Aquela era a primeira vez que eu amava. Quer dizer, claro que eu amo minha família, mas aquilo é amor fraternal. O amor que eu sentia por Ery queimava por dentro e cada vez que nos beijávamos, eu ficava com vontade de mais.

Assim que fui para o quarto, tomei uma chuveirada e pedi uma pratada daquele macarrão com molho laranja, que parece abóbora. Comi olhando o nada, enquanto pensava em como minha família deve estar, em como a Arena poderia ser, em como será a entrevista. De como os Idealizadores vão me odiar, vão me dar uma nota ruim e eu vou morrer no primeiro dia. Espero que pelo menos eu tenha uma morte rápida. Quando eu morrer, eu quero que meu pai e Nadik me enterrem em uma Campina. Lá não tem árvores e a Campina do Distrito 7 é bem iluminada pelo Sol e cheia de flores. Normalmente, Nadik e eu vamos lá para conversar. Nós falamos que queremos acabar com esses Jogos e a opressão da Capital sobre os Distritos. Nós dois contra Panem. Isso seria impossível, mas nós gostamos de pensar que um dia isso tudo irá acabar. Mas pode ser que isso não acabe. E é um motivo para eu não querer ter filhos, caso eu saia da Arena. Eles teriam que viver na horrível Panem e morrer nas garras do Presidente Snow. Nadik não ia gostar dessa ideia de que eu estou amando, por que nós somos uma dupla. Só nós dois.

Quando percebo que não vou conseguir dormir, saio do quarto e começo à perambular pelo corredor e dou de cara com Ery.

-Oi. - eu disse abrindo um sorriso.

-Oi – ele respondeu, com seu sorriso lindo estampando seu rosto. - Perdida?

Dei um risinho abafado e respondi :

-Não. Eu só não conseguia dormir. - eu disse, sentando no chão – Então vim perambular pelo andar.

-Interessante. - ele se sentou ao meu lado – E então. Muito ansiosa para amanhã?

-Um pouco. - admiti – Eles vão me odiar.

-Não vão não. - ele disse, me abraçando – Todo mundo te adora.

Dei um sorrisinho leve e bocejei.

-Está com sono? - disse Ery, tirando uma mecha de cabelo da minha testa

-Um pouquinho. - eu disse.

Ele me pegou no colo e me carregou até o quarto, me deitou, e me cobriu. Segurei com força a sua mão e disse :

-Fica aqui comigo?

Ele só se deitou e eu apoiei minha cabeça sobre seu ombro.

-E então. Eu te amo e só sei que você tem 3 irmãos e seu sobrenome. - disse ele, fitando a parede – Qual sua cor favorita?

-Azul. - atualmente, isso era uma das poucas coisas que eu tinha certeza – E a sua?

-Amarelo. Amarelo bebê. - ele disse – Amarelo bebê é uma cor tão calminha...

-Como você consegue ser tão calmo? - pergunto, olhando para ele

-Eu não sei. - ele disse – Só sou. É estranho. Como você consegue ser tão estressada, eis a questão.

-Essa é fácil – eu disse – Eu nunca sou boa o suficiente.

-Ah, que isso – ele disse, me dando um beijo na cabeça – Você é perfeita.

Minhas bochechas ficaram vermelhas de vergonha. Ery e eu ficamos nesse papo até eu pegar no sono.

Ao chegar da luz da manhã, ele me acordou. Chegou o grande dia em que seriamos julgados pelos Idealizadores. Aquela nota pode chegar à significar nossa sobrevivência na arena. Eu estava esperando um 4, no máximo 5, já que sou realmente boa só com o machado. Sim, eu adquiri muitas habilidades, mas nenhuma é um dom. Só dons impressionam os Idealizadores.

-Eu vou para o meu quarto me arrumar – disse Ery, me dando um beijinho na testa – Te vejo na sala de Jantar.

-Até mais. - eu disse, me levantando.

Fui até o banheiro e tomei uma ducha bem fria, para acordar. Lavei o cabelo com um shampoo que tinha cheiro de morangos com creme. Aparência é importante também. Muitos dizem que não, que é idiotice, e todos ligam somente para suas habilidades. “Fala sério.” penso. Dá para reparar, que vez ou outra, garotas com corpos esculturais recebem notas altas. Eles fingem que não, mas existem vários homens em Panem, que são sedentos por corpos de garotas carentes. Ridículo.

Saio do banho e me seco, para colocar uma calça preta e uma blusa azulada. Entro no elevador e aperto o botão “Térreo”. O elevador para no andar 4 e eu já sinto o medo entrando no meu corpo. A porta se abre e a garota sai de sua cara séria para uma cara de ódio, como se a qualquer momento, fosse arrancar uma faca de sua calça e cortar minha garganta. O garoto permanece sério, olhando para sua colega de vez em quando. Então eu me lembro que deixei meu colar lá no dormitório. Aperto o número 7 do elevador como uma doida. Ele para no térreo e assim que os tributos do 4 descem, as portas se fecham e o elevador sobe para o 7º andar.

Entro correndo no meu quarto e vejo uma Avox recolhendo as coisas do chão. Quando ela me vê, coloca a trouxa de roupas sobre a pia e me estende o colar.

-Você pode colocar em mim? - digo. Ela só se aproxima, amarra meu cabelo em um rabo de cavalo e prende o colar. Quando me viro, ela está sorrindo – Obrigada – retribuo o sorriso. Ela acena com a cabeça e volta para o banheiro. Saio do quarto e encontro Ery esperando o elevador.

-Oi – digo, abrançando-o e dando um beijo em sua bochecha

-Oi – disse, me segurando pela cintura – Tudo bem?

-Tudo – passei as mãos pelos seus ombros e lhe dei um beijinho leve – E você, como vai?

-Muito melhor – isso é meio meloso, mas é muito fofo – Ok, eu sei que isso é muito cafona, mas sei lá.

Dei um risinho e disse :

-Relaxa, foi muito fofo.

O elevador chegou e os tributos raquíticos do Distrito 12 estavam lá.

-Olá! - disse a garota com um tom alegre, mas com uma ponta de medo no final. Tenho certeza absoluta que o medo que ela tem é dos Jogos, não de Ery e de mim, não somos assustadores.

-Oi – Ery e eu respondemos – Como vai? - digo

-Bem... - ela disse. O garoto permaneceu em silêncio – Sou Serena e esse é Phileas – ela se referia ao garoto – E vocês são Meriva e Ery, certo?

-Ah, sim. - disse Ery. A porta do elevador se abriu e eu puxei Ery pelo braço, indo em direção à Sala de Jantar, onde Tucksen, Pammy e Mekenzie nos aguardavam.

-Como vão, queridos? - disse Tucksen – Dormiram bem?

-Sim – eu disse, me sentando ao lado de Mekenzie – e vocês?

-Claro – Mekenzie e Tucksen responderam

-Sim – disse Pammy, baixinho. Tem pessoas que acham que ela é antissocial. Ela não é antissocial, é quieta e fria, só. Antes dos Jogos, eu soube que Pammy era muito animada e divertida, mas claro, os Jogos tiraram toda essa animação.

Após nós comermos, fomos mandados para uma sala, para aguardarmos os Idealizadores nos chamarem. Primeiro os garotos. O primeiro foi Spes, o garoto do Distrito 1, que estava treinando camuflagem com Faith, a frágil garotinha de 12 anos do Distrito 5, que quero como aliada.

Após mais ou menos 10 minutos, Spes saiu e a sua companheira de Distrito entrou. E assim foi se seguindo, até que chegou a vez de Faith ir para lá. Ela se levantou, engoliu em seco e olhou pra mim. Eu sorri para ela e acenei com a cabeça. Ela retribuiu o sorriso e foi para seu julgamento com os Idealizadores. Quanto mais se aproximava a hora de eu ser julgada, com mais força eu apertava a mão de Ery. Quando ele foi chamado, precisou massagear a mão que eu estava apertando.

-Boa sorte – sussurrei. Ele respirou fundo e foi. Após 15 minutos que se passaram rápido demais, eu fui chamada. Me senti dura, como se não conseguisse andar. Eu já não conseguia respirar, parecia que todo o ar que existia em meus pulmões fugiu. Enfim, eu comecei à andar em direção ao ginásio.

Os Idealizadores já estavam entediados – imagino como estarão quando forem julgar os últimos Distritos -, então fui para a seção de lanças e joguei uma com força na cabeça de um boneco.

Após 10 minutos mexendo com todo tipo de arma, peguei um machado e fui até a mesa dos Idealizadores, que conversavam sobre “como foi horrível a Leeza ter obrigado eles à usarem topetes pretos na sua festa”

-Oi? - gritei – Será que alguém aqui pode cumprir com seu maldito trabalho e prestar atenção em quem vocês devem julgar? - eu estava muito estressada e então, peguei o macho e bati com força contra a mesa, fazendo com que a arma ficasse presa. - Vocês cumprem muito bem a obrigação de vocês.

Deu para perceber que eles ficaram muito chocados, com seus olhos arregalados e faces nervosas.

-Srta. McCord, pode se retirar. - disse Seneca Crane, o Chefe dos Idealizadores.

Eu saí bufando e todos que restaram me olharam com susto e dúvida no ar. Já pude ver que minha nota não seria 4, seria no máximo 2.