. Este é Peeta Mellark, um dos vencedores dos Jogos Vorazes.

Não sei se gosto tanto desta mudança.

Peeta pisca, o cílios solares mais morenos que o tom de seu cabelo, longos e sonolentos. Há algo no modo como ele me olha agora, e como seu cabelo roça em minhas bochechas, que me faz ter vontade de pegar um dos fios fujões em meus dedos e soprá-los para longe. Ele não deixa sua posição, o seu rosto é tudo que posso ver agora. – Com o quê você sonha, Katniss? – Ele pergunta bem baixinho.

Sonho com muitas coisas, quero dizer a ele. Sonhos bons. Porque se assim não fossem, não se chamariam sonhos. Gosto de pensar que, na maior parte do tempo, posso controlar a freqüência com que meus desejos se exibam quando fechos os olhos. Por isso suspeito que só vejo o Jogos quando durmo, porque é um lugar para o qual nunca desejo voltar. Entretanto, há momentos em que estes desejos fogem de meu controle e não preciso estar com os olhos fechados para que isso aconteça. E nesses momentos só há uma coisa a qual sonho, pela qual desejo.

– Sonho com a liberdade. – Sussurro. – Ter o poder de fazer minhas próprias escolhas. Sem pressão. Viver em um mundo livre, onde não tenha que seguir um caminho pelo qual os outros definiram. – Assim que profiro as palavras o rosto de Peeta se contorce por um minuto, rastros de dor se infiltram em seus olhos e os azuis celestes ao redor de suas pupilas se tornam um pouco mais sombrios. Demoro alguns segundos para entender o porque; Peeta não é uma escolha, ele foi jogado em minha vida por situações diversas, mas com o mesmo significado desesperado. Não precisa ser muito esperto para entender que, em trajetos normais, nunca cruzaríamos os caminhos um do outro. Tento dizer algo, no entanto Peeta é mais rápido. Ele sempre foi o melhor de nós com isso.

– Você acha que já existiu? – Ele pergunta. – Antes da Capital, antes dos Jogos. Você acha que havia liberdade?

Cedo a vontade de afastar uma das mechas dos seus cabelos que caem entre nós. Os fios dourados se dispersam entre meus dedos facilmente e caem novamente ao seu lugar anterior. Nossos olhos estão fixos neste pequeno movimento, mas meus lábios estão falando outra vez:

– Acho que sempre houve uma Capital. Através do tempo, espreitando para crescer. Coisas assim não nascem da noite para o dia, Peeta – Meus olhos estão nos seus agora. Eles se cruzam e permanecem juntos. Estamos perto demais. – Acredito que a força da Capital estava na nossa queda. Não foi a Capital que cresceu, nós é que ficamos mais fracos.

Peeta se afasta por um momento. Um pensamento passa por minha mente rápido demais para que eu considere. Um desejo infundado de que ele volte para onde estava ainda pouco. Primeiro, sinto suas mãos segurando meus quadris, levantando-me para o ar, e de repente estou cercada por calor, Peeta está onde eu estava e eu estou em seu lugar. Ele sorri. – Assim é melhor. – Justifica.

Apoio meus cotovelos ao lado de sua cabeça. Os cabelos de Peeta agora estão espalhados sobre todo o travesseiro. Ferozes e desalinhados, eles tem uma aparência chamativa, como o calor dos raios de sol é ao entardecer. – Então qual é o beneficio da liberdade se você não pode tê-la completamente? – Ele pergunta, intrigado.

Meus lábios se contorcem em um sorriso involuntário. Não sei se Peeta é consciente disto também, mas ele me oferece algo semelhante. Só que mais brilhante, simples, bonito. - Ninguém é completamente livre, Peeta. – Eu digo a ele. – Por isso especifiquei o tipo de liberdade que queria. Porque há sempre algo que nos prende, seja intencional ou inconscientemente.

– Como você. – Peeta diz. E agora seus olhos estão tão presos aos meus que me pergunto se é sobre isso que ele está se referindo.

– Eu? – Pergunto.

Ele assente. – Sim. – Seus dedos são quase insuportavelmente suaves quando ele traça um dos contornos do meu rosto. Ele caminha por minhas pálpebras e desenha em minhas bochechas. – Houve uma vez, na padaria, em que vi algo parecido. Sabe como quando os imãs seguram qualquer coisa que seja remotamente feita de aço ou ferro? – Ele pergunta.

– Sim. – Sussurro, meus lábios entorpecidos.

– Eu nunca encontrarei a liberdade, Katniss. – Seus dedos estão em meus lábios agora. Suaves, tão absurdamente pacientes. – Sempre serei atraído para você.

Nós nos movemos em sincronia, seus lábios estão nos meus e os meus estão nos seus. Ele me beija como seus dedos me tocaram: suave, gentil e doce. Dando-me tempo para rejeitá-lo se quiser e seguindo quando não faço isso. Não consigo entender o porquê deste consentimento, o porquê minha cabeça apenas se recusa a pensar normalmente. O porquê de minhas emoções assumirem o comando de minhas ações. Eu estou devolvendo seu beijo, mas não sou tão suave ou paciente assim. Meus dedos se perdem em seus cabelos e minha boca captura o suspiro que ele solta. Meu corpo está todo pressionado ao dele, e a tendência se torna mais e não menos. Está me puxando, como o imã que ele citou.

Paramos quando nos falta o ar. – Com o quê você sonha, Peeta? – Eu pergunto em seus lábios. Nunca pensei que poderíamos estar tão próximos assim. É quase como se pudesse me perder neste calor que ele proporciona, eu não ofereço resistência alguma. Não quero resistir.

O olhar dele é intenso quando realmente me encara. São brilhantes como só tesouros mais preciosos podem ser. Uma memória sobre os Jogos espalha-se por minha mente, mas a mando para outro lugar. A Capital pode muita coisa, mas não pode tirar minhas memórias. Eu ainda me recordo dos pesadelos vividos lá, eu os vejo todas as noites. Embora isto é uma faca de dois gumes; onde há coisas ruins, houve coisas boas. Só assim podemos diferenciá-las. Peeta fecha os olhos quando me responde:

– Sonho com você, Katniss. Sonho em ficar com você. – Suas pálpebras tremulam quando ele volta a olhar para mim. Este olhar, ao qual ele tem sempre que me olha. – Isto é tudo sobre mim, sobre quem sou. Meus medos e anseios, a razão do porque ainda continuo lutando e aquela que me fará desistir... é você, Katniss. – Ele pausa.

– E quanto a liberdade? – Eu lhe pergunto. Minha mão procura uma das suas e encontram outra fonte de calor quando ele fecha seus dedos nos meus. Estou perdida dentro daquela cálidez.

– Não quero a liberdade, quero você. – Ele responde prontamente. Não acho que ele tenha pensado muito nesta resposta. Não quero achar que ele tenha pensado muito. Porque isto seria admitir algo além do desconhecido. Este sentimento que presenciei apenas uma vez na vida, nos olhos de alguém que se foi no processo. São raras as vezes que costumo pensar sobre os meus pais, juntos, como uma sólida rocha que sua união era. O porquê de minha mãe desistir de tudo por aquele simples homem. Eu a entendo, porque ele é o meu pai. Mas isso é tudo sobre o que conheço, eu não tive que desistir de nada para amá-lo. Nasci com este direito. Minha mãe, no entanto, não teve a mesma sorte. Ela teve de cair, por livre e espontânea vontade.

– Como...? – Eu tento encontrar um motivo racional, uma explicação para tudo isso. Peeta, no entanto, entende antes que eu termine de formular a pergunta.

– Eu não sei. – Ele diz. – É algo que nasce de um jeito que não se pode determinar. Algo que inspira tanto coragem quanto medo. Entendo porque sinto. – Ele aperta minha mão na sua. E quando descanso minha cabeça em seu peito, nossos corações batem como se fossem um. Todavia, posso destingi-los: o dele, mais forte o meu, mais suave. E não há nada que eu deseje mais neste momento que preservar isto. Sua respiração, as batidas de seu coração, o calor de sua pele. Como se ele fizesse parte do pequeno círculo de pessoas por quem tenho direitos, como o meu pai e Prim. Só que em uma subdivisão ligeiramente nova. Um pouco mais minha.

– Mas, você quer saber? - A voz de Peeta retumba em seu peito minutos depois de nosso silêncio pensativo. É como se fosse contar um segredo, porque apesar de ouvi-lo muito bem, sei que ninguém mais pode fazê-lo. – Se tivesse a escolha, sei que escolheria você.

Sinto que ele sabe, acima de tudo e apesar de tudo, que se tudo não estivesse pré-determinado e fôssemos somente mais duas pessoas normais no mundo, este imã que nos une, sempre iria nós puxar um para outro.

E eu automaticamente sei que na próxima vez que desejar algo, a liberdade não será parte de meus sonhos.

Será este garoto.


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