Pride escrita por Usagi


Capítulo 1
Capítulo 1 - Primeiro Tempo.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ~



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- Takashima-san. – chamou Yutaka, o responsável pelo nosso grupo. – Tem algo para compartilhar com a gente hoje?

Suspirei, já prestes a responder o tão típico e resmungado ‘’não’’ que eu dizia todos os dias, quando ele me perguntava isso. Venhamos e convenhamos, eu nunca fui o tipo de pessoa que fala muito – quanto mais no meio de um monte de gente. Eu sempre fui quieto, na minha, sempre guardei as minhas coisas apenas para mim, afinal, não era como se fosse haver alguém realmente interessado no que eu tinha a dizer. Entretanto, dessa vez, eu senti que talvez fosse o dia de fazer as coisas serem um pouco diferentes, - não só porque ia fazer quase um ano que eu ia naquela terapia de grupo cinco vezes por semana e ainda não tinha dito uma palavra que fosse, mas também porque eu achava que certo alguém ia ficar muito feliz se eu resolvesse ceder um pouco.

Respirei fundo, como se o que eu fosse dizer a seguir fosse um grande esforço – o que não deixava de ser.

- Hai.

Ninguém disse nada, e Yutaka deu um enorme daqueles seus sorrisos cheios de covinhas, aparentemente muito satisfeito. Deveria estar achando que finalmente tinha vencido, que finalmente tinha me convencido a participar com todos aqueles seus discursos, mas a verdade é que eu não tinha resolvido falar porque seus discursos tinham surtido algum ‘’efeito’’, mas sim porque talvez, naquele dia, eu estivesse um mínimo disposto a cooperar.

- Pois bem, a palavra é toda sua.

Respirei fundo outra vez, tentando não ficar nervoso diante das onze pessoas que participavam daquela chatice e que depositavam sua preciosa atenção em mim. Eu já sabia das regras; pelos próximos 10 minutos apenas e exclusivamente eu falaria – e isso não me agradava nem um pouco.

Naquele dia, todos estavam falando um pouco de si mesmos. Eu não me achava – nem nunca tinha achado – uma pessoa interessante o bastante – na verdade, eu nem ao mesmo me achava interessante – para falar de mim mesmo. O que importava? Meu nome era Takashima Kouyou, mas isso eles já sabiam. Eu tinha 23 anos, mas disso eles também já sabiam. O que diabos eu ia poder contar sobre mim? A coisa mais interessante que poderia ter acontecido comigo até hoje era ele.

- Com licença, - levantei a mão, como se estivesse em uma sala de aula. – mas será que eu posso contar uma história de amor?

Ninguém na sala disse nada outra vez – não era como se as outras onze pessoas fossem abrir a boca a menos que fosse a vez delas -, e Yutaka apenas sorriu outra vez, assentindo.

- Claro.

Tomei fôlego, pensando que não poderia ser pior do que tudo pelo o que eu já tinha passado antigamente – e definitivamente não seria pior do que a vez em que eu me apresentei naquela peça da escola porque estava precisando de nota e fiquei tão nervoso que errei todo o texto.

Pois bem.

- B… Bom dia. – falei, e pela primeira vez desde que eu tinha dito que ia falar, alguém abriu a boca. E tão logo responderam o meu ‘’bom dia’’ em uníssono, voltaram a ficar em silêncio. –Meu nome é Kouyou. – parecia ser um bom começo – ao menos a maioria das pessoas começava assim. – Nem sempre eu fui assim, sabem? Eu nem sempre fui disposto a melhorar. Pra ser bem sincero, eu nem ao menos cogitaria a possibilidade de vir pra cá por conta própria. Mas aí… Mas aí eu descobri uma coisa. – dei uma pausa, e passei os olhos pelos presentes, que apenas me olhavam. – Eu descobri que o amor é loucura.

Então, como sempre acontecia quando eu pensava sobre isso – ou então falava em público, comecei a rir. Comecei a rir enquanto repetia outras duas vezes que o amor era loucura. De repente parei e soletrei a mesma frase, como se só tivesse me dado conta da dimensão das minhas palavras naquele instante. Mas, na verdade, escutando isso, fazia soar ainda mais verdadeiro do que quando eu apenas pensava sozinho sobre isso.

Não tive coragem de continuar encarando o rosto das pessoas – e eu sentia o olhar curioso do Yutaka sobre mim -, então deixei meu olhar fixo num ponto de espaço qualquer e respirei fundo, antes de continuar.

- O amor faz com que a gente enlouqueça mais do que nossos traumas, mais do que drogas, o amor faz com que uma pessoa esquizofrênica pareça o ápice da sanidade se comparado à nós. É por isso que eu estou aqui hoje: por amor. Não por algum tipo de vício, por tentativas de suicido, por depressão, por problemas psicológicos, por problemas de conduta ou qualquer coisa desse tipo. Não é por isso que eu estou aqui hoje. Eu já estive em outras duas clínicas de reabilitação antes dessa aqui, ambas por causa desses motivos.  Mas hoje, hoje, eu estou aqui por amor.

Dei uma pausa para respirar e sorrindo de canto para mim mesmo. Estava sendo fácil até então.

- Desde cedo que eu tive problemas. Só fui entrar nas drogas com 15 anos, mas nada de fundo do poço comigo. Nada de roubar trocados ou ter que traficar na escola pra conseguir uma dose, minha família tinha dinheiro e a mesada era boa o bastante pra eu não ter esse tipo de problema. Meu pai e a minha mãe não se importavam se eu ia repetir o ano ou o quê, só me trocavam de escola e davam um jeito pra que eu conseguisse avançar pra próxima série, mesmo que precisasse de uma ajuda monetária pra que isso acontecesse.

Fiz outra pausa.

- Na época, eu até ia dizer que minha vida era boa, apesar de tudo. Eu até podia dizer que era feliz, mas no fundo eu era mesmo uma pessoa cinza. Não cinza de cigarro, mas sim a cor cinza. O mundo era cinza pra mim. Nunca fui o filho preferido, afinal eu era só o filho do meio, que diferente da irmã mais nova e da irmã mais velha, não era um gênio ou então presidente do conselho estudantil ou algo assim. Eu era só o filho do meio, que diferente do irmão mais novo, não era craque em algum esporte e tinha uma estante cheia de troféus e medalhas. Meus pais viviam no mundo deles, não era como se eles se importassem caso eu tivesse problemas na escola, e também não era como se eles se importassem caso parecesse que tinha alguma coisa errada. Era só comprar um presente pro garoto e pronto. Não é que eles me rejeitassem, era só que eu não tinha nada que me desse destaque perante os outros e que pudesse fazer com que eles sentissem orgulho de mim. No início, era difícil. Eu sentia que era porque eu era um fracasso, que era porque eu não tinha um futuro promissor que nem todos os meus outros irmãos. Eu achava que era culpa minha, que era por isso que nenhum dos dois dizia que sentia orgulho de mim. Eu comecei a sentir raiva de mim mesmo. Eu comecei a achar que eu  merecia ser punido por ser tão… Inútil. Foi aí que veio a depressão. Eu mal tinha 11 anos quando tentei me matar pela primeira vez.

Ri de um jeito seco e triste, sem achar graça nenhuma. Estava um pouco assustado com o tanto que eu já tinha falado sobre a minha vida, coisas que eu não tinha contado pra ninguém além de uma pessoa, mas, mesmo assim continuei.

- Eu era só uma criança que guardava um grande sentimento de rejeição e que se culpava por isso. Eu era só isso, uma criança que se punia porque acreditava que se eu me punisse, talvez meus pais me desculpassem e me amassem que nem amavam os outros filhos. Depois da primeira tentativa, eu passei pelo primeiro psicólogo, mas se querem saber, ele era um idiota. Eu não conseguia me sentir a vontade com ele embora ele sempre dissesse que eu podia contar tudo pra ele. Eu não podia. Eu não podia contar sobre as lâminas atrás dos quadros do meu quarto, muito menos sobre o estilete debaixo do colchão. Eu não podia contar pra ele o porquê de eu sempre usar mangas compridas. Era o meu castigo. Então, depois de me prescreverem algum remédio tarja preta, meus pais acharam que estava tudo bem e que o filho carente por atenção já estava curado. Eles nunca notaram o quão triste eu parecia. E depois, com o tempo, eu simplesmente aprendi a fingir que estava tudo bem, porque meus irmãos percebiam que tinha algo errado, e se eles descobrissem iam contar para os dois, e eu não queria atrair mais problemas.

Dei outra pausa.

- Perto dos meus 14 anos eu já era uma pessoa completamente cinza. Quando eu sentia dor, eu já não sentia mais dor de verdade. Eu tinha descoberto nos remédios uma ótima maneira de escapar da dor ou da solidão. E, se doesse ou eu me sentisse mais só do que os remédios podiam ajudar, os cortes faziam passar. Depois de um tempo, aquilo não era mais o bastante, então um amigo no colégio me apresentou a droga. A partir daquele momento, se doía, se eu me sentia só, se eu estava chateado ou se eu só queria me desligar do mundo, eu tinha a minha ‘’companheira’’ de todas as horas. Companheira que só fez com que eu me levasse ainda mais pro cinza. E sabem o que eu descobri depois do amor e depois de passar meu primeiro mês completamente limpo? Que o mundo tinha cor! Que o céu era azul!

Relaxei na cadeira, ainda encarando o meu ponto fixo na parede, tentando não pensar nas expressões de ‘’esse cara é louco’’ que as pessoas deviam estar usando pra olhar pra mim.

- Parecia que tinha uma gaze nos meus olhos. Parecia que eu estava sozinho, preso em um labirinto escuro e cada vez mais eu me perdia na imensidão dele. Mas aí ele apareceu. – sorri só de me lembrar dele. – Mas… Como eu vou explicar o Yuu pra vocês? Como eu vou conseguir encontrar palavras pra descrever uma pessoa feito ele?

Fiz outra pequena pausa.

Estava sendo muito mais fácil do que eu imaginava, e eu estava me assustando com o fato de que parecia que, a cada palavra, um peso saía das minhas costas.

- Ele era um estagiário da empresa do meu pai. O pessoal da empresa dele sempre andava lá por casa, mas eu nunca reparava neles de verdade. Eu estava lá com os meus 16 anos, acho. Não reparava mais em muita coisa. Eu tinha voltado do colégio e tinha passado a tarde inteira trancado no meu quarto, com um cigarro na mão e uma garrafa de bebida na outra enquanto escutava alguma música qualquer nos fones de ouvido. Uma hora eu fiquei com frio e resolvi fechar a janela, e lá estava ele. Embora eu não fosse de reparar nas pessoas, sabia que ele não me era estranho. Ele deve ter percebido que eu estava olhando pra ele, porque olhou na minha direção depois de alguns minutos. Eu não soube identificar o que ele quis dizer com aquele olhar. Eu sei que ele entrou em casa e depois de mais ou menos uns 20 minutos ele bateu na porta, pediu licença e entrou no meu quarto. Foi direto até a janela e a abriu outra vez, e então falou:

- Você devia parar com isso e tocar mais. – apontou para a guitarra apoiada no lado da minha cama.

Eu peguei a guitarra nas mãos e a pendurei no corpo.

- Por que? – eu perguntei, dedilhando uma nota qualquer. – Eu não sou bom nisso.

- É sim. Eu já te ouvi tocando. – falou, e em seguida pareceu perceber o que tinha dito, porque seu rosto assumiu uma expressão envergonhada. – Eu ouvi quando vim aqui uma vez. Você é bom nisso, Takashima-kun. E eu tenho certeza de que é um bom garoto, também. Tem tantas coisas boas e um talento invejável. É uma pena que esteja colocando tudo à perder com essas porcarias. Você é um menininho tolo.

Eu estava achando aquele papo estranho, e talvez o fato de que tinha um total desconhecido pisando em zonas sensíveis tenha feito com que eu ficasse nervoso.

- E quem é você pra me dizer alguma coisa? Deve ser muito mais velho que eu pra poder ficar me dando bronca, não é?

- Quem leva bronca é criança. – ele respondeu. – E se você acha que merece bronca, e se acha que isso é uma bronca, é um menininho tolo mesmo. Eu estou te dando um conselho.

À essa altura eu estava metendo os dedos nas cordas da guitarra com todas as forças, com a cabeça baixa. Eu estava com raiva, e um pouco abalado pelo fato de que alguém estava me dando um conselho. Eu nunca tinha recebido um conselho de alguém – que não fosse um psicólogo babaca tentando me ‘’ajudar’’. Ele emendou:

- Não seja birrento, garoto. Olhe tudo o que você tem. Olhe suas possibilidades. Não jogue fora. Não seja idiota.

Então eu explodi.

- E quem é você pra ficar me dando conselho?! Eu não preciso ouvir coisas desse tipo de alguém que nem você! Você não sabe de nada! De nada! Ninguém sabe!

Ele só me olhou antes de ir na direção da porta.

- Não, é? Pois pra mim é bem óbvio. É uma pena que você seja tão estúpido, Takashima-san. Dá pena.

E aí ele saiu do meu quarto. Sabem, se eu estivesse um pouco mais bêbado ou então se eu estivesse drogado eu provavelmente não teria ligado, mas eu estava sóbrio então eu fiquei furioso. E fui tirar satisfação com aquele garoto que estava se achando bom o bastante pra me dar lição de moral. Ele estava saindo de casa quando eu o alcancei.

- Escuta aqui, eu não gostei disso.

- Eu trabalho pro seu pai, te agradar não é a minha função. – ele respondeu.

- Me dar esses discursos também não.

Ele sorriu.

- Touché. Eu só estou tentando te ajudar, Takashima-kun.

Então eu explodi outra vez. Do nada.

- Eu não preciso de ajuda! Eu não preciso que sintam pena de mim! – gritei, fazendo uma coisa que eu não fazia havia muito. Eu estava chorando. Feito criança. – Não preciso que sinta pena de mim! Ninguém nunca se importou, eu não preciso que se importem!

Então ele sorriu outra vez e fez a última coisa que eu imaginei que ele faria. Um a coisa que eu desejava mais do que tudo às vezes. Ele me abraçou. Só que era engraçado, porque ele não sabia meu nome, tinha me chamado de idiota e tinha me julgado, mas estava me abraçando. E era engraçado porque eu tinha sido grosseiro, não tinha a mínima ideia de como ele se chamava, estava com raiva dele e estava chorando abraçado nele.

- Desculpe. – ele disse. – Por me meter onde não era chamado. Mas é a verdade. Eu não sei nada sobre você, mas sei que você é melhor do que isso.

Eu continuava chorando. Tantas vezes que tudo que eu queria era um abraço, e finalmente eu estava sentindo o aconchego de um.

- Desculpe por ser grosseiro. – funguei.

- Tudo bem. – ele riu. – Mas eu preciso ir.

- Hai.

Ele me libertou de seu abraço e limpou meu rosto, enquanto sorria.

- Sorria, nee. Você precisa manter a cabeça erguida.

Ele foi na direção da moto que tinha usado para vir pra cá e acenou pra mim, que retribuí com outro aceno.

- Até outro dia, Takashima-kun.

- Kouyou! – gritei, e ele fez uma cara confusa. – Meu nome é Kouyou!

Ele sorriu outra vez enquanto ligava a moto.

- O meu nome é Yuu.- eu sorri, pela primeira vez em anos.

E foi assim que começou a nossa amizade.


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Notas finais do capítulo

Eu já falei nas notas, é totalmente baseada na obra de Marcia Kupstas.
Eu estava andando livre leve e solta nas ruas de Porto Alegre quando me lembrei dessa história que eu tive que ler pro colégio alguns anos atrás e pensei em fazer a minha versão UxA dela ~ ♥
Se gostaram ou não,se tem alguma sugestão, correção ou semelhante, deixe um review.
É de graça, viu? :3