Já era a manhã do penúltimo dia em Hogwarts. Sábado. A luz entrava pelas janelas da Torre da Grifinória, inundando o quarto das terceiro-anistas de calor e um brilho dourado pousava sobre tudo, como se fosse um bom presságio para aquele dia.

Elyssa ainda dormia profundamente, tal como Kate e Livia, com quem dividia o quarto. Apesar de as três terem combinado com os amigos que iriam acordar cedo para poderem aproveitar seu penultimo dia antes das férias, elas estavam tão cansadas pelo noite que passaram em claro, que perderam totalmente a hora.

– Lyss? – grunhiu Kate, quando já eram dez horas – Lyss, acorda! Liv... vamos a Hogsmeade de tarde, temos que levantar.

Aos poucos Elyssa abriu os olhos. A luz a cegou, então instintivamente a garota puxou o edredon por sobre a cabeça. Kate revirou os olhos e foi sacudir Livia, que em meio a palavrões decidiu se levantar.

– Lyss! – berrou novamente Kate – Acorda! Só falta você!

Depois de um bom tempo, Elyssa decidiu se levantar. Olhou para as amigas e elas já estavam vestidas, loucas para descer para o Salão Principal. Elyssa, vendo a cara delas, tentou se apressar. Fez sua higiene matinal, vestiu-se e penteou os cabelos. Colocou uma roupa casual, já que mais tarde iriam ao povoado, e foi olhar-se no espelho. Aquela era a mesma Lyss de sempre. Cabelos castanhos, no meio das costas, lisos mas com leves ondulações nas pontas, olhos azuis, pele clara. Olhou para as amigas. Kate, cabelos castanho claro e bem lisinhos, olhos esverdeados e algumas charmosas sardas espalhadas pelo rosto. Livia com seus grandes olhos cor de mel, os cabelos pretos com cachos perfeitos nas pontas. Eram, sem dúvida, o trio de amigas mais atraente de Hogwarts. O que resultava em certa atenção. Lyss, no entanto, sempre procurara se esforçar para chamar o mínimo de atenção - coisa complicada quando se é a principal artilheira do time da Casa e, ainda, aluna condecorada em quase todas as matérias. Talvez se esperasse que por todo o contexto, Elyssa fosse fútil e arrogante. Mas, a bem da verdade, sempre se dava bem com todos. Ou quase todos.

– Lyss? – a garota foi despertada de seus pensamentos. Levantou um pouco os olhos e encontrou suas amigas extremamente impacientes, com um olhar de repreensão.

– Ugh, tudo bem, me desculpem – disse, rindo. – Vamos?

~*~

Apesar de ser tarde para o café da manhã, o salão principal estava cheio, e os corredores mais ainda. Por todos que passavam Lyss dava um “oi”, mesmo quando não obtinha resposta.

Sentaram-se na mesa da Grifinória, junto de Lucas e Mike, seus amigos mais íntimos. Os dois eram do quarto ano, mas pareciam gostar da companhia das meninas, mesmo sendo um ano mais velhos que elas. Lucas era um garoto alto e forte, cabelos loiros bagunçados, olhos negros como a noite. Batedor do time da Grifinória, sempre fazia um ótimo trabalho. Já Mike era alto, com olhos claros, cabelos escuros. Toda Hogwarts suspirava quando os dois passavam. As três garotas viviam se perguntando o porque deles andarem com elas, e a resposta mais plausível a que chegaram foi: como nenhuma das três babava por eles, eles se sentiram livres para criar uma amizade.

Os cinco jogavam conversa fora, só Lyss comia.

– Cara, eu não to acreditando. Como assim já acabou? Esse ano passou rápido demais... – disse Lucas.

Mike olhou pra ele com uma cara estranha e disse:

– E você já reparou que ano que vem é o nosso quinto ano? Vamos prestar os NOM’s! Não quero nem pensar! – o garoto olhou pra Elyssa. – Lyss, você vai ter que nos ajudar o tempo todo! Não estou nem aí pro fato de você ser um ano mais nova, vai aprender a nossa matéria e ajudar!

– Ué? Mas por que? Não tenho a menor obrigação. – brincou ela.

– Ora, porque você é a pessoa mais inteligente que eu conheço! Como é possível? Você nem sequer estuda e tem essas notas perfeitas, queria ter essa benção. – os cinco amigos riram.

Mataram o tempo nos jardins, conversando, e logo já era hora de ir à Hogsmeade.

Ficaram pelo povoado durante toda a tarde. Fizeram compras, comeram, e como sempre se divertiram muito. Lyss comprou alguns doces extras, e lembrancinhas para sua mãe. Depois de tomarem mais cerveja amanteigada, os cinco sentiram-se cansados. Por sorte, já era hora que retornar ao castelo e, ao chegarem ao mesmo, correram para o salão comunal. Kate, Livia e Mike conseguiram pegar as melhores poltronas, e a arrastaram para junto de Lucas e Elyssa.

– É bom vocês todos me escreverem nessas férias, ok? – começou Kate – Nas férias passadas, o Mike só me escreveu duas vezes! – queixou-se a garota.

– Ah qual é, eu não me lembro dessas coisas. Escrever pra quatro pessoas não é fácil! – Mike tentou se defender.

– Tô nem ai! – rebateu a menina – Quero uma carta por semana de cada um! E vocês que esperem, pois vou mandar as minhas de segunda, quarta e sexta!

– Meu Deus! – Lucas e os outros se entreolharam. – Seu pai é dono da Agência de Correio e você não contou, ou sua coruja é imortal? Sinceramente, se fizer isso com a coitada, ela vai morrer. – todos riram – Ei! Estou falando sério! Isso poderia ser considerado maus tratos.

– Cala a boca, Lucas. – disse Mike rindo.

– E então, vocês vão viajar ou coisa do tipo? – perguntou Lyss. Seus quatro melhores amigos obviamente sabiam que Lyss morava no fim do mundo e muito raramente viajava.

– Eu vou. – disse Livia – Marrocos ou algo assim. Ainda estamos decidindo. Mas provavelmente será apenas por uma semana ou duas.

– Hey pessoal, vocês podiam ir passar uns dias lá em casa... O que acham? – convidou Lucas. Lyss baixou os olhos. Certamente não poderia.

– Nem venha com essa cara senhorita Elyssa Araullo. Você vai e pronto. Amanhã quando chegarmos em Londres, eu mesmo vou falar com sua mãe. Tenho certeza que ela vai deixar. E além do mais, você não precisa ficar todos os dias. Pode ir embora antes ou coisa do tipo. – Lyss olhou para baixo novamente, mas dessa vez sorria. Talvez, ele tivesse razão e seu pessimismo fosse bobagem.

Os cinco ainda ficaram conversando por muito tempo. Já era quase duas horas da manhã quando foram se deitar, deixando o salão comunal vazio. Naquela noite, porém, Lyss não conseguiu dormir direito. Teve sonhos estranhos.

Estamos te esperando... vamos precisar de toda ajuda... uma voz dizia para ela. Vamos minha filha, finalmente chegou a hora de provar seu valor. Outra voz falava. Filha? Minha filha. Aquela era a primeira vez que Lyss sonhava com seu pai, ou algo parecido. O sonho estranho provocara na garota um terrivel arrepio que percorreu toda sua espinha, e durante todo o restinho de madrugada que teve para dormir, Lyss teve sonhos estranhos e perturbados. Estamos te esperando... Minha filha...

~*~

O desembarque na plataforma 9 ¾ foi igual a todos os outros. A viagem no Expresso de Hogwarts fora tranquila e animada, e agora rolavam soltas as despedidas. Lyss avistou sua mãe e foi correndo abraçá-la. Ela estava muito bonita, como sempre. Suas vestes eram de um roxo majestoso, seu curto cabelo sedoso estava enfeitado com presilhas e seus olhos castanhos transbordavam felicidade em ver a filha.

– Lyss, meu amor! – exclamou ela – Como está, minha pequena?

– Mãe, vou fazer catorze anos, não sou assim tão pequena. – riu-se Lyss.

– Tudo bem, tudo bem. – os amigos de Lyss se aproximaram. – Meninas! Lucas, Mike. Como vão? Não os vejo a tempos!

– Muito bem, Lauren. – responderam todos. A mãe de Elyssa pôs-se a beijar, abraçar e elogiar os amigos de sua filha.

– Hum... Sra. Araullo? – mesmo meio sem jeito, Lucas tentou começar. – Estava pensando... Convidei a todos para passar uns dias na minha casa nessas férias. Lyss estava meio preocupada... Quer dizer, ela pode ir não é?

– Oh. – disse Lauren. – Bem, creio que se for só por uns dias não há problema algum. – a mulher sorriu amavelmente. – Mas seus pais estão de acordo, certo? – Lucas confirmou. – Então está bem! Só nos mande uma carta antes, ok?

O loiro concordou feliz, e logo os seis encontraram os pais dos outros quatro. Lauren ficou conversando por um bom tempo, enquanto Lyss e os amigos acertavam algumas coisas. Depois de uma hora de papo, todos finalmente se despediram de verdade.

– Vamos Lyss, aluguei um carro para podermos ir até a cidade vizinha, lá pegaremos a chave-do-portal. - enunciou sua mãe cautelosamente.

Caminharam rapidamente pela calçada estreita, e logo já estavam dentro do lustroso automóvel negro. Depois de inalar profundamente, Lyss conseguiu expressar o que passava por sua mente:

– Mãe, obrigada mesmo por me deixar ir. Digo, na casa do Lucas. É realmente importante pra mim, sabe? Poder sair e... - Lyss reparou no semblante de culpa e tristeza que sua mãe exibia. – Er... O que foi...?

– Lyss, eu sinto muito... Eu... Você não pode ir. – a garota a fitou nos olhos, perplexa. Então por que é que dissera que poderia? – Antes que me critique, devo dizer-lhe que já chegou a hora. Enrolei tempo demais. – Lyss sentiu como se tivesse sido mergulhada em uma piscina de gelo. Lembrou-se de seu sonho.

– A hora de que? – perguntou, tentando se controlar.

– A hora de ir para o Acampamento Meio-sangue. - respondeu.

O pavor se espalhou por cada canto do corpo de Elyssa, e ela olhou para sua mãe com medo. Mas Lauren simplesmente pisou fundo no acelerador.