Never Let You Go - Bring me to Life escrita por lovemhatem_


Capítulo 9
Lembrando o Passado




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Corremos pela calçada e fomos em direção a um parque próximo dali, sob os olhares espantados por me ver correndo e gritando 'sozinho' de duas ou três pessoas que passavam na rua de vez em quando. Eu ria mais ainda ao olhar para a cara delas. Dessa vez eu parecia mesmo um louco.

Nós corremos parque adentro, rodeamos árvores, e Loui já havia jogado todas as pedras no chão, agora a única intenção dela era me alcançar. Faltava pouco para eu ceder e cair quando senti algo nas minhas costas, e foi o que bastou. Eu caí na grama, ou melhor, nóscaímos na grama, próxima ao lago.

Eu me virei e ela já estava ao meu lado, mas muito mais perto do que devia estar. Nós nos encaramos por longos segundos, era estranho olhar para ela desse jeito, seus olhos ainda tinham certo brilho como os olhos de pessoas normais. Eu me perguntei se Loui não era alguma amiga imaginária minha, era o mais provável, apesar da minha idade.

Meus pensamentos foram interrompidos por um suspiro pesado vindo da parte dela, que desviou o olhar para o lago. Levantei-me, sentado na grama com ela ao meu lado, ainda deitada.

-Uau! Isso é mesmo verdade? Você me derrubou? - perguntei, totalmente surpreso.

-É - ela riu. - Por quê?

-Porque puxa, eu pensei que você não tivesse peso. E na verdade nem tem, mas também não é tão leve assim. Uau!

-Argh, você é muito bobo pra alguém da sua idade - ela se levantou e foi se sentar na sombra de uma árvore ali perto.  Não tinha muita gente lá, apesar da hora. E no lado onde estávamos não tinha ninguém.

Eu fui sentar junto:

-Você conhece o lugar? 

-Tenho vagas lembranças - ela franziu as sobrancelhas e passou a mão na testa, o que me lembrou a sua fotografia em que ela estava na praia, a que eu havia achado no baú e ela tinha 'roubado'. - Eu estou tentando lembrar-se de como sentir o sol, mas não consigo. Se você quiser eu te mostro o que eu conseguir lembrar.

-Como assim?

-Vem cá - ela se levantou e me estendeu a mão.

Eu me levantei, mas não segurei sua mão.

-Deixa de ser bobo, segura. Eu só vou conseguir te mostrar se você segurar.

-Mostrar o que?

-Minhas lembranças - ela puxou minha mão e a apertou.

Uma corrente elétrica percorreu todo o meu corpo, mas não por causa da sua mão fria. Eu fechei os olhos instintivamente e sua mão separou-se da minha, juntamente com a sensação estranha que eu havia tido ainda há pouco.

Abri os olhos, ainda estávamos no mesmo lugar, mas, ela não usava o vestido preto de listras grossas e cinzas, e sim uma blusa rosa e uma saia jeans, estava com o cabelo amarrado e folheava um livro. Eu já ia pergunta-la que loucura era essa quando vi que não estávamos sozinhos.

Uma garota de mais ou menos dezoito anos se aproximou de Loui e colocou uma cesta ao seu lado. Ela usava o vestido verde que estava no baú que eu havia achado outro dia e estava descalça. Quando se virou para mim, para voltar para o lugar de onde havia vindo, percebi que seus olhos eram de um tom de azul quase igual os de Loui, porém mais escuros.  Avalon.

Ouvi risadas e virei para trás, para dar de cara com uma mulher de maiô, segurando a mão de um garoto de uns seis anos usando calção de banho. Ela o levou até Loui:

-Louissean, enxugue Alexis.

-Agora não dá, mãe. Eu estou estudando, porque não manda Avalon?

A mulher virou-se para trás, olhou para mim e chamou Avalon. Eles não me viam? Ah, claro que não, isso era uma lembrança. De acordo com meus cálculos eu devia ter cinco anos e estar na casa dos meus avós já que nessa época papai e mamãe trabalhavam e eu era filho único.

Meus pensamentos foram interrompidos por uma Avalon zangada que passou ao meu lado para enxugar o garoto.

Eu observei ao meu redor, o homem que devia ser o pai estava dentro do lago junto com a garota mais nova, que devia ter uns doze ou treze anos. A mãe pegou um refrigerante na cesta e foi sentar na beira do lago com um garoto que também usava calção de banho. O irmão mais velho.

Então um carro preto parou ali perto e dele desceram um senhor e outro garoto. Eu ouvi um grito:

-Mathew! - era Avalon, ela largou o garoto com a toalha próximo de Loui e correu para falar com o tal Mathew.

Até agora nada parecia fazer sentido, era só uma família aproveitando uma manhã de domingo - ou sábado, ou qualquer outro dia da semana.

Eu me aproximei mais de Loui, ela não estava estudando coisa nenhuma. O livro que ela lia era Contos de Grimm. A não ser que sua professora houvesse passado para ela ler. Então eu me toquei de que Loui estudava - estudou - em alguma escola.

-Lou - ouvi uma voz masculina e olhei para o garoto que havia acabado de chegar, Mathew.

-Olá, Mathew - ela não desviou a atenção do livro.

-Como vai?

-Bem. E você?

-Louissean, acabe de enxugar Alexis - Avalon apareceu ao meu lado, me provocando um susto.

-Mamãe mandou você - Loui ainda não havia desviado a atenção do livro.

-Qual é o problema de enxugar o Alexis? Se for melhor para as duas, eu mesmo faço isso - Mathew falou, tentando ser gentil.

-Não. Louissean vai fazer isso.

Loui fechou o livro com força e olhou mortalmente para Avalon.

-E quem vai me obrigar?

-Eu sou sua irmã mais velha e posso muito bem..

-Não pode absolutamente nada. Só o que você pode fazer são seus deveres e o primeiro foi enxugar Alexis. A culpa não é minha se você gosta de Mathew e quer se exibir para ele me mandando fazer coisas em seu lugar - ela falou isso usando aquele mesmo olhar estranho e provocador que eu havia visto na primeira foto deles no baú. - Mas eu não vou fazer nada pra você.

Avalon arfou e ficou vermelha:

-Eu não gosto de Mathew!

-Gosta sim. Você mesma disse isso a mamãe ontem e eu escutei.

-Ei, ei.. - Mathew interrompeu novamente. - Não tem motivos para uma discussão. Eu enxugo o Alex e pronto.

-Não. Louissean vai fazer isso.

-Eu não vou!

-Eu faço isso para ela - Mathew falou mais uma vez enquanto enxugava os cabelos de Alexis.

Avalon saiu de lá batendo os pés e foi em direção à mãe.

Mathew acabou de enxugar Alexis e ele correu para dentro do lago novamente, o que fez Loui rir.

-E então, o que está lendo? - Mathew perguntou a ela, sentando-se ao seu lado.

-Hans e Gretel - ela voltou a abri o livro.

-Leia em voz alta, eu bem gostaria de escutar - algo me disse para não gostar desse garoto.

Ela se pôs a ler em voz alta, mas logo parou, seus olhos se focaram além de mim, para o canto onde Avalon e a sua mãe estavam. As duas se levantaram e foram para trás de um arbusto.

-Espere Mathew, eu já venho - disse, levantando-se e fechando o livro.

-Claro.

Eu a segui até o local em que vimos Avalon e a Sra. Gianetti ir. Ela parou um pouco perto do arbusto e esticou o pescoço, para ouvir. Como eu não precisava fazer isso, entrei arbusto adentro e vi Avalon quase aos berros com a mãe:

-Eu não entendo. Eu não entendo! Desde o Natal ele vive bajulando ela. Comprou presentes para ela, um broche caríssimo com uma pérola de esmeralda no centro, e um simples laço para mim. Vive se oferecendo para fazer as coisas em seu lugar, vive indo na nossa casa. Antes eu pensava que era para me ver. Mas desde o Natal eu percebi que ele sempre pergunta por ela, sempre vai falar com ela em primeiro lugar e sempre fica no quarto dela ou onde quer que ela esteja. Sempre com ela! Até quando nos vemos na rua ele nem sequer pergunta como estou. A primeira pergunta é sempre: Onde está Lou? Lou! Argh, eu a odeio!!

-Não diga uma coisa dessas da sua irmã. Eu andei falando com Peter um dia desses, mas ele não comentou nada. Você não pode ficar se zangando assim por besteiras..

-Não é besteira, mãe. Eu conheci Mathew primeiro, ele estuda comigo. Como pode? Ela tem só 15 anos e mesmo assim ele se arrasta para cima dela.

-E ele é mais novo que você.

-Um ano a menos não é problema. Eu odeio Louissean, odeio!

-Avalon, nunca diga isso. Nem por brincadeira - a mãe repreendeu-a.

Olhei para Loui atrás do arbusto, ela não estava mais lá.

Eu saí mais não havia mais ninguém, ninguém no lago, nem Mathew embaixo da árvore. Pisquei, atônito. Agora Loui estava ao meu lado, mas com o vestido preto de sempre. Ela avaliava meu rosto.

-E então?

-Como fez isso? - falei, mas minha voz saiu um sussurro.

-Não sei. Descobri isso agora. Eu só quis imitar os espíritos dos filmes e olha só: consegui - ela sorriu. - Você quer ver mais?

-O que vai me mostrar dessa vez?

-Eu te mostrei uma semana antes do meu dia. Agora quero mostrar três dias antes.

Ela falava tão naturalmente. Da outra vez ela parecia relutante, mas agora era como se falasse de algo com que convivesse todos os dias, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Mesmo assim, assenti com a cabeça e ela voltou a segurar minha mão. Fechei os olhos, acho que assim daria mais ênfase em tudo aquilo.

Quando os abri, estávamos numa sala de jantar, sentados em volta da mesa enorme. Na verdade eles estavam sentados, eu estava em pé na porta da cozinha, olhando tudo. Estavam o pai e a mãe; Avalon, Louissean e Klaire; o irmão mais velho e Alexis; e também o senhor do parque juntamente com Mathew.

Eles conversavam sobre várias coisas quando Mathew bateu com uma colherzinha em um dos copos. Eu achei esse ato muito metido da parte dele, mas todos pararam de falar para lhe dar atenção.

-Bom, em primeiro lugar eu queria muito agradecer a Sharon e Alberto Gianetti pelo jantar, que a propósito estava maravilhoso - ele sorriu para os pais de Loui, que sorriram de volta. - E chegando ao ponto, pode ser que estejamos em tempos modernos, mas eu sei como o senhor Gianetti ainda é muito culto e tem lá os seus modos. Então eu resolvi pedir permissão aqui na frente de todos mesmo.

-Fale - a mãe de Loui incentivou, sorrindo.

-Então, vocês permitiriam que eu namorasse uma de suas filhas?

Avalon arfou de surpresa quando ele a olhou:

-Mathew!

-Qual delas, senhor Pérron? - o senhor Gianetti perguntou um pouco impaciente.

-Louissean, é claro.

A surpresa foi geral, de Avalon principalmente.

-Não! Eu não acredito! Como pode? Não permita papai, não permita. Ele tem dezessete anos e ela tem quinze. Não pode!

-Acalme-se Avalon - era Sharon Gianetti.

-Qual o seu problema com a minha irmã? - era o irmão mais velho.

-Math.. - era Loui.

-Ai, que romântico... - era Klaire.

-Eca, eca, eca! - era Alexis.

-Eu precisava falar isso, Loui - era o nojento.

-Você agiu bem, meu filho - era o pai do nojento.

-Silêncio! - era o senhor Gianetti. - Mathew Pérron, você tem certeza da sua decisão?

-Absoluta.

-Pois então, se essa também for a vontade de Louissean, que assim seja.

Todos os olhares da mesa foram focados para ela, que ficou vermelha.

-Eu não sei. Eu.. - olhou para a expressão maléfica nos olhos de Avalon. - Sim.

Era impressão minha ou Louissean era uma verdadeira cascavel disfarçada de anjo?

Meus olhos foram puxados para Mathew e ela, que estavam sentados lado a lado, ele deslizou sua mão pela cadeira de encontro a dela. Ela o olhou e sorriu. Avalon estava sentada do outro lado dele e não se segurou:

-COBRA! FALSA! HORROROSA! INVEJOSA! EU ODEIO VOCÊ! ODEIO!

-Avalon, olhe como fala - Alberto Gianetti se levantou da cadeira.

Avalon também se levantou e avançou contra Loui. Eu estava totalmente petrificado. Elas eram mesmo irmãs?

-Você que é invejosa. Não vê que eu e Math gostamos um do outro? Me larga! - ela tentava se desvencilhar de Avalon, enquanto esta puxava seus cabelos. - AAH! Socorro!

Sharon Gianetti levantou-se da sua cadeira junto com o irmão mais velho e juntos começaram a tentar sem sucesso afastar Avalon de Loui. Mathew se levantou e tentou fazê-la se acalmar, também sem sucesso.

O irmão mais velho segurou os braços de Avalon com força, enquanto o pai já se levantava para interferir. Os irmãos mais novos apenas olhavam a cena perplexos.

-Me largue, William! - Avalon gritou, mas se rendeu. - Quer saber? Não vale a pena sujar minhas mãos com você, sua estúpida. Mas está avisado, isso não vai ficar assim!

-Realmente não vai, eu não vou deixar passar impune você me atacar desse modo por pura inveja.

-EU ODEIO VOCÊ, LOUISSEAN! Odeio você por ser minha irmã, odeio você por morar nessa casa, odeio por roubar o que era meu! Eu só queria que você morresse - ela proferiu aquelas palavras devagar, para que fossem ouvidas e entendidas por todos, e de um modo tão frio e cruel que até eu me arrepiei.

Lembrei-me do que havia em seu diário. As mesmas palavras repletas de ódio lá escritas. Por um momento eu também senti raiva de Avalon por jogar tal praga contra a própria irmã, mas me lembrei de que se não fosse graças a ela, eu jamais teria conhecido Loui. Então me toquei no que estava pensando e me senti cruel por ter gostado dela ter morrido.

-Filha, vamos para o quarto.. - Sharon Gianetti segurou o braço de Avalon e a empurrou escada acima.

-Eu peço desculpas por esse ato.. É que minha filha é.. - Alberto começou, mas o pai de Mathew interrompeu-o:

-Sem problemas, eu entendo perfeitamente. É, Mathew vamos pra casa.

Eu não prestei atenção ao resto da conversa, olhei para Loui ainda sentada na cadeira, arrumando seus cabelos enquanto não expressava emoção alguma.

Será que ela havia assentido o pedido de Mathew apenas por ruindade em ver a irmã com ciúmes? A Loui que eu conhecia não seria capaz de tal ato.

 Ela balançou a cabeça como se estivesse se livrando de pensamentos indesejados:

-Ah Mathew, Hugh.. Quer dizer, senhor Pérron. Eu vou com vocês até a porta.

Eu os segui pela sala, que era exatamente igual como está hoje, com exceção de um enorme armário com vários tipos de vinhos ao lado da rack com a televisão.

-Até mais, Hugh - o pai de Loui disse. - Até mais, Mathew - ele foi embora.

Hugh deu adeus a ambos e foi para a casa ao lado, a casa da minha atual vizinha.

Mathew virou-se para Loui e aproximou-se mais do que o permitido dela.

-Boa-noite, minha Loui - ele encostou seus lábios nos dela rapidamente, depois se virou e foi embora. Que cara-de-pau!

Loui ficou parada na porta, o vendo ir para sua casa. Ela ficou lá por muitos minutos depois de ele ter entrado, até seu pai a chamar para dentro e ela fechar a porta, na minha cara ainda por cima. Então tudo sumiu de repente, e nós estávamos no parque de novo.

-O que foi aquilo?

-Foi a noite mais mágica da minha vida! - ela começou a cantarolar e a saltitar pela grama. - Não. - parou. - A melhor noite foi quando..

-Ei, você está dizendo que gostou de ter brigado com sua irmã?

-Ah, claro que não. Mas acontece que eu e Avalon estávamos passando por uma fase crítica já que papai sempre me bajulava e nunca me deixava fazer nada na casa, então tudo sobrava para Avalon e ela era a preferida de mamãe desde o início dos tempos. Ela e Alexis. Então Avalon gostava de Mathew, mas ele gostava de mim. E naquela noite eu percebi que também gostava dele.

-Mentira! Você fez uma cara malvada quando disse sim..

-É, eu realmente estava agindo por ruindade naquela hora, mas eu gostava mesmo do Mathew. Ele era como.. Neve no verão, calor no inverno, sol na noite, lua no dia.. Ai, ai..

-Quer parar? - larguei a mão dela depressa quando descobri que ainda a segurava.

-Qual o problema?

-Você aí toda melosa. Ai o Mathew isso, ai o Mathew aquilo, ai o Mathew e blá blá blá. Mathew idiota!

-Qual o problema? Math nunca foi idiota, você que é! - ela me empurrou devagar.

-Ah, é?

-É!

-Então fica aí pensando no Math sozinha porque eu acabei de lembrar que eu preciso urgentemente falar com Honor - comecei a andar para o outro lado do parque, ir para a entrada principal.

-Ah é mesmo? - ouvi sua voz perto de mim. - Então agora você corre direto para a Honor - agora ela estava ao meu lado, mas eu não parei de andar.

-Melhor do que ficar babando um cara que nem sabe que você ainda existe.

-Eu gostava de Mathew. Diferente de você que só está com a Honor por interesse, para se livrar de Kevin - ela rebateu, mas eu não me dei por vencido:

-Quem disse que eu não gosto dela? - falei enquanto atravessávamos a rua.

Ela parou de me acompanhar e ficou parada no meio da rua, fiz de conta que não havia percebido e continuei andando até a esquina. Então percebi o que eu estava fazendo e voltei atrás, ela ainda estava parada no meio da rua, eu fui até a ponta da calçada e fiquei em silêncio a observando.

-Vai ficar parada aí? - falei, de repente.

-Você tem um assunto muito importante para tratar com Honor e não vai me querer por perto para atrapalhar - ela falou, sem me olhar.

-Loui...

-Se eu quiser voltar para casa eu vou sozinha, sei o caminho.

-Saia daí, por favor - pedi ao ver um carro se aproximando.

Mesmo sabendo que ela não podia ser atropelada e morrer eu ainda ficava preocupado. Mas ela obedeceu e veio até a calçada, se sentando um pouco longe de mim.

-As pessoas estão olhando pra você, Jesse - ela disse e eu olhei ao redor, para a senhora que estava na porta de uma loja de sapatos a uns dois metros de mim e ao garoto que estava do outro lado da rua.

-Eu não me importo. Vamos.

-Eu não quero ir.

-Olha, você quem começou com essa história de namoradinho, não foi? E eu não fiz nada, só disse que precisava falar com Honor.

-Disse que gostava dela.

-Não disse nada.

-Mas foi essa a intenção, não foi? - ela me olhou pela primeira vez.

-E qual o problema disso? Porque estamos brigando? Por causa da Honor?  - fui à sua direção e me abaixei ao seu lado, tentando ignorar os olhares curiosos que agora haviam aumentado, já que uma mulher havia saído da loja para olhar também. Gente curiosa.

Loui não me respondeu e voltou a olhar para a rua.

-Você é minha amiga, Lou, minha melhor amiga - chamei-a do modo que o outro a chamava, apenas para ver se ela esboçava alguma reação.

E deu certo, ela deu um meio sorriso e se levantou.

-Amiga, não é? Então vamos.

Ela foi na direção do colégio, mas eu dobrei a esquina para a lanchonete de onde havíamos saído, indo em direção a minha rua.

-Você não ia falar com Honor? - ela perguntou, já ao meu lado.

-Vou ver ela amanhã na escola, já que não dá mais tempo de ir.

-Vai deixar de falar com ela por minha causa?

-Não.. É só que eu teria que ir pra escola para falar com ela, e eu não poderia entrar.

Ela riu:

-Você já percebeu que cabulou aula?

-Sim, era essa a intenção - sorri pra ela.

-Então deve ter percebido que ainda é meio dia e a hora do fim das aulas é três da tarde. E se você chegar em casa agora..

-Ih, é mesmo. Para onde estamos indo, Loui? - parei de repente com as mãos para o alto, o que a fez rir mais ainda.

-Eu conheço um lugar legal.. - disse, voltando para a lanchonete, só que dessa vez indo para a esquerda, o lado oposto ao do parque. - Vem!

Ela segurou minha mão e nós fomos andando por várias ruas. Imaginei como as pessoas deveriam me ver daquele modo, andando rapidamente com uma mão esticada para frente, numa 'imitação' perfeita de quem está sendo puxado. Eu já estava me cansando de tanto andar quando ela parou:

-Aqui!

Olhei para a placa que dizia: "Aquário de Null".

-O que estamos fazendo aqui?

-Viemos olhar os peixes, ora - ela segurou minha mão novamente e me levou para dentro da enorme porta azul-marinho. Uma mulher com chapéu de peixe veio perguntar meu nome e me entregou uma fichinha.

-Vai querer um guia? - perguntou. Loui sussurrou um não e nós seguimos em frente. Era tudo muito escuro, com exceção das luzes dos aquários.

Até certo tempo nós só vimos peixes e mais peixes, na verdade eu via apenas de relance porque Loui voltou a me puxar assim que nos vimos fora da vista da atendente.

Nós subimos para o segundo andar do prédio e foi lá que finalmente soltou minha mão. Era escuro assim como o térreo, mas apareciam umas lanternas de luzes azuis a cada metro no chão. Os aquários eram maiores e eu pude ver tartarugas, cavalos marinhos, peixes palhaços - o que me lembrou de Nemo. -, entre outros.

Quando dei por conta Loui havia sumido, então eu andei por todo o corredor atrás dela, e a achei com a cabeça grudada na tela de vidro de um dos maiores aquários dali. Era um repleto de corais de diversas cores e tamanhos, com algas marinhas e mini peixes apareciam nadando por entre eles.

-É lindo.. - ela sussurrou.

-É. - respondi baixo.

Nós ficamos olhando o aquário durante longos minutos que pareceram segundos, tamanho o nosso entretenimento com aquela simplicidade.

Era certo admitir que aquilo realmente era belo, tinha um toque que apenas a natureza poderia dar aos seus prodígios, era incrível observar os corais, as algas que se moviam lentamente na sintonia da água, os minúsculos peixes que entravam e saiam sem parar das conchas ou passeavam em grupo por todo o aquário.

-Você vinha aqui muitas vezes? - interrompi o prolongado silêncio.

-Sim. A última eu vim com.. - ela começou, mas não terminou.

-Com..?

-Matthew - respondeu num tom baixo e quase inaudível.

Ela devia estar tentando evitar dele perto de mim, talvez por causa da nossa pequena discussão minutos atrás.

-Não precisa ficar assim ao falar dele, eu não vou fazer discussões por isso, prometo - falei, abrindo um meio sorriso.

-Obrigada, mas eu prefiro assim - ela andou rumo a outro aquário. - Vem, tem mais. 

-Como quiser - respondi ao desejo e ao pedido, e a segui por entre o corredor.

Mas, ela não seguiu para outro aquário e passou reto por todos eles, apesar de muitos serem chamativos. Eu a segui por vários corredores e paramos em frente a uma porta numa área mais clara, onde se via escrito logo em cima: "DESCOBRINDO O MAR" em letras de um tom de azul mais claro que o do papel de parede, este mantinha o desenho de ondas e vários animais marinhos. A porta era preta.

-Essa é a minha preferida - Loui sussurrou, pois parado na frente da porta estava um segurança, mas este parecia cochilar em sua cadeira de plástico.

-O que tem aí? - perguntei usando o mesmo tom.

-A coisa mais incrível daqui - ela gesticulou para que eu abrisse a porta e eu o fiz.

Toda a sala era personalizada com a imagem do oceano que ocupava todas as telas por toda a sala, desde as paredes ao teto, e até o chão. A água era puro azul e nela se viam a imagem de vários peixes, polvos, arraias, estrelas-do-mar, algas, corais, entre outros. O som era um pequeno chiado, como numa praia, porém era mais baixo e lento, dava para acompanhar o movimento da água de um jeito inexplicável, o barulho dos peixes que pareciam sentir nossa presença e corriam por entre corais e algas era um barulho surdo na água, como bolhas e um chacoalhar leve.

Olhei para o chão, também era água, mas era como se fosse um abismo que ia desde o tom normal das paredes até um azul mas escuro e profundo no fundo, que chegava a ser preto e dava a sensação de que íamos afundar naquele abismo oceânico. Era assustador andar com a sensação tão real de estar olhando para o abismo daquela sala personalizada. O teto era mais claro e se podia ver, numa visão extensa de dentro d'água, o céu e a mancha clara - e também quase impossível de ser observada - que era o sol. Aquilo era extremamente perfeito.

Eu me aproximei da tela do meu lado esquerdo e a toquei. Para minha surpresa, era como tocar na tela de um computador, a pressão formada pelo meu indicador na tela havia gerado uma pequena onda azul escura ao seu redor que se propagou e logo sumiu, misturando-se ao tom azul que se espalhava por toda a sala. 

Passei levemente os dedos sobre uma alga que balançava no ritmo da água como no aquário-paisagem que havíamos olhado há algum tempo. Meus dedos seguiram seus movimentos junto com a mancha escura ao seu redor que sumia a cada centímetro a vagar pela tela.

-Jesse - ouvi a voz de Loui me chamar e virei-me, ainda com os dedos na tela, para vê-la deitada no chão no meio da sala, no meio do abismo. - Vem aqui. Deita também.

-Nunca - permaneci onde estava.

-É só uma imagem, seu bobo.

-Que parece real demais pra mim.

Ela riu e se sentou:

-Vem aqui - chamou-me, mas eu não me mexi. - Vem logo.

Fui até ela lentamente, recuando a cada passo até chegar a sua frente.

-Então?

-Não precisa deitar, só senta do meu lado.

-Sem chances.

-Ah, eu não acredito que vou ter que te ajudar nisso - ela revirou os olhos. - Bem, não olha pra baixo e pronto. Você vem e senta, e não pode olhar pra baixo.

Eu suspirei e me abaixei lentamente, colocando as mãos no chão e obedecendo a sua ordem de não olhar para baixo enquanto a vontade batia no fundo para olhar. A minha consciência foi mais forte e eu acabei olhando para o abismo que se movia com a água, como se me puxasse para dentro de sua escuridão profunda e assustadora. Eu senti como se afundasse, como se aquele encontro de azul e preto no fundo da tela girassem abaixo de mim, provocando-me uma sensação de queda. Então, minha reação foi de queda. Eu caí sentado na tela gelada, bem ao lado de Loui, fechando meus olhos rapidamente, o que a fez rir e eu voltei a abri-los.

-Você é muito bobo! - ela disse no meio de gargalhadas um pouco altas.

Eu olhei-a sério e ela parou de rir no mesmo instante, então eu gargalhei alto e ela voltou a rir, caindo deitada na tela.

-Isso foi demais! - disse, quando finalmente parou de rir. - Qual é? Ainda está com medo da imagem?

-Pra falar a verdade.. Sim. - admiti.


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