A Leoa Da Montanha escrita por LadyJackie


Capítulo 2
Capítulo 2




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Capítulo 2

   Lyona estava sentada na janela de seu quarto, observando a paisagem de sua janela. Pelo vidro podia ver toda a vila rodeada pela Floresta dos Montes e uma silhueta ao fundo, a Torre Norte.

   Haviam quatro torres em Cnoc. Reis de outros continentes sempre queriam expandir suas terras, portanto cada cidade, vila ou vilarejo possuia sua própria forma de defesa, e a daquela vila eram as torres que ficavam na parte sul, norte, leste e oeste. Sua própria casa era uma das torres, a Torre Sul. As imponentes construções eram cercadas de casarões e casinhas, como os estábulos, os depósitos e casas de servos, igrejas entre outras, mas a residência principal ficava na própria torre. Elas não ofereciam proteção real, mas estavam localizadas em pontos estratégicos para evitar ataques surpresas vindos de qualquer um dos lados. Mas no momento aquelas torres serviam apenas para Lyona refletir sobre a grande porcaria em que sua vida se tornou.

   Ontem ela recebeu a “maravilhosa notícia” – nas palavras de Grace Regan – que ela se tornou a noiva de Logan. Sua expressão no momento deveria ter sido cômica se a situação não fosse trágica. Se lembrava claramente dos acontecimentos posteriores.

- Foi o que eu disse – repetiu Peter O’Carrol – você se casará com Logan. Eu e Grace fizemos uma aliança. Achamos por bem aliar a Torre Sul com a Torre Oeste para o caso de a vila ser invadida. Nós trocaremos mantimentos em momentos de necessidade, ofereceremos abrigo se uma das torres for tomada e aliaremos forças contra o inimigo. Para selar o acordo chegamos à conclusão de que um casamento seria apropriado.

   E ele disse isso sem nenhuma expressão. Absolutamente frio como se estivesse comentando sobre o clima. Se ele não fosse seu pai ela poderia facilmente odiá-lo.

- E eu poderia saber como chegaram à essa conclusão? – Ela perguntou, controlando ao máximo sua raiva. Seu corpo tremia de cólera. Ela sempre admitiu não ter um bom auto controle no que dizia respeito às suas emoções e por um algum tempo treinou sozinha para ser fria como seu pai quando a situação exigisse, porém logo desistiu e parou. Como se arrependeu naquele momento.

- Enquanto estávamos discutindo os pormenores do acordo o garoto Regan nos interrompeu. – Lorde O’Carrol lançou um olhar reprovador ao covarde. Ele quase imperceptivelmente se encolheu.

   Grace Regan foi logo proteger sua cria.

- Sim, porém foi ele que nos apresentou a maravilhosa ideia do casamento. – Seu orgulho era palpável. Ela agia como se o filho houvesse sido escolhido para ser o novo rei.

- Ah foi? Bom eu creio que existam outras maneiras mais diplomáticas de selar um acordo...

- Você tem algo contra? – Lady Regan arqueou uma de suas sombrancelhas louras. Seus cabelos presos em um coque sobre a cabeça lhe deram um olhar ainda mais severo.

- Bom eu...

- Não, ela não tem, certo Lyona? – Lorde Peter encarou-a. Uma coragem quase suicida invadiu-a.

- Sim eu tenho! Quase não conheço Logan e... – mais uma vez engoliu seu orgulho – ...não acho que eu seja uma noiva apropriada para ele.

   Pela primeira vez o garoto interferiu, com um grande e confiante sorriso no rosto:

- Mas é claro que é! Eu tenho certeza que você seria uma esposa perfeita. Além disso podemos nos conhecer melhor. O que acha de sairmos para uma cavalgada amanhã ao entardecer?

   A partir dali as coisas se passaram em um borrão. Apenas se lembrava de seu pai confirmando sua presença em seu “encontro” com Logan, congratulações falsas e do sorriso de alegria venenosa de Brianna Duffy. E agora ali estava, agradeçendo aos deuses pela chuva no fim da tarde. Ela nunca havia se sentido tão feliz em receber um mensageiro dos Regan cancelando um compromisso. Mas é claro, foi apenas adiado para o dia seguinte.

   Lyona levantou-se do parapeito de pedra e se voltou para seu quarto. A Torre inteira era feita de pedra cinzenta, o que dava uma sensação de frieza e solidão da qual ela nunca havia gostado, porém ela gostava de seus aposentos. Uma das poucas coisas que sua mãe a ajudou a fazer sem a permissão de seu pai, seu quarto foi decorado com tapeçarias cheias de desenhos de mulheres com unicórnios, guerreiras, florestas misteriosas e animais. O grande tapete que cobria grande parte do chão de pedra era o desenho de um enorme leão dormindo, que mesmo inconsciente passava a sensação de poder e auto confiança. Era a tapeçaria preferida de Lyona, que, a propósito, teve seu nome como uma homenagem àquele nobre animal.

   Ela foi direto ao espelho que possuía, ao lado de um enorme baú de madeira com adornos dourados, onde ficavam seus vestidos mais caros. Morgan O’Carrol sempre disse que ela era uma garota muito bonita com seus olhos azuis gelo, seus cabelos vermelhos e ondulados que iam até um pouco acima da cintura e seu corpo já curvilíneo. Porém, apesar de todos os elogios que recebia, todos os olhares de outos garotos, não só da vila, mas de visitantes de outras cidades, ela apenas conseguia ver uma garota que deveria se resignar com sua vida monótona e aceitar o fato de que um dia se casaria com um desconhecido, teria muitos filhos todos eles com os destinos já traçados – os meninos teriam algum cargo de importância enquanto as meninas seguiriam os mesmos passos da mãe – e veria todos os seus sonhos jogados pela janela. Não importava o quanto odiasse a ideia disso. Não importava o quanto quisesse lutar...

   De repente uma ideia se formou em sua cabeça. Uma ideia inconsequente na verdade, mas no momento sua revolta era tão grande que queria cometer algo tão revoltante quanto, mesmo que em segredo. Sem pensar duas vezes para não perder sua coragem ela abriu seu baú, pegou a capa preta e colocou-a em volta de si mesma. Escondeu os cabelos ruivos com o capuz e logo ela ficou coberta de negro.

   Passaria rápida e invisivelmente pela sala dos tesouros do pai e faria uma visita à vila de Cnoc, além do muro.

**********

   A ruiva rapidamente se escondeu nas sombras de caixas empilhadas ao lado de um estábulo. Os guardas da Torre Leste passaram por ela sem notá-la e logo saíram de seu campo de visão. Ela esperou mais alguns segundos para ter certeza de que não voltariam e continuou seu caminho.

   A partir daquele ponto Lyona deveria ficar cada vez mais cautelosa. Haviam três famílias nobres e quatro torres de vigia em Cnoc. Três das torres, a Sul, a Leste e a Oeste, eram utilizadas como residência para as três famílias nobres, e a Torre Norte era habitada por guardas do próprio rei, tanto para evitar conflitos de interesse entre os nobres da vila quanto para manter informantes regulares para a família real – informantes esses que estavam em todas as regiões habitadas do reino. Cada Torre possuía a sua “área de patrulha”, uma área designada para os guardas e cavaleiros daquela família vigiarem, não apenas para impedir rebeliões e roubos, mas principalmente para impedir a invasão de outro integrante de uma das outras famílias nobres naquela região. O nome Área de Patrulha era apenas uma fachada para “área de posse”. Como ricos mesquinhos, nenhum deles gostaria de ver sua área sendo invadida ou tomada por outro rico, portanto cada Torre possuía sua guarda para impedir invasões.

   Era esse um dos principais motivos que Lyona tanto odiava aquelas reuniões entre os O’Carrol, os Duffy e os Regan. Era apenas um “quebra gelo”, quase como se eles precisassem afirmar para si mesmos que eles eram capazes de conviver em paz, mesmo que um desejasse as terras do outro. Mas mesmo nessas reuniões o clima de tensão era tão palpável que todos os tipos de gracejos e elogios ditos soavam falsos. E eram.

- OLIVER, REBECCA, VENHAM PARA DENTRO JÁ!

   O coração de Lyona quase parou. O grito da mulher veio de uma janela muito próxima. Ela se encolheu ainda mais nas sombras da casa na qual estava passando. Então, ouviu alguns gritos de resposta de crianças e chapinhar de passos na chuva. Logo a quietude voltou.

   Enquanto continuava em seu caminho zigue-zague pelas ruas confusas cheias de casas e comércio fechado, Lyona aproveitou o barulho da chuva e de seus próprios passos para refletir sobre o quanto gostaria de ter uma vida simples como aquela. O quanto gostaria de ter sido uma criança que rolava na lama da chuva e que levava bronca dos pais por isso, que poderia conhecer outras pessoas...

   Fez mais uma curva à direita e chegou a seu destino. O único local que ainda estava aberto ao entardecer de um dia chuvoso.

   Ela entrou na grande ferraria e imediatamente foi assaltada pelo calor das forjas. As paredes de pedra estavam cobertas de ferraduras, espadas, escudos e armaduras magníficas. Escutou seu pai falando sobre aquele local em uma de suas reuniões com os guardas em uma ocasião, e o quanto ele estava insatisfeito sobre a melhor ferraria da vila se encontrar na área da Torre Leste.

   Havia um balcão um pouco mais à sua frente, e além dele haviam duas bigornas e enormes forjas, barris com água, martelos, outras ferramentas e blocos irregulares de ferro, ouro e alguns metais que não foi capaz de reconhecer. Podia jurar que por uma fresta em uma das caixas empilhadas no fundo reconheceu o brilho de rubis.

- Olá?

   Lyona deu um salto e agradeceu mentalmente não ter tirado o capuz.

- Olá, estou aqui para encomendar uma espada. – Lyona disse. Ela procurou o dono da voz grave que tinha escutado, porém ele não apareceu.

- Estamos fechados. – A voz grave respondeu.

   Ela se irritou.

- Bom a porta estava aberta, logo, vocês estão abertos.

   Ouviu uma risada zombeteira e logo o som de passos. De trás de uma porta nos fundos surgiu o que era provavelmente o garoto mais alto e um dos mais atraentes que Lyona já tinha visto. Seu cabelo curto era tão negro que a luz refletia azul sobre ele. Seu rosto estava um pouco sujo de fuligem, mas isso não impediu-a de ver seus olhos, que eram cor de âmbar, que, com a luz do fogo das forjas, lhe dava um olhar quase felino. Além de ser alto seu corpo era óbviamente forte pelo trabalho na ferraria, fato que era visível mesmo que ele estivesse usando um tecido muito largo e branco sobre o torax. Mais uma vez ela agradeceu mentalmente não ter tirado o capuz, ou ele teria percebido seu rubor...

   Mas espere......! No que estava pensando?! Não tinha tempo para essas tolices! Ela estava no meio de um plano rebelião e nada tiraria sua concentração.

- Quero encomendar uma espada. – Ela repetiu.

- Sim, você já disse. – Ele arqueou a sombrancelha. – E você seria...?

- Bom isso não importa contanto que eu pague pelos seus serviços, certo? – Ela pôs seu braço para fora da capa e mostrou que segurava uma bolsa de couro respeitavelmente cheia e pesada.

- Para alguém que quer segurar uma espada você tem os braços bastante finos, não? – Ele cruzou os braços e encostou o quadril no balcão.

   Ela imediatamente recolheu o braço para dentro da capa. Quem esse grandissíssimo bastardo pensava que era? Lyona fechou os olhos, contou até três e disse na voz mais controlada que conseguiu:

- O que estou oferecendo é uma proposta irrecusável. Nesta bolsa tem o dobro do que se cobra por uma espada, e é apenas metade do pagamento. Agora, se você pensa que porque dizem que você é o melhor ferreiro de Cnoc eu não vou procurar outra pessoa para fazer o trabalho você está muito enganado!

- Não sou eu quem chamam de “melhor ferreiro de Cnoc” e sim meu mestre, mas de qualquer forma – ele se aproximou alguns passos – eu, digo, meu mestre, aceita a proposta.

- Ótimo. – Ela lutou contra a vontade de recuar um passo diante do corpo intimidante do garoto.

- Então, qual você vai querer? – O garoto de cabelos pretos se aproximou da amostra de espadas na parede ao seu lado e pegou uma espada de duas mãos que tinha quase o tamanho de Lyona. – Se você quer uma espada para finalizar rapidamente... o que quer que você esteja fazendo é de uma dessas que você precisa, agora se o que você tem em mente...

- Espere! Não é nenhuma dessas que eu quero. – Ele mais uma vez arqueou a sombrancelha. – Eu quero uma feita para mim, que seja leve, mas que seja capaz de causar graves danos à um oponente. E de preferência uma que não tenha o meu tamanho. – Olhou para a espada que ele segurava em suas mãos. Como aguentava aquele peso era um mistério para ela. – E o principal: quero no punho o rosto de uma leoa.

   Ele encarou-a por algum tempo, como se quisesse entender seus motivos ou mesmo descobrir quem estava por baixo da capa. Lyona raramente recuava ante Peter O’Carrol, e agora lá estava ela com uma ânsia de virar as costas e correr apenas por estar diante de um aprendiz de ferreiro que era muito maior que ela.

- Certo. – Ele finalmente disse. Ela quase pulou de alegria. – Porém preciso saber onde você mora para mandarmos entregar a espada e exigir a outra metade do pagamento.

- Não há necessidade. – Ela rebateu rapidamente. – Em quanto tempo consegue que a espada fique pronta?

- Uma semana, provavelmente.

- Certo. Em uma semana eu mesmo virei buscar a espada e entregar a outra metade do pagamento.

   Ele estendeu a mão, num gesto para Lyona colocar lá a bolsa de couro, porém ele encarava-a tão fixamente que ela receou chegar muito perto sob o risco de expor sua identidade. Ou era nisso que ela queria acreditar. Para evitá-lo ela se dirigiu ao balcão e colocou lá a bolsa de couro.

   Voltou à porta aberta, e estava pronta para sair quando ouviu novamente a voz grave às suas costas:

- Tenha uma boa noite.

   Ela olhou sobre os ombros e viu seu sorriso de lado, como se ele soubesse de algo do qual ela não tivesse conhecimento. Ela rapidamente acenou com a cabeça e voltou à andar sob a chuva em direção à Torre Sul.

   Enquanto andava e desviava dos guardas não pode esconder seu sorriso ao imaginar o tesoureiro da corte O’Carrol fazendo as contas e descobrindo que estavam 300 moedas de ouro mais pobres. Mas seria por uma boa causa. Lyona nunca se renderia ao simples destino de se casar e ter muitos e muitos filhos, todos com os destinos já traçados, mas se ela quisesse lutar contra o que quer que fosse, primeiro, precisaria de uma espada.


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Notas finais do capítulo

É isso aí! Mais um capítulo postado. Pessoalmente eu estou satisfeita com ele, espero que gostem ^^
Mais uma vez, se alguém tiver alguma sugestão sobre como eu posso melhorar minha escrita, alguma crítica, positiva ou negativa, por favor de digam. Isso me deixará feliz e me ajudará muito =DD
Beijos e até o próximo capítulo.



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