POV - NICKY

Houve um dia em que Nicky e seu irmão mais velho, Tom, invadiram uma casa que as crianças do bairro diziam ser assombrada e que segundo elas, estava abandonada há mais de dez anos, mas quando eles pularam a cerca de arame farpado (que Tom cortou usando um alicate bem grande) perceberam que havia gente morando ali, e mais: Eles tinham um cachorro. Um Rottweiler muito grande e assustador. Nicky não tinha percebido o cachorro, e enquanto praguejava as crianças miseráveis que a tinham enganado, Tom a puxou e gritou Corre!. Nicky tentou olhar pra trás enquanto corria, e só aí notou os olhos pretos do cão a fixando e ele corria rápido, muito, muito rápido. Mas Tom era esperto e escaparam daquela por um triz (assim como escaparam de muitas outras) e Nicky pensou que nunca sentiria tanto pânico quanto sentiu naquele dia.

Mas aquilo nem se comparava ao que estava acontecendo agora com ela. Ela estava numa floresta, sozinha, machucada, escondida atrás de uma rocha, sendo perseguida por um bicho que ela nem sabia o que era, e correndo risco de vida. Risco de vida! Ela nunca imaginaria que poderia acontecer uma coisa dessas quando desceu os degraus daquela maldita escada. Ela nem saberia dizer a quanto tempo foi aquilo porque depois que entrou sabe-se-lá-como naquela floresta, perdeu completamente a noção das horas. Que horas já deveriam ser? Sua mãe iria lhe matar. Se, acaso saísse viva, como iria explicar seu estado? Não iria acreditar nela, claro que não. Quando chegasse em casa... Mas como poderia chegar se já deveriam ter roubado a bicicleta? Ah, mas parecia tão ridículo pensar em bicicleta naquela situação! Ouviu mais um galho quebrar.

-Mas onde foi que você se meteu?

De súbito, Nicky se encolheu atrás da rocha. De quem era aquela voz? Ouviu o bicho gemer como se pedisse desculpas. Mas... O que? Ouviu passos indo na direção contrária a dela. Virou-se para dar uma espiada no que estava acontecendo. Em uma fração de segundo percebeu que o bicho tinha uma enorme cauda que estava perto da rocha ela prendeu a respiração- e era mesmo azulado, até diria que era bonito, com suas escamas refletindo o luar, se não estivesse sendo ameaçada pelo mesmo.

- Lenna? Anda! O que está procurando? era uma voz masculina

Lenna?! Quer dizer que o bicho tinha nome? Sem pensar, Nicky revirou os olhos e resmungou um Me poupe!, em seguida tapou a boca com as mãos.

Onde você está indo?

Quando ouviu os passos do bicho se aproximando, Nicky de um salto pulou de trás da rocha e tentou correr sem nem mesmo olhar para trás, mas ele foi mais rápido e abocanhou-a pela blusa. Nicky pensou, por um momento que ele já sabia que ela estava ali atrás, e só estava a esperando sair, mas logo descartou esse pensamento, ora, porque faria isso se podia matá-la logo? E mataria mesmo, na verdade, se não fosse o garoto.

Foi aí que Nicky notou o garoto. Seus cabelos eram castanhos, mas pareciam meio arruivados, seus olhos eram cor de mel, bem claros, e havia uns respingos de sardas em seu nariz. Uma de suas sobrancelhas estava erguida e ele a olhava curioso, de braços cruzados. Mesmo em meio a toda aquela confusão, Nicky não pôde deixar de pensar que ele era muito bonito. E era mesmo. Ela o encarou por alguns instantes e depois fixou o chão, pensando É hoje que eu morro.. Porém, para seu alívio, quando ele falou com ela, parecia muito simpático, e, feliz, constatou que ele não parecia querer matá-la.

-Ponha ela no chão, Lenna- O bicho soltou um resmungo- Agora. - O garoto completou e Lenna a soltou. Quer dizer, soltou não é o termo certo. Lenna a jogou expressa melhor. Então Lenna a jogou no chão.

O garoto estendeu a mão e a ajudou a se levantar. Nicky bateu em sua saia para tirar a sujeira. O garoto olhou o estado da saia e falou:

-Não acho que isso ajuda muito. Na verdade, acho que essa não tem mais jeito.

E, pela primeira vez desde que entrou na floresta, Nicky sorriu.

-Quem é você? ela perguntou

-Eu ia te fazer a mesma pergunta, mas, você foi mais rápida, tudo bem. Meu nome é Charlie.

Nicky o olhou por um segundo e disse:

-Não tem cara de Charlie.

Ele sorriu.

È, já me disseram isso. o dragão deu um cutucão nele como se pedisse para andar logo com isso porque estava com fome- E... Essa é a Lenna.

Nicky olhou para Lenna. Não sabia o que falar. Oi Lenna, talvez?

-Eu sei que ela não causou uma boa impressão, mas com o tempo ela pode gostar de você. disse ele acariciando a cabeçona de Lenna.

-Eu não pretendo ficar muito tempo aqui, na verdade.

-E como pretende sair?- A expressão do rosto dele pareceu se alterar e ficar um pouco mais séria.

Nicky demorou um pouco ao notar o que ele quis dizer e depois engoliu em seco.