Never Let You Go - Bring me to Life escrita por lovemhatem_


Capítulo 3
A Casinha no Quintal


Notas iniciais do capítulo

Boa-leitura!



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A luz forte que ultrapassava o vidro da janela me atingiu em cheio assim que abri os olhos. Eu os fechei novamente e depois os abri devagar, para se acostumarem, ainda com uma mão sobre a testa, fazendo sombra.

Quando meus olhos finalmente se acostumaram, pude ver que a janela estava entreaberta, o que me lembrou da noite anterior, o que me deu mais certeza de que realmente não fora um sonho. Pisquei algumas vezes e olhei ao redor. No chão ao meu lado, estava o notebook fechado em cima do carpete. O espelho estava descoberto, não vi nada nele, mas resolvi não arriscar e desviei o olhar para a porta, que estava fechada.

Levantei-me devagar e fui até a janela. Escancarei-a totalmente e observei uma parte do quintal. Duas árvores também. E lá no fundo uma casinha que parecia um pouco grande para ser casinha de cachorro. Fui até o guarda-roupa e peguei uma camisa xadrez e uma calça jeans escura. Depois peguei meu tênis e saí para o banheiro.

A porta do quarto de Micky estava aberta e dentro dele estavam ele e Agatha, no chão, arrumando uns brinquedos no tapete estampado com desenhos da Disney. Agatha olhou para mim com um olhar estranho, como se estivesse se certificando que eu estava bem. Virei o rosto para o quarto dos meus pais que também estava aberto, porém não havia ninguém e a cama estava arrumada. O quarto de Kendra estava fechado, mas ouvi barulhos vindos de dentro dele. Não ousei nem sequer chegar perto da porta para ouvir melhor.

O quarto de Jonah e Jason estava fechado também, assim como o de Agatha. Passei pela saleta e não deixei de reparar uma mancha escura na ponta do tapete. É claro que ela sempre esteve ali. Passei reto para o banheiro e tomei banho em silêncio, apesar de estar com um pouco de medo, eu queria estar atento a qualquer barulho. Queria me certificar de que não estava sendo observado. Isso parecia loucura, mas era assim mesmo. Graças aos céus que eu não ouvi nem vi nada.

Quando voltei ao quarto para pentear o cabelo, a porta do quarto de Kendra estava aberta e eu pude ver que ela realmente estava nele minutos atrás porque suas bonecas estavam arrumadas numa estante, sua cama também tinha alguns ursos de pelúcia e parecia tudo organizado. Voltei ao meu quarto e olhei a janela novamente. Penteei meu cabelo e depois o desarrumei. É. Isso era realmente idiota, pentear pra depois desarrumar. Mas era assim que eu fazia.

Quando desci para tomar café reparei que muita coisa já estava arrumada e havia poucas caixas próximas à porta do porão. Meu pai estava as vistoriando e separando os materiais de cada cômodo; mamãe estava na cozinha guardando a louça; Kendra estava assistindo televisão, que agora já parecia ter todos os canais necessários. Olhei para o meu relógio, eram 10 horas e 11 minutos.

-Bom-dia, mãe - falei, com a voz meio rouca devido a eu ter acordado há pouco tempo e não ter falado nada até então.

Ela virou-se para mim, e papai também parou de prestar atenção nas caixas para me olhar também. Ele parecia ter a mesma expressão que Agatha.

-Bom-dia, querido. Quer o que para comer? - mamãe perguntou.

-Qualquer coisa.

-Que tal torrada?

-Pode ser. - dei os ombros e saí da porta para me sentar em uma cadeira na mesa. Na cozinha as coisas já pareciam estar arrumadas. Na mesa tinha um copo, uma jarra de suco de laranja, um prato e alguns talheres.

-Você está bem? - ouvi a voz do meu pai atrás de mim e sem me virar, respondi:

-Sim, claro. Por que não estaria?

-Você teve um pequeno surto hoje de madrugada.

-Eu não tive surto algum. Você está me chamando de louco? - falei um pouco mal-humorado.

- Respeite o seu pai, Jesse. - mamãe falou baixinho.

- Eu apenas perguntei se havia algum problema com você. Eu me preocupo com você.

- Não parece - murmurei.

- Jesse, nós nos preocupamos com você. Não precisa ficar assim. - mamãe disse enquanto me entregava um prato com torradas e colocava suco no copo.

- Vocês nem sequer acreditam em mim. E sim, eu estou bem. Não precisam ficar gastando o tempo de vocês perguntando coisas que já sabem. - peguei o copo e me levantei. - Perdi a fome. Se também não ficarem preocupados, eu prefiro tomar só o suco.

- Jesse.. - papai falou, mas eu não dei ouvidos e saí pela porta dos fundos até o quintal.

Sentei no último batente e tomei o suco em um só gole. Depois coloquei o copo lá mesmo e me levantei, indo em direção à casinha que eu havia visto da janela do meu quarto. O gramado ali era mais seco e as árvores mais baixas. Muitas folhas secas estavam no chão e faziam barulhos quando as pisava. Andei até a casinha de madeira e abri o ferrolho, mas a porta era muito dura de abrir, então eu forcei-a um pouco e por fim chutei-a, e finalmente se abriu.

Era escuro e não tinha luz, o que me fez empurra-la com força para que se abrisse completamente. Então eu vi algumas caixas e baús amontoados ao fundo e fui até lá.

Abri uma das caixas e soprei a poeira dos inúmeros papéis dentro dela. Eram contas de água e energia. Então eu as fechei e abri outra caixa. Dessa vez havia panos e mais panos, e no fundo tinham alguns vestidos. Eu os tirei e observei alguns.

O primeiro era azul celeste com detalhes brilhantes na cor azul turquesa; o outro era verde e era mais curto, sem nenhum detalhe; o último era menor, mas não caberia em Kendra, era preto com listas grossas e cinzas, sem nenhum detalhe ou forma diferente, então eu só criei duas hipóteses para o que ele podia servir: camisola ou vestido de velório. A última parecia a mais provável. Então reparei que ao lado dessa caixa tinha uma data, eu a peguei para examina-la melhor. 1996. Bem antigos então. Abri outra caixa. Dessa vez tinha fotos. Tirei o pó com a mão e fui para fora da casa, na luz, onde eu poderia ver melhor. Era uma família. Um homem, que parecia ser o pai, estava no centro, em pé ao lado de uma mulher que parecia ser a mãe. Sentado numa cadeira estava uma garota de uns doze anos, segurando no colo um menino com a idade de Micky, aproximadamente. Ao lado dela, de pé, estava outra garota, ela usava o vestido preto listrado que eu havia visto antes - que a propósito parecia enorme nela -, e não parecia nada feliz. Ela devia ter uns nove ou dez anos no máximo, e fazia uma careta para a foto. O que me fez rir. O cabelo dela estava preso e ela mantinha uma mão no rosto, como se a qualquer momento fosse tapa-lo. Ao lado do pai tinha um garoto de uns treze anos olhando para a menina que fazia careta, e sentada aos pés dele tinha outra menina, parecia a mais nova, talvez uns sete ou oito anos. A idade de Kendra. Ela não tinha expressão, assim como todos os outros com exceção da garota de vestido preto.

Passei a foto. Desta vez a figura mostrava apenas as crianças, só que menores. O garotinho ainda era um bebê de uns dois anos e estava sentado no gramado, a menina que antes estava nos pés do garoto mais velho agora estava segurando a mão do garotinho, abaixada junto dele. Ao lado dela tinha uma cadeira onde estava a garota mais velha. O menino mais velho mais uma vez mantinha os olhos grudados na menina que na foto anterior estava fazendo careta, porém nessa foto era sorria feliz. Diferente dos outros que nem sequer tinham expressão. Olhei a data atrás da foto, estava um pouco apagada. 1992. Na foto a seguir todos estavam na frente da casa, pareciam maiores que a primeira foto, com calções e maiôs, tomando banho de mangueira. Eu vi bem o gramado e a casa, continuavam do mesmo jeito. Era essa casa. Eu olhei a data novamente. 1996.

Olhei todas as fotos, algumas eram todos os irmãos, outras eram a família completa. Outras eram apenas os dois irmãos mais velhos ou os dois mais novos. A garota do vestido preto era que menos aparecia. Não devia ser fotogênica. A única foto em que ela aparecia só era uma em que estava de maiô, numa praia, franzindo as sobrancelhas e com uma das mãos na testa, protegendo os olhos do sol. Essa não tinha data, mas pelo que eu havia calculado e observado nas outras fotos, devia ser mais ou menos 1997, ela devia ter 12 ou 13 anos. Coloquei a caixa na porta e fui até dentro da casinha de novo, olhar um dos baús.

Abri o primeiro, e dentro tinham vários papéis. Tinha também um diário, na verdade dois. Eu abri o primeiro e folheei algumas páginas, parei numa que dizia:

"Eu só queria que ela morresse!"

Olhei a 1999 05 de Maio.

Passei as últimas folhas e examinei outro pedaço que dizia:

"Meu Deus, como poderei me perdoar? Eu desejei a morte dela. E agora.. Ela se foi. Tão jovem. Por quê? Eu sou tão cruel. Mas não foi culpa minha.. Claro que foi. Eu desejei sua morte, e apesar de ter sido de modo natural, não acharam muito da coitada, além de que partiu do meu desejo. Minha culpa. Eu nunca vou me perdoar. Nunca. Pobre L.”.

                           Avalon  Gianetti; 1999.

Olhei a capa do diário, e depois o verso. Mas foi na última folha que eu vi a foto da dona daquelas palavras. Era uma foto da garota mais velha, em frente a essa casinha, usando o vestido azul. Embaixo tinha o nome: Avalon Marie Gianetti.

Fechei o diário e peguei o outro. Era lilás e parecia bem mais novo que o primeiro. Tinha a foto de um bebê na frente, mas não tinha nome algum. As páginas estavam na sua maioria arrancadas, as datas haviam sido apagadas, as fotos retiradas. Quem quer que tenha feito aquilo, realmente não queria que ninguém visse nada que estava ali. A dona desse diário devia ter muitos segredos, então.

Ouvi um barulho vindo de fora. Peguei o diário da garota mais velha e saí para ver quem estava lá. Ninguém.

A caixa estava lá, porém aberta, e a primeira foto, a que eu mais havia gostado - da garota de preto na praia -, havia sumido. Olhei ao redor. Nada.

Não fora o vento que havia abrido a tampa da caixa e retirado a foto de lá. Isso era impossível. Peguei a caixa, fechei a porta da casinha e segui até em casa.

- Eu estava te procurando, aonde você foi? - mamãe perguntou, assim que entrei pela porta da cozinha.

-Na casinha do quintal. Lá tem umas coisas legais - falei, pondo a caixa em cima da mesa. - Vê só, devem ter sido de antigos moradores daqui.

Ela examinou a caixa, as fotografias, e depois olhou a capa do diário.

-Que interessante. Um casal e seus cinco filhos. Tem data?

-A mais antiga é de 1950. A mais recente é 1999.

-Todos antes do século 21. Agora porque não vai guardar isso e vem almoçar?

-Tudo bem - peguei a caixa com o diário e subi para o meu quarto.

Guardei o diário dentro dela e os coloquei embaixo da cama. Examinei o meu quarto, tudo parecia em ordem. Na verdade estava tudo desarrumado, mas era assim que eu havia deixado. Saí e fechei a porta.

Quando cheguei lá embaixo, Agatha estava lendo um livro de histórias para Micky e Kendra, no pé da escada. Jonah e Jason viam TV com papai e mamãe estava sentada olhando uns papéis na cozinha.

-O que é isso? - perguntei.

-A matrícula da sua nova escola - ela sorriu.

-Já?

-Claro. Você já explorou toda a casa? - mudou de assunto.

Olhei para a porta do porão e a porta do sétimo quarto.  Depois vi outro corredor que se seguia até outra sala.

-Não. Vou examinar. - falei, indo até a outra sala.

Tinha as paredes vermelho pastel e duas poltronas de um tom de vermelho mais forte. As janelas davam para o quintal também, o que indicava que meu quarto era bem acima dessa sala. Tinha uma mesa com algumas coisas em cima. Livros.

No fundo tinha uma porta que eu abri e vi o último quarto. Azul terrestre e branco gelo, as mesmas cores que o meu. Não ficava muito longe da cozinha, mas também não era tão perto assim. Tinha uma cama de solteiro, um armário, um lampião, uma escrivaninha vazia - isso eu chequei -, e uma janela que dava para o lado esquerdo da casa, onde se podia ver a casa do vizinho.

Saí do quarto e da sala e fui examinar a porta ao lado do porão. Era um quarto de bebê. Era azul claro com estampa de ursinhos roxos. Tinha uma cama de solteiro, um armário branco, uma escrivaninha branca e dois tapetes azuis de cada lado da cama. Não tinha janelas.

Abri também a porta do porão, mas não me atrevi a descer até lá embaixo. Apenas observei de longe as suas paredes azul petróleo velhas e cobertas de mofo. Aquilo ali devia ter eco. Pelo ângulo que eu podia observar, era completamente vazio.

Fechei a porta e voltei para a cozinha. Dessa vez Agatha já estava dando de comer a Micky e Kendra estava catando verduras do prato.

Resolvi comer na mesa e quando acabei subi para escovar os dentes e depois desci para falar com mamãe:

- Aonde eu vou estudar?

- Na mesma escola que Agatha. Ela vai fazer o 3º e você o 1º ano.

- Mas eu passei de ano! - exclamei.

- Mas essa escola é diferente da que você estudou. Vai ter que repetir.

- Não!

- Jesse, não comece. - ela me repreendeu e parou de lavar a louça para me olhar.

- Mas mãe, eu não quero fazer o primeiro ano de novo.

- Você é adiantado, e essa escola é diferente das outras. Se você fizer o primeiro, provavelmente vai conseguir se enturmar melhor com os alunos de lá. Seu pai já fez a matrícula, você começa amanhã as 8 horas e sem discussões - ela voltou a lavar a louça.

- Onde é?

- A umas duas quadras daqui.

-Tão perto? - choraminguei.

- E antes de você ir, você terá que deixar Jonah e Jason na parada de ônibus.

- E eu vou a pé? - arregalei os olhos.

- O colégio é bem perto, Jesse.

- Eu vou de ônibus também. Nem diga não. Onde os meninos vão estudar?

- Numa escola um pouco perto da sua, eu acho. Não cheguei a ver.

- Tudo bem, então - me virei para ir embora, depois olhei pra ela de novo. - Kendra e Micky?

- Seu pai vai deixá-los numa escola particular.

- O quê? E ainda por cima é pública?

- Jesse, porque não vai falar com os vizinhos? - ela ordenou.

Eu saí batendo os pés. Droga, droga, droga, droga, DROGA!    

Porque a gente tinha que se mudar? Primeiro, a casa num bairro que eu nunca havia estado antes. Depois, tem uma doida que anda pela casa a noite me assustando. Depois, ninguém acredita em mim. Ainda, uma escola pra lá de chata em que eu vou ter que repetir o ano. Agora, descubro que ela é pública, ou seja, bullying pra todo lado. Não que eu use aparelho, óculos, seja deficiente ou essas coisas, mas todo mundo sabe que a chance de um novato passar despercebido entre os mandões em uma escola pública é de uma em um milhão! E sem contar nessa doida, o que diabos era isso?

Olhei ao redor e vi as outras casas. Jason e Jonah jogavam bola com outro garoto que devia ser da vizinhança. Eu ri da cara confusa do garoto olhando os dois sem parar tentando chamar o nome certo de algum.

Kendra estava na calçada com suas bonecas, conversando com o Mister Lilly. Coisa de louco falar com bichinhos, eu hein!

Resolvi dar uma volta. Quando passava em frente à casa vizinha, aquela que eu havia visto da janela da sala de trás da minha casa, vi uma garota mais ou menos da minha idade conversando com um menino numa moto.

Ela tinha cabelos castanhos claros, e com a luz quase parecia loiro. Estava usando um short jeans hipercurto e uma blusa tomara-que-caia branca. Estava descalça. Ela olhou para mim quando eu passei. Devia ser uma daquelas garotas líderes de torcida que só vivem com garotos mais velhos.

Andei até o fim do quarteirão. E tinha uma sorveteria. Eu podia até parar e tomar alguma coisa, mas estava com preguiça demais para atravessar a rua e com coragem suficiente para voltar para casa. E foi o que eu fiz.

Quando cheguei a casa eram quase três da tarde, e Jonah, Jason, o garoto da vizinhança, Kendra e sua tropa não estavam mais na rua.

Eu entrei em casa, abri a geladeira e tirei uma maçã. Depois subi para o meu quarto. Assim que cheguei, fui fechar a janela. Mas quase pulei para trás com o que eu vi. Embaixo do Jacarandá-mimoso no quintal, havia uma garota, ela pulava tentando alcançar um galho e retirar alguma coisa dele. Devia ter mais ou menos a minha idade e seu cabelo era quase do mesmo tom do cabelo da vizinha, porém mais escuro. Eu até pensei que fosse ela, mas ela usava uma roupa diferente, ela usava um vestido.

- Ei! - gritei, o que a fez olhar para a janela, e quando me viu, voltou a fazer o que estava fazendo como se eu nem tivesse lhe chamado.

Então eu reparei no vestido dela. Era preto e cinza, listrado e sem graça. Como se fosse de velório.


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