Changes escrita por House


Capítulo 1
Capítulo 1




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A única coisa que passava na cabeça de Renata naquele momento era de que não havia coisa pior do que ter 32 anos e ainda depender dos pais. Por isso achou melhor mudar-se da movimentada São Paulo para um bairro de ricos do Rio de Janeiro. A mudança significava a perda de muitos amigos, mas sua independência financeira estava ali. Além do mais, estava ajudando o irmão Nicolau e dando uma chance aos pais para voltarem à Inglaterra. Era isso que tentava convencer-se enquanto caminhava com seus pertences para o novo quarto.


O pior de tudo era ficar no Rio. Achava muito quente e não queria atrapalhar seu tio Bento, que já acolhia muito amorosamente o sobrinho mais novo. Mas a proposta para que a jovem mudasse de estado partira dele e de seu escritório de arquitetura e engenharia. Bento tinha acabado de perder seu braço direito, que falecera em um acidente de carro e estava apostando tudo o que podia no talento de Renata.


Sentou na cama de casal, um olhar desolado. O lugar era bonito, aconchegante, mas ela não sabia se ia acostumar com aquilo. Bento organizara tudo com a sabedoria de mestre. Era o melhor no que fazia. Quando Renata chegou ele estava no trabalho e uma senhora que se apresentou como a governanta recebeu-a com um sorriso muito gentil. Era um quarto espaçoso, com duas mesinhas de cabeceira com lustre de parede, um baú na frente da cama e duas escrivaninhas, uma em cada parede lateral, uma delas com uma poltrona perto, com vista para o jardim de verão, muito bem cuidado. Era um cômodo todo branco, com a parede atrás da cama amarela, para dar destaque. Piso de madeira e uma boa iluminação natural. Não tinha nenhuma informação adicional além de uma foto de Renata, Nicolau e Bento, pouco antes do jovem viajar para o Rio. Estavam todos sorridentes e felizes.


Ficou ali, pensando no que fazer, ajeitando algumas coisas de trabalho. Suas roupas estavam guardadas, pois haviam chegado primeiro que ela, a pedido de Nicolau. Sentou novamente e ficou a contemplar da cadeira da varanda o silêncio que vinha do jardim. A voz conhecida atrás de si chamou-lhe a atenção.


– Ora, ora, se não é minha adorável irmã Renata...


Nicolau estava parado no batente da porta, ajeitando a manga da camisa. Renata correu até ele, apertando-o em um abraço. Depois de um tempo ele se afastou e colocou-a sentada na cama, ficando na sua frente, apoiado nos joelhos. Seu sorriso era brando, sem dentes à mostra e ambos tentavam descobrir o que mudara no outro.


Era um rapaz alto, com curiosos olhos negros passados pelo lado paterno escocês da família. Os cabelos castanhos estavam controlados e ele mantinha a barba feita, procurando uma aparência melhor. Renata riu disso. Ele usava uma camisa preta com gola e mangas brancas e uma calça social também escura. O que chamava atenção era a gravata vermelha com desenhos verdes. A jovem estendeu a mão e riu novamente.


– Espero que você tenha consciência do quão ridículo isto está.


Nicolau deu um sorriso e balançou a cabeça, dizendo:


– Minhas lindas clientes gostam dessas cafonices – ele deu uma piscadela.


– Acontece que eu sou sua irmã – disse enquanto levantava e cruzava os braços sobre o peito. – E odeio essas babaquices, Nick.


Ele levantou e ergueu as mãos em sinal de rendimento.


– Muito bem, senhora mau humor. – seu sorriso se alargou. – Da próxima vez eu uso uma lisa, pode ser?


– Pode – ela agarrou-se novamente no abraço dele. – Que horas servem o jantar por aqui?


Nicolau pigarreou, o que nunca era um bom sinal, e afastou-se de Renata, encarando os olhos um pouco mais claros que os dele, procurando as palavras certas que não o fariam tomar uma surra daquela baixinha.


– Tio Bento pediu para que eu avisasse que ele vai dar uma festa para comemorar sua chegada – ele ficou em silêncio, observando seu rosto partir do calmo para uma perigosa fúria. – Vem só o pessoal da empresa... – ele tentava explicar, em vão. – E alguns amigos nossos do bairro. Só. Não passa de 70 pessoas!


– Nick! – a voz de Renata era nervosa – Vocês dois perderam completamente o juízo, só pode ser.


– Me desculpe... – seu tom dera lamentoso. – É culpa do tio e...


– Saia daqui, vamos! – interrompeu enquanto jogava-o porta afora. – Eu preciso me arrumar e não quero ver sua cara nem tão cedo, Nicolau.


Ela fechou a porta, trancando-a. Nicolau foi para o escritório que dividia com o tio e discou o número do trabalho. Pediu para a simpática secretária de Bento transferir a ligação e ele logo atendeu.


– E então, como foi enfrentar a fera? – ele perguntou em um tom divertido.


– Há! Há! – ele afrouxou a gravata e colocou no viva-voz. – Renata está furiosa, tio, muito obrigado.


– Ela vai esquecer – garantiu Bento. – Você avisou os empregados?


– Sim senhor – ele serviu uma dose de conhaque e sentou no sofá de couro desabotoando dois botões da camisa. – Estão tão animados quanto minha irmã.


– E você? Está animado? Eu tenho uma pessoa para apresentar aos dois essa noite.


– Tio, minha irmã não é lésbica – ele pensou um pouco. – Nem eu sou gay.


Bento riu daquilo.


– É o vizinho novo. Os vizinhos, na verdade. – ele ficou em silêncio. Bento também bebia. – Você vai gostar dele. Ele tem uma irmã.

– E você já foi pra cama com ela – apontou Nicolau.


– Errado. – o jovem podia jurar que ouviu o tio revirar os olhos. – Ela é nova demais para mim, Nick. Preferi deixá-la para você. – um telefone tocou ao fundo. – Eu preciso ir. Coloque roupas decentes, Nicolau.


Bento desligou antes que o sobrinho protestasse. Não estava entendendo essa implicância com ele. Nunca se vestia mal, era sempre tão elegante e agora todo mundo deu pra falar de suas roupas?




Duas batidas rápidas na porta chamaram a atenção de Renata. Estava sentada em frente a mesinha, dando os retoques finais na maquiagem. Virou e viu o tio esperando com um sorriso tímido. A jovem correu até ele, apertando-o em um abraço de urso. Podia ouvir a risada dele em seu ouvido enquanto colocava-a com cuidado sobre a cama e puxava uma cadeira para si mesmo.


– Ah, Bento... – falou Renata pegando nas mãos dele. Há muito não conseguia mais tratá-lo como tio. – Eu fico muito feliz pelo seu convite. É como tirar um peso das minhas costas


– Eu recebi uma ligação da sua mãe. Ela estava preocupada com a influência de seu pai sobre você. O mesmo que aconteceu com Nicolau – ele sorriu. – Além do mais, é um prazer te ter aqui comigo.


– Enfim eu vou poder mostrar às pessoas o meu talento sem que ninguém me olhe torto por ser...


– Olhe, filha – disse Bento interrompendo-a –, as pessoas, infelizmente, sempre vão te olhar torto. Menos aquelas que te amam. Não importa se você é azul, amarela, negra ou albina.


Renata ficou em silêncio, preferindo observar as roupas do tio. Sua camisa era lilás, as calças claras, um colete e um paletó combinando. Não usava gravata, então para chamar atenção deixou um botão da camisa aberto. Renata esticou-se e abriu mais um.


– Assim fica mais bonito – disse em um dar de ombros.


Bento riu e levantou, estendendo a mão que não estava no bolso. A garota ainda podia ver o sorriso embaixo da barba grande. Eram como pequenas luzes na escuridão, do jeito que se lembrava. Desceram juntos a escadaria de mármore até a espaçosa sala de estar, onde alguns clientes e empregados do escritório interagiam com cordialidade. Os olhares se viraram para os dois um instante, como em um filme ou um grande livro clichê.


Alguns pareciam surpresos, outros simplesmente entediados. Um rock tocava baixo na sala e Nicolau estava sentado no sofá, conversando com uma moça mais nova que ele, Evidentemente pensava em algo para escapar da jovem. Fez um nada sincero pedido de desculpas e caminhou na direção dos dois.


– Obrigado por ficarem fofocando lá em cima – seu tom era irritado. – Aquela garota é mais fútil que qualquer coisa do planeta. Só pensa em sapato e pênis. Mas acho que ela foi educada o bastante para não citar a segunda parte. Onde está a vizinha gostosa que você ia me apresentar? – ele olhou para Bento, enfim parando de falar e concentrando-se no copo de uísque que tinha em mãos.


– Eles estão chegando – disse Bento pensativo, observando ao redor. – Ou talvez já estejam aqui. Vou dar uma olhada. Fique com a sua irmã.


Ele saiu, antes que um dos dois pudesse protestar a respeito. Ambos olharam para o outro, Nicolau com a expressão culpada e Renata com ressentimento fingido. Queria ouvir pelo menos a prova de que ele estava arrependido. Um homem baixinho e gordo aproximou-se deles. Tinha os olhos muito claros, apertadinhos, uma grande calva e o rosto vermelho de suor. Ficou um bom tempo conversando com Nicolau, sem perceber Renata. Estava concentrado demais tentando focalizar o rapaz na sua frente. Falava coisa com coisa. Saiu pouco depois um tanto desorientado, sendo guiado pela moça que segundos antes conversava com Nicolau no sofá.


– Pobre Alfredo... – resmungou Nick – A mulher costuma o trair, sabe como é... Ele não consegue enxergar um palmo a frente do nariz.


– Interessante... – retrucou Renata em um tom desinteressado. Não ia dar o braço a torcer.


Nicolau suspirou, procurando os olhos da irmã mais velha. Fez uma careta e ela acabou rindo, mas logo se conteve.


– Olha, você é chata, insuportável, irritante, inteligente demais, porém, você é algo como um refúgio para mim. Desculpe-me por ser um babaca completo, por favor.


Renata sorriu e Nicolau aproveitou a deixa para abraçá-la. Ela deixou escapar uma risada e Nicolau balançou a cabeça, notando o que ela acabara de fazer.


– Você não estava realmente irritada comigo, certo? – ela assentiu. – Você não deveria fazer isso, sabe como eu fico chateado comigo mesmo.


– Você está fantástico, sabia?


Era só uma maneira de desviar a atenção dele, mas acabou funcionando. Nick olhou para baixo e depois deu uma risada, alisando o terno creme. Usava uma calça da mesma cor, gravata preta e uma camisa branca. Os cabelos penteados e o ar presunçoso de volta ao rosto, toda a ironia escondida por trás dos óculos de armação preta e retangular.


– Onde estão suas lentes? – perguntou Renata.


– Eu achei que ficaria mais sexy assim – ele deu uma piscadela marota.


– Conte mais fofocas – ela pediu.


– Você quer mesmo saber? – Renata concordou e o sorriso de Nick aumentou. – Está vendo aquele cara ali? – Renata assentiu de novo. – Procurou o escritório para que fizéssemos uma casa para o filho bastardo dele.


A jovem fingiu espanto, dando mais gás para o irmão. Faria de tudo para ver a felicidade dele. Nunca permitira que ninguém contasse para ele que o tio havia chamado-a primeiro, mas abriu mão de tudo ao descobrir um velho segredo de família e enviou-o no seu lugar. Olhou novamente para Nick. Ele parecia feliz sendo o membro mais fofoqueiro da família, tendo conhecimento de tudo que acontecia.


Uma mão tocou de leve o ombro de Renata. Ela olhou e Bento estava parado ao seu lado, um olhar um tanto preocupado para Nicolau.


– Nick, eu já pedi para você não ficar fofocando por aí. Se a sua irmã desistir, é você quem trabalhará em dobro, enquanto eu saio em turnê pelo mundo com ela.


– Desculpe, tio – ele evitava olhá-lo nos olhos. Ofendia-se com qualquer coisa, agora.


– Venham, eu quero apresentar vocês a algumas pessoas – disse Bento.


Caminharam em silêncio para o jardim, onde a iluminação deixava o cenário um tanto mais bonito. Foram até a fonte que ficava bem no centro, com alguns banquinhos de concreto ao redor e outros de madeira branca posicionados escondidos por grandes arbustos. Era um belo lugar para pensar. Bento parou e apontou para três pessoas que esperavam sorrindo.


– Meninos – ele começou –, deixem-me apresentar vocês à família Stoker.


Um silêncio fez-se presente enquanto eles se avaliavam, até que uma risada ecoou pelo jardim.


– Stoker, tipo, Bram Stoker? – perguntou Nicolau. – Sou Nicolau Fulham, sobrinho do Bento – ele estendeu uma mão.


– Sou Robert Stoker. Neto do Drácula – seu sorriso era brincalhão. – Como vai, Nicolau Flamel?


– Fulham – corrigiu a irmã de Nick – Aliás, meu nome é Renata.


– É um prazer, senhorita – Robert inclinou a cabeça levemente, muito cortês e virou-se para Bento. – Gostaria de pedir desculpas pela ausência de George. Ele já deve estar chegando, junto com Louise.


– Sem problemas – disse Bento. – Por que vocês não acabam de se conhecer enquanto vou esperar por eles?


– Hum, claro... – respondeu Robert enquanto Bento saía, dando-lhes as costas. – Aquele é meu irmão Jimmy – o garoto da outra extremidade acenou. – E este aqui é o Bill. – ele sorriu e um silêncio se instalou.


Renata observou as roupas. Tinha esse hábito. Robert estava muito elegante com uma calça social preta, uma camisa de seda branca e um terno púrpura para chamar atenção. Quando ele mexeu no bolso interno ela pôde ver o suspensório que ele usava. Jimmy estava simples, com uma camisa branca de botões e uma gravata listrada. Bill era o mais despojado, com uma camisa dos Beatles branca e um paletó preto. Usava jeans e um All Star de cano alto.


– Vocês não sentem calor, não? – perguntou Renata sentando ao lado de Robert. Os três irmãos riram da jovem.


– Na verdade, é culpa do seu tio – respondeu Jimmy em uma voz um pouco anasalada. – Ele ligou para o nosso irmão mais velho e disse para vestirmos coisas decentes. George ficou ofendido.


– Engraçado... – falou Nicolau – Ele disse o mesmo para mim mais cedo.


– E parece que não deu muito certo, hum? – falou Bill e deu uma gargalhada.


– Estou vendo que a família Stoker gosta de fazer piadas.


– Como diz o George – Robert levantou um dedo –, “a vida é curta e uma grande brincadeira. Não vale a pena levá-la em rédeas curtas.”


– Acho que já ouvi isso em algum lugar... – resmungou Renata.


– Provavelmente. – disse Jimmy como que para si mesmo.


– E então? – perguntou Nicolau – O que vocês fazem da vida?


– Somos músicos – disse Bill. – Temos uma banda de folk rock, blues e country.


– É uma bela mistura... – disse Renata e eles sorriram. – Só vocês três?


– Não – Jimmy esclareceu. – Temos o George também. Ele toca guitarra, piano, violão e qualquer outra coisa que precisarmos.


– E vocês, o que tocam? – Nicolau sentiu-se quase na obrigação de perguntar pela tristeza e ressentimento na voz de Jimmy.


– Eu toco bateria – disse Bill sorrindo. – Rob toca baixo e Jim é guitarrista também.


– Por favor, Nicolau – pediu Robert –, não faça a piadinha do “por que você não toca alto, rapaz?”


Eles riram e Nicolau sentou perto da irmã. Ele suspirou e falou educadamente:


– Vocês podem me chamar de Nick. E eu não ia fazer piadinhas. Renata não gosta muito.


Bill olhou-a assustado e Renata lançou um olhar irritado para o irmão, que revirou os olhos.


– Fale para nós, jovem. – disse Robert pondo uma mão no braço dela e fazendo pose de preocupado. – O que a vida lhe fez?


– Nada... – ela deu de ombros. – Eu só levo as coisas com realidade. O Nick que é sonhador demais.


– Olha, como diz nosso irmão George... – começou Jimmy.


– A vida é curta e uma grande brincadeira. Não vale a pena levá-la com rédeas curtas. – falou uma voz grave e com um perceptível sotaque inglês perto deles.



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Notas finais do capítulo

Espero que gostem.
Em até 10 dias um novo capítulo.



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