O dia da minha alta estava chegando e eu já previa que, por mais estranho que parecesse, sentiria falta daqueles momentos. De coisas simples, como da amizade com as enfermeiras, das visitas da Sarah, do aparelho de som tocando músicas, e, principalmente, do alívio de estar vivo.

Vivo sim, mas com um medo incontido do futuro que me aguardava.

Além da fisioterapia e dos cuidados com os ferimentos, terei de tomar remédios de tarja preta. Disseram que eu sofria de esquizofrenia. Não vou cair aqui no clichê de afirmar convictamente que todos estão errados e que eu não seja louco. Podem dizer tudo, mas no que diz respeito aos meus sonhos, não admito serem simples frutos da doença que dizem que eu sofro. Como explicar as conexões com a realidade?

— Mãe, põe o som pra mim! — falei para uma mulher mais sadia e animada, em meu último dia de Hospital. Ouvi o CD que tanto me acompanhou naqueles últimos dias de 1999 e que seguiria comigo pelo novo milênio.

Enquanto a primeira faixa rodava, um pequeno e crucial detalhe do acidente me veio à mente e um fino e incômodo arrepio percorreu meu corpo.  Se não fosse o sistema de segurança do carro — que eu tanto critiquei, teria sido arremessado do carro e o desfecho da história poderia ter sido outro.

Eu só saí vivo do acidente por causa de um sistema de segurança do carro, ativado no momento da colisão. Mas será que valeu a pena? A tecnologia salvou minha vida, porém não foi capaz de deixá-la melhor.

Teria que viver com mais esta contradição: um air bag salvou minha vida.