Eu poderia ter me levantado e ir procura-la na casa, mas a probabilidade dela tentar derrubar uma árvore ou meter uma faca em mim era muito grande àquela hora, então eu resolvi deixa-la ir e caí na cama de novo.

Fechei os olhos. Abri. Fechei. Abri. Virei-me na cama. Fechei os olhos. Virei-me de novo. Ela devia estar fazendo alguma macumba para que eu não dormisse, só podia. Respirei fundo e me decidi: eu teria que falar com Loui.

Levantei-me da cama e fui até o guarda-roupa, então mudei de ideia e resolvi ir de pijama mesmo pra falar com ela, porque eu teria que tomar banho se fosse trocar de roupa. Eu passei todo o fim da noite na escola, conversando como nunca com todo mundo. Depois fui para a casa de Shella e acho que extrapolei um pouco por lá. Vim pra casa já eram mais de duas da manhã, mas agora eu não estava com nenhum pouco de sono.

Saí do quarto arrastando os pés - de preguiça -, e desci as escadas segurando o corrimão.

-Loui? - chamei quando cheguei à cozinha.

Mas ela não veio.

Eu andei por toda a casa, saí para o quintal e fui até a casinha, mas ela também não estava lá. No final eu dei duas voltas completas dentro e fora da casa - inclusive no jardim - e não a encontrei. Resolvi ir para a cozinha e comer alguma coisa, eu estava cansado e com sono, mas sabia que não conseguiria dormir.

Abri a geladeira e tirei um suco de laranja que havia sido feito ontem no jantar, coloquei num copo de vidro azul e me sentei na porta dos fundos da cozinha.

- Bu!

- AAH! - gritei e me virei para trás. Era Loui.

Ela me olhou, porém continuou em silêncio. Nós ficamos ali, parados, olhando para o fundo do quintal, para as rosas do Jacarandá-mimoso que caiam e voavam com a brisa fraca ou o vento. Olhando a casinha no fundo do quintal. Aquilo me lembrava de Loui. Eu ficava imaginando como ela tinha vivido ali, assim como eu vivo hoje, porém muito diferente. Ela e sua família, donos dessa casa. Eu pisquei. Loui era mesmo real? Acho que sim, ou talvez ela não tivesse empurrado Shella daquele jeito, eu não conseguiria empurra-la daquele jeito, não naquelascircunstâncias. Loui devia gostar mesmo de mim. E se ela fosse... Real?

- Desculpa - sussurrei de repente.

- Tudo bem - ela sussurrou de volta.

- Mas eu também não gosto de Mathew.

- O que tem ele?

- Você.. Fala tanta coisa dele.

- Mathew era especial pra mim. Assim como você é hoje - ela me olhou.

- Ele devia ser mais - retruquei.

- Não. Com certeza não era.

- Me diga então em que aspecto eu sou ou pareço melhor do que ele? - desafiei-a. - Ele quem ficava com você, te dava a devida atenção. Concordava com você e essas coisas.

- Você me dá a devida atenção sempre que fala comigo, Jesse - ela abriu um meio sorriso.

Permaneci em silêncio.

- Jesse... Desculpa também - ela me olhou nos olhos e eu senti um calafrio.

- Por...?

- Por não gostar da Honor. A vida é sua, você que decide o que fazer dela. Eu só estava frustrada por ser a Honor.

- Como assim? - Ergui as sobrancelhas.

- Por... Ser ela - ela deu de ombros e mudou o foco do olhar para o céu.

- Por ser ele - murmurei e voltei a ficar em silêncio.

- Você... - ela começou, mas se interrompeu.

- Eu...?

 - Você quer saber? Matthew era como neve no verão e calor no inverno, mas em muitos casos, nos fins do verão acaba nevando ou em pleno inverno o tempo parece quente ao seu redor, por causa do aquecimento global. Ele foi como sol na noite e lua no dia, mas isso também é possível graças aos eclipses. Esses fatos são raros, mas acontecem. Ele foi raro, mas aconteceu, e nós guardamos isso na lembrança para sempre - ela voltou a olhar em meus olhos e eu senti o rosto corar.

Não tinha motivos, mas senti.

- Loui... - tentei fazê-la parar.

Porém ela não deu atenção e continuou.

 - Mas você, Jesse, é como.. Como sentir calafrios ao se queimar, como ver estrelas nascendo com o sol, mesmo sendo o sol uma estrela.. Com você é difícil de explicar, de entender, e por isso você é único. Quando você me olha, o mundo inteiro parece sair da minha vista; quando você fala comigo, é como se sua voz fosse o único canto que eu conseguisse ouvir; quando você ri, é o momento que mais me satisfaz; quando estou com você, eu me sinto melhor, mais alegre... - ela olhou ao redor, para o céu, e depois para mim novamente. - Você já viu raios de sol explodirem em milhares de flocos de neve que caem e apagam as lavas dos mais fortes vulcões durante a noite? Você já se sentiu refrescado por chamas que queimaram todo o oceano? Ou já ouviu o barulho calar o silêncio quando este tocava The Beautiful Blue Danube?   Eu também não, e isso é o que é mais incrível. Porque gostar de você é como se tudo isso acontecesse. É como se o impossível se tornasse possível e o possível não significasse nada.  Eu não sei como isso aconteceu... Tão rápido... Eu te conheci, fiquei sua amiga, fizemos algumas coisas juntos, e... Eu só queria achar as mais lindas palavras que identificassem o que eu sinto por você, mas como todos eu só encontrei três. Jesse, eu amo você.