Leis da Noite - Mente sobre Materia escrita por Ryuuzaki


Capítulo 24
Mais Uma Noite, Mais Um Encontro - Parte 3




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                                                 ...

O jovem vampiro achou o resto daquela viagem extremamente entediante. O ônibus demorou horas para chegar ao destino, ao ponto final, o lugar mais afastado que qualquer condução pública de Santa Felícia ousava se dirigir. Parecia que a cada curva, a cada encruzilhada que aparecia pelas ruas asfaltadas da cidade, o motorista sentia uma vontade inquestionável de virar o veículo e prolongar ainda mais aquele percurso. Até onde Michael sabia, ele era imortal, mas, mesmo assim, não estava nem um pouco satisfeito em ter que esperar todo aquele tempo para ir ver o seu benfeitor, o seu salvador. Não se lembrava do trajeto ter demorado tanto tempo na primeira viagem até a casa do grande vampiro, talvez tivesse pego um ônibus diferente do anterior, não se lembrava do que havia pego na primeira vez, portanto não pode fazer uma comparação e assim tentar diminuir sua ansiedade. A verdade era: ele estava no mesmo veículo. Até o motorista era igual ao da vez anterior. Entretanto, Michael ia agora com um estado de espírito totalmente diferente, antes percorreu aquele trajeto com descrença e descaso. Agora ia com uma perigosa empolgação.

 

Aos poucos o tempo foi passando e com ele a estrada. De quando em quando um passageiro saía do ônibus e deixava esta história, fora isso, nada mais aconteceu por um longo e monótono período de espera. Quando finalmente a última pessoa solicitou que o motorista parasse em um ponto, Michael sorriu e suspirou de alívio. Gostava da solidão e além do mais, isso significava que o fim estava próximo.

 

A mansão Coudray não ficava na cidade propriamente dita, mas sim em um terreno particular situado no limiar da Floresta Nacional de Los Padres, alguns quilômetros fora de Santa Felícia. Era até um pouco atípico que o transporte público sequer chegasse perto das propriedades do vampiro, já que deslocar veículos públicos para um lugar onde apenas os que visitavam Claudius é certamente desnecessário. Contudo, devido à influência da celebridade tanto nas artes quanto, secretamente, em vários assuntos daquela cidade interiorana, era natural que conseguisse manipular uma ou duas linhas de ônibus, embora tais veículos não chegassem exatamente até os portões de seu humilde lar.

 

Michael não pode se conter de felicidade quando viu a silhueta da floresta começar a aparecer na paisagem noturna. Ele via melhor agora, no escuro, de modo que isso acontecera mais cedo do que na última empreitada até essas bandas, mas, mesmo assim, não deixou de ser um alívio e um claro sinal de que toda aquela agonia chegara ao fim. Não demorou muito tempo a mais, logo o artista andava em direção à saída do ônibus, mal podendo segurar um sorriso em seus lábios, mas este não transparecia a alegria de uma criança ao ganhar um novo brinquedo, mas sim o êxtase de uma mente criminosa ao ver seu plano em andamento. Desceu naquela parada de ônibus final, agradecendo aos céus e aos peixes por aquela viagem ter finalmente acabado. O motorista, enquanto dava a volta com o veículo, comentou com o cobrador fanho o quão estranho era aquele passageiro. O outro funcionário concordou, mas comentou com sua voz esganiçada: Pior que igual a ele tem muitos aqui em Santa Felícia.

 

Assim que o jovem vampiro se viu fora daquela armadilha andante, feita de metais, vidro e borracha, respirou fundo, com a maior força e intensidade que jamais havia respirado em sua existencia. É extremamente sarcástico que tal fato tenha sido consumado justamente quando não mais tinha uma, literalmente, vida e devemos nos lembrar de que, mesmo sem ele saber, o pintor não mais precisaria respirar. Mas ele precisava daquilo, ou iria enlouquecer com todo aquele odor de humanidade que impregnava o ônibus, um cheiro que ele não gostava quando era vivo e abominava agora que seu coração não mais batia. Depois de suas tentativas de fazer com que sensação a ruim, que insistia em macular os seus sentidos, fosse embora, esfregou as mãos nos antebraços opostos a cada uma delas e depois ambas na camisa e calça. Ele queria ao menos ter a ilusão de se livrar de toda aquele desperdício e imundice humanóides que pareciam ter grudado em seu corpo desde que entrara no ambiente do veículo público o qual se encontrava á pouco tempo. Quando o pintor achou que havia se livrado de toda aquela essência venenosa, parou de tentar se limpar de algo invisível e pôs-se a tomar seu caminho.

 

A parada de ônibus a qual ficou não era exatamente próxima à mansão Coudray, ainda havia um pedaço de chão para caminhar após todo aquele tempo de ócio no transporte que usara para chegar até onde estava. Michael achava que a distância aproximada, de onde se encontrava até a mansão, seria algo entre quatrocentos e quinhentos metros, não tinha certeza, não era tão bom em medir quilômetros e metros quanto era em medir centímetros e milímetros em um quadro. Mas não importava. Aqueles valores não o importavam no momento. Quinhentos ou cinco mil, ele iria andando e encontraria o seu tutor. A pequena (e sem movimento algum!) rua continuava seu trajeto desde onde os ônibus terminavam seu caminho para então adentrar na floresta, onde as árvores começariam a fazer limite com o asfalto.

 

O vampiro avançou, sem medo ou receios. Ficara um pouco temeroso quando viera pela primeira vez.... A escuridão, as folhas balançando ao vento, evocando todo aquele clima de histórias de terror, onde até mesmo as pacatas plantas parecem ter algo contra os seres humanos, isso o havia feito pensar algumas vezes antes de finalmente decidir que uma conversa com o senhor das artes valia toda aquela pena. Ainda que não gostasse de sua própria gente, continuava a ser, também, um humano naquela época, com seus medos e temores. Contudo, isso fora semanas atrás, mas, agora não havia o que temer, nada iria pular nas sendas e correr atrás dele, ansiando por sua carne, sangue ou alma, afinal, naquele lugar e em todos os outros, o predador era ele.

 

Mas...

 

 ... Estava escuro. Aquele pedaço de estrada que levava até a casa do barão estava escuro. O lugar era contornado por árvores da Floresta de Los Padres, plantas antigas, talvez sábias, aqueles velhos vegetais pareciam se inclinar em direção à rua sobre a qual o vampiro andava causando uma inquietante sensação de claustrofobia, um sufocamento capaz de asfixiar aqueles que não precisam do uso do pulmão. Estava escuro, mais do que estava quando ainda podia morrer. Continuou andando por aquele lugar tão sombrio. Coudray, seu mestre, seu professor o esperava, folhas e galhos não iriam o intimidar.

 

Mesmo que tudo estivesse mais sinistro agora, mesmo que aquela região fosse tão mais agradável quando era humano e tão malévola agora que era vampiro. Não... Não era um lugar mau. Ele sabia disso. Mesmo que as árvores agora parecessem ter bocas em suas nódoas, olhos raivosos, vermelhos, verdes e amarelos por todo o seu tronco, galhos como estacas e folhas afiadas como navalhas, brilhando com um brilho latente e apagado, prontas para evocar toda a fúria destruidora do sol e transformar aquele breu que envolvia a estrada num mar de luz. Mesmo com tudo isso que apontava para uma conspiração com o único intuito de destruir a não-vida de Michael, as árvores não passavam uma sensação maligna, apenas hostil.

 

Ele continuou, ignorando a ameaça das plantas, que queriam vê-lo longe do seu tutor. Não bastava ter que tolerar a humanidade. Agora até mesmo as plantas queriam lhe prejudicar. Andou mais. Fechou os olhos, tentava ignorar toda aquela loucura vegetal que estava captando com os olhos. Mas, as imagens não sumiam. As malditas árvores apareciam para ele em sua cabeça. Se agitando em sua direção. E ele sabia, sabia que aquilo não era apenas imaginação e de certa forma, isso lhe dava força para continuar. Estaria a salvo nas propriedades do lorde, portanto ia em frente. Você está perdido, filho. Esta sem rumo, não sabe onde tudo isso vai dar. Mas vai encontrar seu caminho, a menos que continue em frente. Volte agora, de onde está e tudo será melhor, não vá encontrar Coudray. Aqueles seres vegetais falavam com ele, em sua cabeça e ouvidos,  eles diziam, aconselhavam, alguns chegavam a implorar para ele voltar, para ele desistir do encontro com o tutor. Mas, era ridículo, como ele, Michael Toren, deixaria de fazer o que sabia ser certo, para ouvir algo inferior a um simples humano, para ouvir uma planta, com raízes e folhas?

 

- Suman da minha cabeça e daqui, malditos! Acham que podem dizer a mim. A MIM o que EU devo fazer?!

 

Estava perto. Michael sabia que estava perto. Faltava apenas uma delicada curva, uma pequena virada para a direita, e estaria a poucos metros do seu objetivo, da sua salvação. È a opção que você mesmo escolheu, mas ainda há tempo, lute garoto, lute contra esse impulso que lhe domina. Continuou, agora correndo freneticamente, não se importando com uma palavra do que aqueles monstros diziam. Ele não podia estar errado, Claudius não podia estar errado. Sua própria voz interior, agora que ele se aproximava de seu lugar sagrado, da casa do barão, ganhou forças e entrou na briga, tentando lhe ajudar. Duas vozes agora cada uma delas berrando, tentando lhe induzir, querendo ser mais forte que a outra. Não vá... Continue! ... Ainda há tempo, para desistir! ...  Em frente Michael!...fá volta... Vá! ... aind tpo... ACABOU!


Quando a voz que estava com ele se sobrepôs ao pastoso e arrastado clamor das plantas loucas, Michael abriu os olhos, sabendo que teria uma visão da Mansão, sabendo que terminara a curva. Estava esperançoso, não... Mais do que esperança, uma crença cega de que agora estava seguro, mas, assim que suas pálpebras levantaram, luzes vermelhas e azuis consumiram sua visão, cegando-o.

 

...


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Notas finais do capítulo

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Achei este capitulomeio psicodelico, talvez algumas partes algumas pessoas não compreendam de todo. Qualquer coisa, só perguntar