Dizem que não há nada melhor do que um dia atrás do outro. Hoje, depois de todas as coisas que vivi até agora, no final de minha vida, os dias vieram e passaram, mas para mim não fizeram muita diferença. Tanto os que vinham como os que iam sempre traziam e levavam as lembranças dos dias que eu realmente soube o que é viver. Aqueles momentos, aquelas pessoas e aqueles fatos, tanto os felizes quanto os tristes foram os que marcaram minha historia. Lillian e Jill, minhas eternas melhores amigas, estavam presentes na maioria dos fatos. Eu estava lá, naquela madrugada chuvosa em que Lilliandil deu à luz seu primeiro filho, mas isso só aconteceu muitos meses depois daquele baile que comemorava o aniversário de Lucia, e no inicio do outono de 1816 tal festa ainda não havia se realizado.

Na semana que acontecia o baile, Jill estava eufórica com a demora de preparo de nossos vestidos. Era quinta-feira e estávamos novamente na casa de Lilliandil onde esta fazia a ultima prova de seu vestido. Jadis andava em volta da moça, fazendo os últimos ajustes na roupa que Lillian vestia.

— Jady, vai demorar muito? Não aguento mais essa posição. – reclamou a garota que tinha cabelos loiros e claros presos em um coque desajeitado, o corpo ereto e os braços abertos para não atrapalhar o trabalho da costureira.

— Calma, querida, só falta alguns ajustes, já estou acabando. – disse Jadis pela enésima vez com a maior paciência do mundo. Lilliandil suspirou encarando o enorme espelho a sua frente. Jill atravessou o quarto em direção ao espelho, agora dentro de seu vestido quase finalizado. Encarou com olhar avaliador cada detalhe de seu reflexo.

— Jady, e se nós acrescentássemos um detalhe de renda por aqui? – ela indicou o colo do vestido. Lillian bufou.

— Assim seu vestido não fica pronto nunca, Jill, você muda a todo o momento. – reclamou.

— Certo, certo, esquece a renda.

Eu ri dali do divã em que estava sentada, abaixo da enorme janela. Voltei meu olhar para fora da mesma, para o horizonte onde as casas encontravam o céu nublado. Então minha vista veio caindo mais para perto da casa, primeiro para o Grande Relógio, que marcava seis da tarde, até o outro lado da rua. Agora, boca da noite, as famílias se retiravam para suas casas, quase ninguém ficava perambulando pelas ruas, ou melhor, ninguém decente ficava pelas ruas mal iluminadas durante a noite. Meu olhar caiu sobre um rosto familiar na calçada do lado de lá. Era o mesmo rapaz que vi no dia que fui ao cemitério.

Acompanhei-o com os olhos até perdê-lo de vista quando o mesmo entrou em um beco. Sim, admito aquele jovem misterioso instigava a curiosidade, porém, seu mistério pode trazer revelações desagradáveis, ou não, mas as possibilidades de essa segunda opção ser a real era poucas, quase nulas, para ser mais exata. Então, sendo assim, é melhor deixar de lado.

— Está pronto. – anunciou Jadis, atraindo-me para o interior do quarto. Ela se afastava de Lilliandil com os olhos brilhando ao ver sua obra concluída. Lillian, por sua vez, admirava-se no espelho com um sorriso largo, mas aposto que era não só pelo vestido lindo e sim por finalmente poder baixar os braços.

— Ficou lindo, Jady! – sorria Lillian.

— Sua vez, Susana. – avisou Jill. Eu fui e assumi o lugar de Lilli recebia ajuda para tirar e guardar o vestido novo.

Naquele dia Jadis finalizou o meu vestido e o de Lilliandil, o de Jill ficara para o dia seguinte, para a infelicidade da garota. Albert chegou para me apanhar por volta das nove e meia da noite. Seguimos calados durante o percurso. Uma rua antes da que eu morava, o vi de novo aquele rapaz moreno, agora ele estava acompanhado de duas garotas com um decote enorme no vestido, na região do busto, tinham uma maquiagem agressiva e penteados extravagantes. Os três adentraram o prédio de aparência não confiável do qual eu o vira saindo da primeira vez.

Bufei. Definitivamente seu mistério trazia revelações desagradáveis. Como eu pensei. Então, é melhor esquecer.