Baú de Ossos escrita por Julia Valentine


Capítulo 6
Capítulo 5 - À procura da felicidade monetária.


Notas iniciais do capítulo

Desculpe-me a demora. Eu tinha milhões de ideias não organizadas só esperando para serem colocadas para fora. E não é que deu certo?
Capìtulo cinco. Enjoy >



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/187901/chapter/6

Fitava o teto. Parecia que, a cada hora que olhava para ele, descobria mais uma imperfeição. Me pergunto se é assim conosco também; com os seres humanos que estão longe de serem perfeitos. Será que quanto mais você olha para eles mais erros você vai achar? Pensando bem, é isso sim. Sendo assim, a vida de um antropólogo deve ser tão miserável. Não digo isso pelo salário que ele ganha, mas sim pelas desgraças que ele encontra em nós seres humanos. Antropólogos são masoquistas. Só dessa maneira para gostar de sofrer observando a sua própria espécie deplorável.

Fui arrancada de meus devaneios com a batida de Marcelle na porta. Não iria me levantar. Sim, eu faço birra, acho. Porém ela não merece meu esforço. Fazer o quê: minha preguiça é maior que o meu padrão. Ela jogou um envelope por debaixo da porta. Era uma carta. Uma miserável carta de cobrança. Avancei até a porta e peguei a desgraça do chão. Estava aberto. Retirei de dentro um papel e me assustei. Não era uma simples cobrança. Era um aviso. Eles tomariam a casa se não fosse paga a hipoteca em alguns meses. Não essa casa odiável. Mas a casa de minha avó. E só fariam isso porque Marcelle – aquela cretina – havia hipotecado a casa! Merda. Abri a porta com um soco que se não fosse pela raiva teria doido. Fui atrás da mulher de cigarro na boca e copo de bebida na mão.

– Por que você fez isso? – disse puxando seus braços.

– Ai garota. – derrubou o copo no chão – viu o que você acabou de fazer?!

– Não me importa essa bebida barata. A única coisa que me importa, na minha vida inteira, é a lembrança que vovó deixou pra mim. Você não tinha o direito de fazer isso!

– Escuta aqui Georgiana: eu precisava do dinheiro. Sua avó não te deixou uma herança ou sei lá o que? Então, use!

– Nós tínhamos um acordo! Cada uma por si. Eu nunca mexi nas suas coisas e você fica longe das minhas! O dinheiro que ela me deixou era para... um futuro longe de você. – disse trincando os dentes – E esse dinheiro não cobre a hipoteca!

– É uma pena. Você tem que aprender a se desapegar das coisas. Deixar elas irem...

– Sua...

– Ei, olha boca! Ainda sou sua mãe. – ri.

– Mãe? – disse com escárnio - Você não está sendo exatamente uma há muito tempo. A única coisa boa que você fez por mim foi ter me entregado para vovó. – gritei essas últimas palavras.

– Que bom que você reconhece.

– Argh, – grunhi – Você nunca vai melhorar, não é? – fitei seus olhos verdes enrugados e não sóbrios.

Ela me encarou. Pela primeira vez em anos. Olhou profundamente meus olhos negros como a noite– como ela mesma diz. Suspirou. Um suspiro angustiado, um daqueles que eu nunca tinha ouvido sair dela. Por um momento achei que ela fosse outra pessoa. A minha mãe. Mas isso durou pouco. Ela afugentou seus olhos em outra direção e voltara a ser Marcelle, a prostituta.

– O que eu vou fazer agora, Marcelle? – choraminguei – Tenho poucos meses para pagar a dívida. Duvido que algum banco me empreste... – estava falando comigo mesma nesse momento. Fui andando até o quarto. Peguei o jornal; eu agora faria o que qualquer ser poderia: arranjar um emprego.



Na manhã seguinte faltei à escola novamente. Eu havia ganhado um ótimo presente de aniversário. Obrigada, mãe.

Tinha selecionado alguns empregos que me pareciam cabíveis para minha pouca experiência e qualificação. O que uma estudante de ensino médio pode tanto fazer?

Entrei no primeiro lugar: um restaurante chinês. Faria entregas.

– Vim pela vaga de entregador. – falei no balcão ao homem que me parecia o dono. Era meio gordo e tinha olhos bem pequenos.

– Gosta arroz?

– Hum… O que isso tem a ver com o emprego?

– Entregador tem gostar arroz.

– Claro. Amo arroz. – disse forçando animação.

– Teste, sim. Entregar entrega neste endereço. – o chinês me entregou um pacote com um endereço anotado nele. Assenti e fui.

Parei o carro na frente do prédio. Ah, o subúrbio. Tinha um cheiro ruim. Ainda pior que o da minha vizinhança. Entrei cautelosamente, observando onde pisava. Um rato passou perto do meu pé e gritei (era enorme, do tamanho de um gato). Parece que não sou tão corajosa assim. Subi as escadas. O endereço indicava o sexto andar. E... Adivinha só? Sem elevador. Chegando a frente à porta 602 eu estava cansada. Ate mais do que isso. Quase morta. Bati. Esperei. Esperei. De repente ouvi o barulho de algo se destrancando. Uma mulher de olhos puxados apareceu entre a fresta e falou algo que não pude entender.

– Entrega, senhora.

A mulher continuou falando e eu não entendia porcaria nenhuma. Peguei a mão dela entre a fresta e apontei para o pacote de comida. Ela começou a gritar.

– Senhora, dá pra ficar quieta?

E continuou gritando. Soltei sua mão.

– Pacote. Comida! – fiz um gesto com a mão em direção a boca fingindo que comia – Nham, nham.

Ela me olhou assustada. Peguei sua mão novamente e ali coloquei o pacote.

– Dinheiro? – sabia que esse seria ainda mais difícil. A mulher voltou a gritar. – Ah, quer saber, vai se ferrar.

Girei na outra direção a comecei a voltar pra torturante escada. Eu não poderia ficar nesse emprego. Não daria certo. Ouvi a senhora gritando em outra língua para mim. Provavelmente fazendo elogios ótimos ao meu trabalho, claro.

Peguei meu carro e fui pra longe daquela vizinhança oriental bizarra. Próxima parada: restaurante francês. Ficava na área mais chique da cidade. Ou seja, muitos quilômetros longe de casa. Isso já era ruim. Quando cheguei fiquei abismada, literalmente de boca aberta. Era lindo. Já estava desistindo do emprego porque eles nunca me aceitariam ali. Eu não era compatível com esse tipo de gente. Mas eu estava sendo otimista. Como a música do The Killers, Mr Brightside, eu precisava. Pela minha avó. Pelas lembranças que eu ainda tinha.

Inspirei e entrei. O ar gelado do ar condicionado era tão... gostoso. Eu poderia me acostumar com isso. Fui até um balcão e disse que estava ali pela vaga de garçom. A mulher loira, que era linda, chamou um homem de bigode. Ele deu uma varrida em toda a extensão – mesmo que curta – do meu corpo e sorriu.

– Bon jour, eu sou Olivier Thénardier. – disse pegando minha mão e levando aos lábios, que eram macios. Assustei-me com isso. Tinha visto tais gestos apenas em filmes como, não sei, Orgulho e Preconceito. Seria ele um Mr. Darcy?

– Ahn, oi. Me chamo Georgiana Vipolly. – sorri meio intimidada por aquele homem alto na minha frente. Será que ele era mais alto que Ryan? Devia ser. Ah, por que diabos estou pensando nele? Merda.

– Veio pelo emprego, oui?

Assenti com a cabeça. Ele me guiou até um lugar nos fundos do restaurante. Mostrou as instalações, a cozinha, tudo. O lugar ainda não estava cheio, ele disse. O movimento é maior durante a noite.

– Isso é bom porque você pode ainda ir à escola de manhã, certo chérie?

– Isso quer dizer que posso trabalhar aqui?

– Vamos fazer um período de experimentação. Se você for capacitada, poderá ficar.

– Ah, muito obrigada Mr. Thénardier. Merci... – disse com uma reverencia desengonçada.

Ele riu. Aprendi com Suzanne. Não a reverencia, mas sim o francês.

– Porém eu acho que você pode sim ser a escolhida. – disse fitando-me profundamente. Sou só eu ou esse cara tava olhando mais pras minhas outras partes ao invés do meu rosto? Enfim, contanto que ele me pagasse o que o anúncio diz. Sai pra lá francês tarado. Deixei o restaurante agradecendo - de longe – pela oportunidade. Começaria amanhã, as cinco p.m.

Quem ele acha que é pra me encarar desse jeito? Se fosse o Kemper eu já teria xingado. De novo esse bendito garoto... Georgiana, quer parar de pensar nesse bastardo inútil? Ele tem uma namorada, não? Aquela garota da festa, a ruiva. Isso. Agora me lembro de um pedaço da festa.

Peraí, eu tentei beijá-lo. Não, isso foi um pesadelo. Não? Ai que dor de cabeça. Eu espero não ter feito isso que estou me lembrando. Puta merda, eu realmente espero. Eu sei que ele me escondeu alguns fatos quando me relatou a festa. Ele pulou pedaços grandes da história, mas pensei que fosse sem importância. Talvez ele não queira que eu me lembre para evitar constrangimento. Ah, como você pode fazer isso garota?

Senhorita Vipolly, ele tem uma namorada! Isso. Mesmo que tenha acontecido, vou continuar fingindo que não me lembro. Exatamente, a síndrome da amnésia pós-porre. Eu não o beijei. E por que ele não quis me beijar? Ah, sim, ele tem uma namorada. Não se esqueça desse detalhe. Ryan Kemper tem uma namorada, que é milhões de vezes mais bonita que você. Ah, como se isso me importasse. Respirei fundo tentando acalmar o turbilhão de pensamentos que atravessavam minha cabeça. Fingir que não aconteceu, fingir que não aconteceu, fingir que não aconteceu... E com esse mantra eu voltei pro carro. Eu não me importo, eu não me importo, eu não me importo... Passei a chave na ignição. Não tentei beijá-lo, não tentei beijá-lo, não tentei beijá-lo... Fiquei repetindo até que minha mente assimilasse para que ela mesma não me traia.

Não sabia direito pra onde ir. Não poderia voltar para aquela casa infectada. Agora que me sentia mais confiante, resolvi ir para a escola. Não sei por quê. Ah, eu sabia. Não. Sim, era para ver... Não. Ah, porra, só quero ir pra escola. Ter mais aulas infernais e se tiver sorte uma com Ryan. Pronto, falei.



Só não quero imaginar você vivendo outros amores por aí…


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Essa Georgiana é uma confusão de pensamentos. Eu não sei se vocês lembram mas o Ryan não apresentou a irmã dele como a 'irmã dele'. Ai já viram.
Feliz Natal pra vocês. Um ótimo Ano Novo. Vamos fazer nossas listinhas de coisas pra nos iludir... Até o próximo!