Panem, O Décimo Quinto Jogos Vorazes escrita por Alberto Tavares


Capítulo 10
Charada


Notas iniciais do capítulo

Esse foi dos bons, desculpem a demora.



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Estou correndo o máximo que posso, com todas as forças do mundo, não posso deixar quer Catem seja morta, ela não deve morrer de forma alguma. Meu trabalho neste momento e mantê-la viva. Lembro do velho trocadilho sobre nosso país: Panem et circenses, significa pão e circo. Uma forma de mostrar aos moradores de Panem que eles recebem comida e diversão. Isso me faz correr com mais velocidade, com os ouvidos atentos para a explosão do canhão.

– EDRIC! EDRIC! – Catem grita.

– CATEM! CATEM! – uso toda a força do meu pulmão para gritar de volta, ignorando qualquer perigo que possa surgir, qualquer tributo sedento pelo meu sangue, o sangue do garoto que tirou uma nota doze no treinamento individual. – CATEM!

O solo logo abaixo de mim nada mais é do que um monte de grama e folhas secas, com raízes de árvores e gravetos, eu estou em uma floresta nesse momento, com o rio correndo em uma grande velocidade ao meu lado.

Meu corpo congela no mesmo momento que vejo Catem em minha frente, completamente viva e sã e salva. Mas, mesmo depois de eu ter chegado bem na frente dela, os gritos continuam a ser agudos em meus ouvidos:

– EDRIC!

Vejo que a boca dela não se mexeu quando o grito foi dado, seu corpo começa a vibrar e se tornar transparente. Catem se transmuta em Tyson, meu amigo do Distrito 3, meu melhor amigo.

– EDRIC! – ele grita.

Então percebo. Um bestante. Pela primeira vez na arena estou puxando a corda do arco, com uma flecha armada apontada no peito de meu melhor amigo. Lembro das palavras de Marco para mim: Encaixar, puxar e soltar. E faço exatamente como ele me disse.

A flecha atravessa a barriga de Tyson, sua pele se desmancha e o bestante verdadeiro se mostra. Uma grande massa de carne gelatinosa e verde ofuscante, híbrido de humano com uma espécie de gosma viva. Já ouvi falar deles antes, foram muito usados pela Capital nos Dias Escuros. São Amorfos, capazes de se conectar com seu cérebro e transmitir todas as informações para ele, e então ele faz com que seus piores desejos aconteçam diante de seus olhos. Os Amorfos não têm nenhum tipo de órgão, coração, pulmão, rim, pele, fígado, e até os olhos eles não têm. Ele toma a forma de seu ente querido e então constrói uma pele falsa que é tão perfeita quanto à original. Mas os Amorfos foram logo dispensados do trabalho, pois não eram capazes de ter emoções reais capazes de fazer suas vítimas acreditarem por muito tempo e eram muito frágeis, um golpe neles e já se tornavam inativos, mais ou menos mortos.

Fico de joelhos no chão, com os braços presos atrás da minha cabeça, empurrando-a para baixo com toda a minha força, me tornando uma criatura quase esférica. O Amorfo estava derretendo bem em minha frente, espalhando a carne verde gelatinosa na grama, fico lá observando ele até que escuto passos.

Não me movo, sei que estarei morto se fizer ou não qualquer tipo de movimento. Sinalizei minha posição gritando ao Amorfo, esse jogo já terminou pra mim.

Mas a mão que me toca no ombro pertence a Catem. A verdadeira. Ela se agacha e se junta a mim, estamos quase em paz, se ao menos não fossem os Jogos. Ela me abraça e me levanta silenciosamente, não trocamos nenhum tipo de palavra. Sei que ela escutou a voz, sei que ela ouviu a sua própria voz gritando pelo meu nome e veio atrás de mim, e quando ouviu a minha voz gritando em resposta ela não hesitou duas vezes. Mas porque os outros tributos não vieram? Porque os Carreiristas não chegaram e nos mataram? E Mikla, Elena e Jarl? Poderíamos estar mortos neste momento.

– Conseguiu seu braço? – ela pergunta tão baixo que a palavra sussurro seria pouco para descrever isso.

– Sim – respondo de volta no mesmo tom de voz, sem contar os detalhes de como o consegui.

– Segura a minha mão, sua mão direita na minha mão esquerda – ela diz.

Olho para seus olhos. Vejo os riscos de seu rosto, o formato de suas bochechas rosadas, seu queixo perfeito, o olhar profundo, o cabelo espesso, longo e castanho que caem pelo seu ombro e pela suas costas. Catem Milani.

Faço o que ela pede, conectamos nossas mãos e ela repousa sua cabeça em meu ombro. Começamos a dançar tão suavemente que mais parecemos dois formandos dançando no baile da escola.

– Bem no fundo da campina – canta Catem. – Embaixo do salgueiro…

– Um leito de grama, um macio travesseiro. – dessa vez a minha voz é a que soa.

Ouvimos essa musica de uma das nossas professoras da nossa antiga escola, a quilômetros de distância daqui, no Distrito 3. Ela tinha nascido no Distrito 12, a minha professora, no escasso Distrito 12. Mas a Capital retirou ela de lá, pois sua forma de ensinar aos seus alunos parecia à Capital uma forma de formar rebeldes. Eles telessequestraram a professora e deixaram apenas as memórias menos importantes, como sua sabedoria e a música da Campina. Sabemos que ela foi telessequestrada porque ela, às vezes, diz ter lembranças de médicos da Capital ejetando produtos em sua veia, retirado diretamente das famosas bestantes chamadas Teleguiada. A Capital trouxe a professora para o Distrito 3 e ela sempre cantava a mesma música, sempre, todas as músicas que ela dizia conhecer sempre tinham a mesma letra.

– Fica comigo, pra sempre – diz Catem, ela está chorando.

– Sempre. – Digo.

Um pára-quedas cai do céu logo em seguida, Catem pega a dádiva. De dentro do pára-quedas tem uma espécie de madeira preta completamente queimada, uma dádiva do Distrito 12 diretamente para nós. Um pedaço de carvão.

Pergunto-me o quanto eles tiveram que pagar para mandar esse carvão a nós e não a sua única tributo viva.

Catem quebra o pedaço de carvão em dois e divide uma metade maior para mim e a menor para ela.

– Vai nos dar sorte – a voz de Catem é tão doce e reconfortante que nem existe maneira de imaginar que talvez daqui a uma semana um de nós esteja morto. Torço para que este seja eu, afinal, só um sai vivo. – Vamos sair desse lugar, rápido.

Obedeço, sei que ela está falando do lugar onde estávamos e não realmente de dentro da arena. Andamos um pouco sobre a floresta densa e cheia de árvores até que achamos uma espécie de toca de coelho perto de um pinheiro, não há nada lá dentro a não ser pedras, sujeiras, galhos, folhas, terra e, o mais importante, raízes. Arrancamos algumas e limpamos uma área onde vamos deixá-las. A toca é grande o bastante para duas ou até três pessoas, vejo que Catem também está com uma mochila, só que menor e mais camuflada.

Assim como fiz com Mihairl e Gullar Gull, dividimos nossos pertences entre nós.

Tenho quatro facas; um arco e uma aljava com doze flechas boas e duas pela metade, deixando a que usei contra o Amorfo para lá; quatro pilhas; uma palha de aço; fósforos; um odre, de água, cheio; o katar; uma bolha; carne de ave dentro de um saquinho de plástico; o pote de seiva; remédios para garganta e inflamação.

Já Catem não possui nada encontrado na Cornucópia, a não ser a mochila, e dentro dela existe: galhos de parreira, longos como cordas enrolados como se fosse um ninho; folhas de parreira; folhas de oliveira; galhos de salgueiro; folhas de pinheiro; e galhos de sabugueiro. E também tem uma lança afiada feita de cedro, e também tem uns potes feitos com vários nós onde Catem aloja sua comida – que consiste em apenas folhas, chá e algumas cobras – e água. E ela também tem a mesma bolha que Mihairl e eu temos.

– Aprendi bastante no Centro de Treinamento – diz Catem. – Posso explicar tudo para você.

– Então explique. Quero mesmo saber como conseguiu tanta coisa assim em apenas um dia sem nem mesmo chegar tão perto da Cornucópia. – Digo.

– Não foi fácil – ela conta. – Quando os pratos subiram, a visão da cidade me fez processar várias coisas diferentes, algo que eu poderia usar para sobreviver. Quando vi a mochilinha bem perto de mim, não pensei duas vezes. Os sessenta segundos acabaram e eu saí correndo para pegar a mochila. Depois que a agarrei, saí em disparada pelas ruas.

“Não fui louca ao ponto de ir à busca de um abrigo com numa casa ou dentro de algum prédio. Saí em disparada para o interior daquela cidadezinha. Abri a minha mochila assim que eu parei de correr, e dentro dela tinha apenas a bolha transparente que fica maior com um apertar de botão. Depois comecei a coletar tudo o que eu achava importante coletar, e cacei algumas cobras também. Até que eu escutei o barulho.”

Sei qual era o barulho, mas fico curioso para saber como ela escapou dele.

– A água subiu um seis metros acima e eu fiquei submersa por completa, até então tinha visto os furos no chão, mas não tinha percebido o barulho sibilante que vinha de lá de dentro. Mas consegui nadar até o topo de uma árvore e fiquei lá até a água abaixar. Arranquei um galho forte da árvore e peguei uma das pedras pontudas para lixar o galho. Fiquei um bom tempo lá encima, mas quando eu finalmente desci, tinha uma arma nas mãos e estava à procura de um lago para caçar peixes, mas não consegui achar nenhum.

– E o que houve depois? – pergunto.

– Continuei coletando, lembrando de tudo o que eu aprendi dentro do Centro de Treinamento. Peguei folhas boas de comer como as de parreira, que contêm nutrientes; as de oliveira, que têm vitamina C e hidratam como água; e de pinheiro para fazer chá.

“Peguei também galhos, além do de cedro, como de salgueiro e parreira, que podem fazer cordas, e de sabugueiro para fazer fogueiras.”

– Foi muito inteligente da sua parte – digo.

– Obrigada, mas como foi com você? – sei que ela também está curiosa para saber como sobrevivi essas, mais ou menos, vinte e quatro horas.

Contei para ela sobre minha entrada na Cornucópia, minha parceria com a Carreirista, como desmaiei quando a água surgiu, como fui acordado por mais um aliado, e que, um tempo depois, fui apunhalado por uma faca derretida que fez o ferimento em meu ombro esquerdo. Contei que depois que acordei não estava mais acompanhado de nenhum aliado, e que encontrei os garotos com o meu braço e os matei, e ouvi a sua voz gritando para mim, mas na verdade era o Amorfo com suas habilidades estranhas.

– Acho que o seu dia foi mais corrido do que o meu – ela percebe.

– Parece que durou uma semana inteira. – Falo como se tivesse acontecido há anos atrás. – Queria saber tanto de sobrevivência quanto você, Catem.

– Bem, eu disse para Alfena que essa seria minha técnica para sobreviver na arena. Sobreviver.

– Sim.

Deixamos cada um com suas coisas, mas não questionamos quando eu mastigo suas folhas de variados sabores e até provo algumas cobras, e ela bebe da minha água, como das minhas aves e passa seiva em pequenos cortes que vez com os galhos.

Então nos concentramos nas bolhas transparentes, e em como elas parecem curiosas, como se tivessem sido colocadas de propósito aos tributos pelos Idealizadores dos Jogos para nos fazer quebrar a cabeça para descobrir o que poderia ser tal coisa. Como uma charada impossível de se descobrir o segredo.

– Ed, acho que vou descansar um pouco, não dormi nada nessa noite – ela diz.

– Tudo bem, Cat – uso o apelido que costumávamos usar quando crianças. Ed, Cat e Ty. – Dormi o bastante de todas as vezes que desmaiei. Pode dormir.

Ela se arruma no meio daquela pequena toca e então deita a cabeça em meu colo, enquanto segura minha mão com força. Alguns minutos silenciosos depois, percebo que estou enroscando os dedos nos cabelos espessos de Catem, olhando fixamente pela entrada mal aberta e mal iluminada que entramos, apenas pensando em uma coisa: Se nós encontramos, porque mais ninguém não pode?

Começo a cantarolar a musica da Campina entre os dentes enquanto vigio a boca da toca, torcendo para que ninguém invada o nosso refúgio. Torcendo, acima de tudo, de que não sejam os meus adversários mais poderosos desta arena: Mikla e Elena.

Bem no fundo da campina – canto com apenas o ar saindo entre a garganta, enquanto sujo os dedos passando o carvão preto entre eles. – Embaixo do salgueiro. Um leito de grama, um macio travesseiro…

Paro de cantar quando escuto o barulho de galhos quebrando. Uma voz abafada surge de cima, uma voz muito conhecida por sinal.

– Se ao menos ele estivesse por perto, poderíamos matá-lo e estaríamos livres de mais um fardo – diz Mikla. Eu estou tão perto de você, que poderia me matar em dois segundos se percebesse o buraco que Catem e eu percebemos.

– Poderíamos matar a garota – diz Jarl, sua voz chorosa é simplesmente a sua marca.

– Poderíamos te matar – é Elena quem está falando agora. – Quero aquela garota pra mim. O que acha dessa Mihairl?

– Eu ficaria com ela, sem sombras de dúvidas, aquele moleque foi muito burro de ter me ajudado – Mihairl, aquela vira-casaca de uma figa.

– Deveria ter matado ele naquela hora – Mikla parece se referir do momento que enfiou a faca derretida em mim. – Eu tinha tudo sobre o controle.

– Não vamos matá-lo, ainda não. – Elena parece chefiar o grupo com sua voz de liderança. – Vamos deixá-los para o final, os garotos que tiraram doze vão morrer de forma tão…

– Torturante? – Gullar Gull pergunta expressando dúvida e sarcasmo.

– Sim, torturante. – Elena parece gostar da idéia.

– Porque não fica quieto, em, Gull? Não foi você que deu um beijão no do 3? – Mikla começa os risos como se fosse um completo babaca procurando briga.

– Eu apenas estava tentando deixá-lo para o final. E você não deveria ter atacado ele, quem sabe um dos tiros de hoje de manhã não foi para ele, por causa de algum tipo de infecção? – diz Gullar Gull

– Não se ele for muito burro, deixei remédios para ele – Mihairl conta. – Ele não pode morrer, não infeccionado pelo menos.

– Quando encontrarmos ele, vou espremer a cabeça dele em minha maça de pregos. Ele vai gritar de tanta dor – diz Mikla.

Estou quase pulando para o lado de fora do buraco quando sou empurrado para baixo de novo. Catem acorda e ouço os gritos de Elena e Mihairl, seguidos dos de Mikla e de Gullar Gull.

É a água.

Mais uma vez.

E desta vez os Idealizadores decidiram matar a mim e Catem, dentro daquela prisão que é a toca. Cheia de água e barro para todo o lado.

Ouço o barulho de um canhão e vejo Catem, imóvel do meu lado, prendo a respiração máximo que eu posso e sacudo-a. Mas o canhão não foi para ela. Minha Cat está com uma das bolhas na cabeça, a outra estendida para mim. E então finalmente descubro o segredo da charada.



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Notas finais do capítulo

Vocês poderia postar reviews né? Nem me mandaram nenhuma no último capítulo... ruuum
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