Ainda escrita por Nara


Capítulo 16
Décimo Quarto Capítulo




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Décimo Quarto Capítulo

Passaram-se muitos anos desde que Isabella havia retornado à sua casa em Chicago. Muitas coisas haviam sucedido desde então, os dois passaram por muitos momentos felizes, cada dia era como um sonho.

Isabella estava sentada à varanda em sua cadeira de balanço. Sentiu Edward aproximar-se dela e lhe fazer companhia na cadeira ao lado. Ele buscou pela mão dela, tocando-a com ternura. As mãos de Isabella haviam mudado, já não eram mais lisas e macias, mas sim desgastadas pelo tempo. Sua pele revelava as linhas que os anos haviam marcado.

— Eu gosto tanto de me sentar aqui. - ela falou com uma voz suave.

— Sim, eu também amo estar aqui. Principalmente por estar com você. - ele disse enquanto olhava para o pôr do sol. - Sabe há quantos anos estamos aqui, Bella? - Edward indagou, olhando firmemente para ela.

Isabella voltou o seu olhar para o marido, encarando o rosto há muito familiar. - Não. Há quantos anos estamos aqui? - perguntou de volta.

Edward riu docemente - Isabella, nós estamos aqui há muitos, muitos anos. Não percebe o quanto estou velho?

— Você continua tão lindo como eu me lembro. - falou enquanto sorria.

— Você também está tão linda quanto eu me lembro, mesmo que os seus cabelos tenham se tornado grisalhos. - riu em resposta. - Mas você sabe que não vamos ficar aqui para sempre, não é?

— Por que não? Nós estamos ótimos, acho que não vamos ficar doentes nunca. Lembra o que você me disse uma vez? Não vai mais haver sofrimento, nem dor, nem doença. Nós vamos viver felizes e juntos.

Edward sorriu em resposta. - Amor… está na hora, querida.

— Na hora? - ela indagou confusa. - Na hora de quê?

Edward sorriu para ela um sorriso torto e aproximou seus lábio de sua orelha.

— Está na hora de acordar.

Ela estranhou a resposta do marido e o encarou confusa. Ele repetiu, mas dessa vez com a voz mais firme: - Está na hora de acordar!

Isabella estremeceu e um frio correu por sua espinha. Há muitos anos Edward não falava tão duro com ela. De repente a face de Edward começou a mudar. Seus olhos verdes se tornaram brancos; sua boca escancarada era como a de um defunto. Suas feições se tornaram desfocadas, como se ele estivesse se transformando em um vulto diante de seus olhos.

Isabella levantou-se desesperada, gritando por ajuda, mas ninguém podia ouvi-la. Mal ela conseguia ouvir sua própria voz. Seus gritos foram se tornando cada vez mais inaudíveis até que ela não conseguiu mais emitir nenhum som. Por mais que ela tentasse gritar, sua voz não saía. Ela começou a se sentir desesperada, como se sua alma se debatesse dentro de seu corpo.

Assustando-a, as mãos de Edward a agarraram e ele a pôs à sua frente, segurando-a tão forte que ela era forçada a olhar diretamente em seus olhos. Mas ali não havia nada, apenas um vazio. O branco de seus olhos tomaram conta da visão dela e tudo foi se perdendo, tornando-se também branco.

Quando ela abriu os olhos novamente, assustada, encontrava-se sentada no chão frio e empoeirado de uma casa antiga. Ela olhou ao redor freneticamente, mas não podia ver muita coisa, estava muito escuro. Quando seus olhos começaram a se adaptar à escuridão ela notou que estava em uma casa muito velha, caindo aos pedaços. Apesar dos maus tratos do lugar, ela sabia bem onde estava: na antiga casa de seus pais.

— Não! - exclamou tão alto, caindo ao chão e soluçando. Um choro desesperado sem lágrimas. - Não, por favor! De novo não! - ela implorou.

— Edward?! Onde está o Edward? - ergueu-se rapidamente.

Notou, no entanto, que seu corpo não era o de uma senhora de idade. Encarou suas mãos; estavam tão jovens quanto quando ela se casou. Porém muito mais pálidas.

— Isso só pode ser um sonho! - ela agarrou sua cabeça, chacoalhando freneticamente, na intenção de expulsar os pensamentos. De acordar daquele terrível pesadelo.

— Eu não posso ter te perdido, Edward. Não quero ter esse pesadelo outra vez. É só um sonho! - exclamou. - É só um sonho! É só um sonho! - repetia nervosamente.

Mas quanto mais ela tentava se convencer de que aquilo era apenas um sonho, menos ela sentia que estava dormindo. Por mais que se esforçasse, não conseguia acordar.

— Acorde! Acorde! - ela gritava, segurando sua cabeça com força. - Acorde! - ela gritou mais uma vez.

Então lembrou-se da voz de Edward enquanto ele dizia duramente: “está na hora de acordar”. Congelou repentinamente. Quando ela estaria dormindo? Seria agora ou seria antes? Pôs-se a pensar. Ela podia sentir Edward, podia jurar que ele estava lá, que os dois estavam lá vivendo suas vidas, felizes, velhos, após tantos anos recheados de bons momentos.

Não como agora, na plena solidão e escuridão.

Isabella saiu velozmente do quarto onde estava, causando um enorme barulho na madeira velha do piso que rangia enquanto ela corria escada abaixo. Ela abriu a porta da velha casa, encarando a noite do lado de fora.

A rua estava muito mais iluminada do que ela se lembrava, mas totalmente vazia. Correu de lá, passando por muitas casas, algumas tão antigas quanto aquela em que ela estivera há pouco, outras muito melhor conservadas.

Quanto mais ela se afastava do seu local de partida mais a paisagem mudava. Ela ficou bestificada ao olhar ao redor e ver as construções. Enormes casas, prédios de muitos andares, carros nas ruas. Ao longe ela podia ver algumas pessoas transitando por uma área mais movimentada. Recuou, lembrando-se do garoto morto em seus braços. O garoto que ela havia matado e que se arrependia mortalmente. Caminhou até um local pouco iluminado, entre dois muros e de lá observou a paisagem.

Ela não reconhecia nada daquilo: as casas, as pessoas, as ruas. Suas lembranças não eram nítidas, mas ela tinha certeza de que não era o mesmo lugar que ela se lembrava. Não havia nada daquilo na vizinhança da casa de seus pais.

Decidiu sair de lá antes que alguém a notasse, não queria trombar com ninguém. Escolheu uma rua mais vazia para caminhar. Naquele caminho, algumas lâmpadas dos postes de iluminação estavam quebradas, o que fazia com que houvesse apenas pontos de luz, que ela podia desviar facilmente. Naquela rua haviam muitas residências. Não eram tão grandiosas quanto aquela em que ela vivia, eram pequenas e muito próximas umas das outras. Ela olhou aquilo fascinada, mas com muito estranhamento.

Caminhou por muito tempo, agradecendo por não encontrar com ninguém no caminho. Ela não queria que aquele pesadelo voltasse a acontecer, não queria que as coisas desmoronasse novamente à sua volta. Avistou ao longe uma cruz iluminada, que ela reconheceu como sendo o sinal de uma pequena capela. Moveu-se de encontro à construção, parando à frente, com seu coração apertado. Nem se lembrava da última vez em que estivera em uma igreja.

Adentrou o local, olhando tudo à sua volta. Lembrou-se de quando estudava no colégio de freiras. Ela por vezes se cansava de ter que rezar tanto, mas agora lembrava de maneira saudosa. Gostaria de voltar para aquele tempo.

Não percebeu nenhuma presença até que ouviu alguém chamando por ela.

— Senhora? - alguém indagou atrás dela.

Ela se virou assustada, temendo por si. Encarou a pessoa, com os olhos esbugalhados e o coração na mão.

— Tudo bem com a senhora? - o padre questionou. - Já está tarde, vim até aqui justamente para fechar as portas da capela. O que faz por aqui a essa hora? - ele indagou.

Isabella não respondeu nada, apenas encarou com os olhos saltados, lembrando-se da última vez em que estivera com uma pessoa. Aquele menino que gritava. A situação era diferente de agora, ela estava tão assustada que não sentia que poderia atacar ninguém. Talvez aquilo tivesse sido apenas um sonho, afinal. Um sonho ruim.

— Qual é o seu nome? - o padre questionou um pouco preocupado pelo fato que que a moça não respondia nada, apenas olhava muito assustada.

— Desculpe… - ela respondeu finalmente, com uma voz tão baixa que mal ele pôde ouvir.

Isabella ouviu sua voz soar estranha, mal ela se lembrava de soar assim.

— Eu vou embora. - respondeu muito assustada.

— Espere, filha. - ele pediu, colocando uma mão na direção dela. Isabella se esquivou. - Você tem onde passar a noite? - ele perguntou, percebendo que talvez ela tivesse sofrido algum acidente ou estivesse fugindo de algum lugar.

Ele a olhou de cima a baixo. Ela estava com os cabelos totalmente despenteados, sua roupa antiga estava cheia de buracos, parecia ter sido comida por traças. Ela estava descalça, sem casaco. Fazia frio.

— A senhora não parece estar nada bem. Venha até a sacristia, vou te dar um casaco.

Isabella relutou, mas até então não tinha percebido o seu estado, as roupas que trajava. Ela não sentia frio, apesar de sentir sua pele gélida.

— Por favor, filha. Não vou lhe fazer nada de ruim, eu sou um servo de Deus. - o padre falou sorrindo um pouco. - Você precisa de ajuda, por isso Deus lhe trouxe até aqui. Deixe-me ajudá-la. - ele pediu novamente, indicando o caminho até a sacristia.

Ela não estava nem um pouco certa, mas seus pensamentos corriam tão rápido que ela mal podia processar uma ideia concreta. Seguiu automaticamente pelo local que o padre indicou.

O sacristão o levou até uma sala com armários, uma grande mesa de madeira e um grande crucifixo preso à parede.

— Muitas pessoas nos doam roupas para caridade. Por sorte ainda não as entreguei. Tenho certeza de que encontrarei uma que lhe sirva. - ele falou, caminhando até um canto da sala, onde haviam diversas caixas. Ele começou a abri-las e procurar por alguma peça que servisse à moça.

Enquanto isso, Isabella encarava tudo à sua volta. Haviam pequenos vitrais pelos quais a pouca luz existente passava. Ela se lembrou dos vitrais do convento. O padre encarou o olhar petrificado da mulher à sua frente.

— Gosta dos vitrais? - ele questionou.

Sem pensar muito, Isabella o respondeu com uma voz baixa e entristecida: - Lembra-me os vitrais do convento em que eu estudei.

O padre pensou por um pouco. - E é de lá que você vem? - perguntou, pensando que talvez ela estivesse fugindo.

— Eu não sei bem de onde venho. - ela encarou o chão, tentando pensar claramente. - Eu acordei na casa dos meus pais, mas nada está como antes. Não reconheço nada. - externou seus pensamentos.

O senhor de meia idade franziu a testa tentando processar as palavras da jovem mulher.

— Você sofreu algum acidente? - ele questionou?

Ela o encarou com os olhos tristes. - Eu não sei. Não sei mais o que é real e o que é imaginação minha. - ele respondeu como se pudesse chorar.

O padre olhou para ela muito preocupado e a estendeu umas peças de roupa e também sapatos.

— Vista-se. Eu vou pegar algo quente para você beber. Parece muito pálida, deve estar morrendo de frio.

Isabella aceitou as roupas e ele indicou o caminho para um pequeno banheiro, onde ela poderia se vestir.

Ela adentrou o estreito local e acendeu as luzes. Quando ela se encontrou com a claridade, notou uma imagem em uma das paredes. Virou-se rapidamente, percebendo em seguida que a imagem era a dela mesma refletida em um espelho.

Sabia que se tratava da sua imagem, mas mal podia se reconhecer. Seu cabelo ruivo já não aparentava ter a mesma maciez, parecia um monte de palha mal arrumada em sua cabeça. Sua pele estava muito mais pálida e branca do que ela se lembrava. Seus olhos, antes de um claro azul, agora estavam pretos como ônix. Ela se lembrava de tê-los visto vermelhos e estremeceu. Decidiu vestir-se.

O padre havia lhe dado um longo vestido e um grosso casaco preto que chegava até seus joelhos, além de botas. Ela se vestiu rapidamente. Em seguida passou as mãos freneticamente por seus cabelos, na intenção de ajeita-los da melhor forma possível. Lavou seu rosto e olhou-se novamente no espelho. Ela ainda parecia pálida e doente, Decidiu desistir de encarar seu reflexo, temendo que uma imagem ainda mais assustadora pudesse aparecer.

Saiu do banheiro deparando-se novamente com o padre. Ele indicou uma cadeira para que ela se sentasse, mas ela relutou.

— Vou lhe servir uma bebida para que possa se aquecer. Está muito pálida e parece com frio. Agora com essas roupas e a bebida irá se aquecer. - ele falou gentilmente.

— Obrigada. - ela respondeu.

Ele apontou novamente para o acento, indicando que ela se sentasse. Assim ela o fez.

— Então você estava com seus pais? - ele indagou.

— Sim, mas eles partiram. - ela respondeu simplesmente, pegando a caneca que o padre lhe ofereceu.

— Sinto muito, filha. Há quanto tempo eles se foram? - ele questionou.

Ela parou por um instante tentando pensar. - Eu não sei. - respondeu com a voz entrecortada. O desespero em seu tom era nítido.

— Você não tem ninguém?

Isabella então lembrou-se se Edward e seu coração se partiu em mil pedaços.

— Eu tenho um marido. Mas eu não sei onde ele está. Lembro-me de ficar sabendo que ele também partiu, mas eu não sei se isso foi apenas um sonho ou se foi realidade. Às vezes eu sinto que não sei quando estou sonhando ou quando estou vivendo de verdade. Parece que eu vivo situações tão mais nítidas do que as de agora, por exemplo. Lembro-me de estar com meu marido, em nossa casa. Eu estava tão feliz… mas agora eu acordei. E não sei se acordei ou se estava acordada antes. Não sei se estou sonhando agora ou se estava sonhando antes.

O padre a ouviu tagarelar, ela estava com o olhar perdido. Refletiu no que tudo aquilo significava.

— Deus tem todas as respostas, filha. Se você tentar se encontrar com Ele e conversar com Ele, saberá que está acordada. E então despertará para a realidade. Não é fácil perder quem amamos, mas infelizmente isso faz parte da vida. Não podemos deixar com que a nossa alma parta junto com a dessas pessoas, por mais difícil de seja. Não é a sua hora. Ainda é hora de você viver e buscar por coisas novas. E guardar os momentos bons que viveu com as pessoas com quem amou na sua lembrança e no seu coração, filha.

Ela ouviu tudo aquilo e sentiu como se estivesse chorando, mas sem que nenhuma lágrima escorresse por sua face.

— Não sou mais filha de Deus, padre. Fiz coisas terríveis e temo que isso volte a acontecer. Não sei mais quem eu sou. - ela respondeu baixo.

O padre estremeceu um pouco com a resposta da jovem. Não podia deixar de notar a aparência fantasmagórica que ela possuía.

— Deus nunca abandona um filho. - ele respondeu simplesmente.

Isabella então avistou um pedaço de papel que se encontrava sobre a mesa. Era um papel firme em que havia um quadro com vários dias riscados. Lia-se o mês e o ano naquele calendário. Ela franziu a testa.

— A guerra acabou? - ela encarou o padre com as sobrancelhas juntas.

— Que guerra, filha? Não há nenhuma guerra. - ele respondeu confuso.

— Havia… - ela respondeu. - Havia guerra. Há quanto tempo?

O padre estava totalmente confuso, não fazia a menor ideia ao que ela se referia.

— Não há nenhuma guerra, filha. A última guerra acabou há cerca de 70 anos.

— Tanto tempo… - ela divagou, tentando assimilar. - Era 1918.

— Sim, houve uma guerra que acabou em 1918. A primeira guerra. Mas por que pergunta isso agora?

— Muita gente morreu. Havia uma doença que levou muita gente. - ela falou ao homem que estava confuso.

— Sim, foi um período muito difícil. Eu não era nascido, obviamente, mas muita gente morreu naquela guerra. Muitos soldados… - ele começou a divagar. - Mas por que esse assunto agora? - ele questionou curioso.

Isabella balançou a cabeça. - Eu não entendo como o tempo pôde ter passado tão rápido. Tudo está diferente, eu não reconheço nada. Não sei o que eu ainda estou fazendo aqui… não há mais nada que eu me lembre, mais nada que eu conheça ou que eu ame. Eu achei que tudo havia acabado, mas eu continuo acordando, de novo e de novo. Já não compreendo.

— É normal se sentir assim quando se perde um ente querido. É normal sentir que não há mais nada pelo qual valha a pena viver. Mas eu lhe digo: há um propósito para tudo; você vai encontrar em breve o motivo pelo qual você ainda está vivendo. É o destino de todos nós, encontrar a nossa razão de vida. Você só precisa ter forças para buscar. - o padre pregou, sorrindo um pouco no final.

— Será que ainda há algo? Será que, depois de tudo que aconteceu, depois de tudo o que eu fiz, ainda serei digna de encontrar algo que me faça feliz? - ele indagou triste, colocando a caneca em cima da mesa, sem sequer ter dado um único gole na bebida.

— Há um propósito para tudo nessa vida, filha. - ele respondeu simplesmente.

Isabella refletiu por longos minutos até que se levantou da cadeira.

— Eu agradeço pelas roupas e também pela conversa, senhor Padre. - ela disse. - Sei que talvez eu nem seja digna, mas posso lhe pedir a sua bênção? - pediu tímida.

Ele sorriu um pouco. - É claro que sim, filha. Deus te abençoe. Muito cuidado em sua caminhada e muita sabedoria.

Isabella balançou a cabeça em agradecimento. - Eu me chamo Isabella. - ela disse em seguida.

— Foi um prazer, Isabella. - ele respondeu.

Ela se retirou da sala e se retirou também da capela, não sabendo ao certo para onde ir ou o quê buscar. Apenas vagou pelas ruas, olhando ao seu redor e tentando enxergar esse algo que valesse a pena




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