Running Away From Hell escrita por GabanaF


Capítulo 8
Cap. VIII — Basement


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas, eu queria que vocês me desculpassem pela demora nesse capítulo, mas o meu computador estragou e eu tive que escrevê-lo a mão, o que demorou muito mais.
Por outro lado, queria agradecer de paixão a todos que comentaram e recomendaram. Sério, vocês fazem meu dia muito melhor, muito obrigada.
Espero que gostem!



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16 de Março de 2012

Quarto de Sugar e Harmony, Mansão do Sam, TN

09:27 AM

— Eu não acredito que você mata zumbis e tem medo de uma barata — disse Harmony num tom cético, tirando sua sandália e dando um golpe perfeito no inseto que se encolhia no encontro entre as duas paredes do quarto. — Até Rachel superou o medo dela de armas.

— Você já deu uma olhada nesses bichos? — retrucou Sugar, se aproximando da barata morta e fazendo uma careta de nojo. — E o pior é que esses monstros sobrevivem a tudo, não dá pra escapar. Uma vez li que...

Harmony fez um gesto para que Sugar parasse de falar. Conhecia aquela história dos pés à cabeça. Sem nenhum meio de comunicação nas últimas semanas, Sugar passava o dia dizendo repetidamente os fatos que costumava procurar na internet. Durante a viagem até Horn Springs, Harmony desejara algumas vezes que não tivesse sido achada perdida nas ruas de Lima.

Obviamente, depois de seu longo sermão de sobre como Harmony devia a todos eles por tê-la salvo e mais uma hora de reclamação sobre tudo o que acontecia na estrada, Sugar se tornava um pouco legal. Acostumar-se com aquela garota era uma das coisas mais difíceis que Harmony havia feito na vida, e isso incluía ter sobrevivido três dias seguidos correndo sozinha nos bairros de Lima à procura de um lugar para ficar.

— Eu já sei disso tudo, Sugar — Harmony interferiu, revirando os olhos. — As baratas sobrevivem a apocalipses como esse e uma invasão alienígena. Conheço você tem uma semana e sei praticamente tudo da sua vida.

Sugar apenas sorriu, dando de ombros.

— Não acho que ninguém aqui se preocuparia em matar baratas para mim — disse ela agradecida. — E você também quer ficar comigo, a gente divide um quarto numa casa enorme como essa.

— Eu só não entendo por que há baratas aonde você vá. Parece que você tem um imã ou coisa do tipo.

As duas riram. Acima de tudo, Harmony gostava de Sugar. Ela era extremamente irritante, mas tão fofa que facilmente anulava todos os seus defeitos.

A relação dela com os outros moradores da mansão era um tanto reservada. Sam era realmente legal com ela, assim como sua namorada, Mercedes — os dois pareciam os pais deles, inclusive brigavam como tal —; e Rory era o garoto irlandês mais fofo que conhecera.

Mas Sugar... Elas se combinavam, de alguma forma. Tudo que Harmony queria após ver seus pais sendo comidos vivos por walkers ao entrar em casa era algum porto seguro. Sugar parecia isso a ela.

— É essa casa — comentou Sugar sentando na cama. — Existem segredos nela por toda a parte. — Ela inspirou, fechando os olhos, como se sentisse a presença de algo. Harmony a encarou, assustada. — Bem, talvez devêssemos explorá-la mais tarde. Sam disse que vistoriou a casa inteira, então não deve ter perigo nenhum entrar no porão mais tarde.

Ela deu um sorriso malicioso ao abrir outra vez os olhos. A outra garota concordou lentamente. Agora que Sam, Santana, Quinn e Puck assumiriam a liderança e a normalidade começava a se instaurar por ali, arranjar aventuras que não envolviam armas e walkers parecia uma boa. Seria como tivesse voltado no tempo e Harmony passaria mais um verão brincando no porão dos avôs.

— Interessante — disse Harmony, sentando-se ao lado de Sugar. — Podemos chamar o Rory também. Hoje à tarde, então?

Sugar concordou com um sorriso.

***

16 de Março de 2012

Arsenal, Mansão do Sam, TN

11:45 AM

Havia muito tempo que Quinn se sentia tão bem. Ela tinha certeza de que sua felicidade irradiava em todos na casa, pois nunca vira Puck e Sam queimando walkers nos fundos da mansão cantando alegremente.

Depois de ter ensinado a Rachel a usar uma arma da maneira mais difícil (não podia se culpar, ela aprendera da mesma forma) e Santana ter pegado elas se beijando no quintal — agora ela só fazia piadas idiotas sobre as duas —, Quinn e Rachel entraram na mansão, ambas envergonhadas demais para olhar para Santana por pelo menos uns bons minutos.

— Ei, espera — chamou Quinn tão logo Rachel colocou o pé na escada para ir ao segundo andar. A garota virou-se, franzindo a testa. — Preciso te mostrar algo.

A expressão de Rachel ficou mais confusa ainda quando Quinn pegou sua mão e puxou-lhe para baixo. Os dedos de Quinn formigavam gostosamente, uma sensação que ela nunca sentira causava borboletas em seu estômago. Queria rir, mas se conteve.

Ela parou em frente a uma porta ao lado do hall e a abriu. Rachel soltou a mão dela imediatamente, horrorizada. A bolha de felicidade no coração de Quinn estremeceu um pouco. No entanto, ela apenas deu um sorrisinho contido.

— E-eu não vou entrar aí — disse Rachel, trêmula.

— É necessário, Rachel — contrapôs Quinn bondosa, estendendo a mão a ela novamente. A garota recuou.

Levou alguns minutos para que pudesse convencê-la a entrar. Ainda assim, Rachel apertava a mão de Quinn tão forte que começava a doer. Tinha que admitir que talvez estivesse forçando demais Rachel para o mundo apocalíptico. Mostrar o arsenal do grupo logo após de ela ter matado seu primeiro zumbi talvez fosse muito além da compreensão da garota.

Sam mostrara a sala para ela, Santana e Puck durante o fim da tarde no dia anterior. Quinn ficara impressionada, pois parecia que as armas que tinham em Lima não eram tantas quanto as que estavam ali. Havia uma mesa enorme carregada de munições de todos os tipos. Nas paredes, rifles e espingardas decoravam como se fossem quadros de obras de arte. As pistolas, revólveres e armas menores tinham um lugar num armário embaixo da mesa de munições.

Quinn tirou uma gaveta do armário, onde havia mais ou menos dez ou onze pistolas, e a colocou em cima da mesa.

— Escolha uma — falou Quinn depois de finalmente desgrudar sua mão de Rachel.

Rachel arregalou os olhos.

— É obrigatório? — perguntou com uma risadinha cavernosa.

Quinn assentiu, deixando Rachel procurar por uma arma que lhe interessasse. Infelizmente, ela ficou parada no mesmo lugar, parecendo petrificada.

— Quinn, mas eu tenho sua adaga! — tentou argumentar Rachel desesperada.

— Rachel, quer mesmo esperar que um daqueles merdas chegue a dois metros de você para poder atacar? — perguntou Quinn de forma tranquila, pegando uma pistola da gaveta e a entregando a Rachel.

Rachel fez um som estranho com a garganta que Quinn presumiu ser um não. Ela parou de analisar a sala e insistiu mais uma vez para que Rachel pegasse a arma. O desespero em seus olhos não a abalou.

— Beleza — murmurou Rachel a contragosto, tirando a arma das mãos de Quinn. Ela tentou puxar o ferrolho, porém a outra a impediu.

— Está descarregada. — Rachel deu um suspiro, decepcionada. Quinn deu uns tapinhas em seu ombro, solidária. — Anda, vamos. Está quase na hora do almoço e eu vou dá-lo a Beth hoje.

Rachel pôs a arma nas suas costas e sorriu. Quinn e Puck tinham combinado em trocar os turnos enquanto estivessem cuidando de Beth. A escala mudava de um dia para o outro, mas Quinn estava feliz. Não precisava cuidar de Beth o dia inteiro — ou se preocupar com ela, pois Puck era o melhor pai do mundo. Era uma coisa boa, revezamento.

Seus dedos formigaram outra vez quando Rachel pegou sua mão e puxou para fora do arsenal.

***

16 de Março de 2012

Sala de Música, Mansão do Sam, TN

02:40 PM

— Qual é sua última lembrança?

A pergunta de Quinn não pegou Rachel de surpresa. Ela já esperava, só estava contando os minutos para que Quinn levantasse o assunto de suas memórias perdidas.

A garota franziu a testa, dedilhando lentamente as teclas do piano. Rachel encontrara a sala de música no primeiro andar da mansão enquanto explorava a casa com Quinn. Ficou animada ao ver os instrumentos musicais, pensando que estava realmente a salvo do mundo lá fora agora que tinha sua perfeita válvula de escape.

— Lembro-me de Finn... — disse Rachel após uns minutos, tocando uma melodia suave. — Eu e ele sentados na varanda da minha casa. E depois tudo vira um borrão.

Quinn soltou um muxoxo avisando que entendera. De costas para ela, Rachel sentiu um nó na garganta. Imaginou que fosse por causa das lembranças (pensar em Finn ainda lhe causava calafrios), mas não. O silêncio que vinha de Quinn a fez pensar que a garota não estava muito confortável.

Era explicitamente óbvio por que. Rachel amava Quinn de uma maneira que jamais amaria outra pessoa na curta vida que provavelmente teria. E, no entanto, sua última lembrança era com Finn. Seu cérebro poderia estar se acostumando com a realidade bizarra em que se encontrava, mas ainda estava preso de alguma forma à antes de seu coma.

Rachel parecia não levar em consideração o fato de que durante seu período de coma, Quinn era a pessoa que mais aparecia em seus sonhos intermináveis. Que ela havia pegado a mão de Quinn para poder finalmente acordar. Rachel ignorava o fato de estar ali, agora tocando uma melodia mais pesada no piano numa mansão no Tennessee, por causa de Quinn.

— Eu ensinei essa música a você — comentou Quinn de repente, o que fez Rachel quase pular do banquinho, espantada.

— O quê? — ela indagou surpresa. Mesmo com a informação, não parou com a música.

Quinn riu.

— Você tá tocando Alice, da Avril. — Rachel se sobressaltou ao ver que Quinn estava ao seu lado no banquinho apertado. A outra garota, entretanto, sorriu e fez sinal para que ela continuasse a tocar. — Eu te ensinei a tocá-la.

Um flash de imagens passou pela cabeça de Rachel rapidamente. Ela e Quinn deitada em cima de livros... Quinn dando um sorriso maroto... As duas sentadas num banquinho em frente a um piano branco... O rosto de Quinn tão concentrado ao executar as notas que Rachel não se decidia entre observar a garota ou suas mãos ágeis...

— Nós estávamos lendo latim e... — continuou Quinn, porém Rachel a interrompeu.

— Eu fiquei entediada e você me prometeu ensinar uma música se eu voltasse a estudar mais tarde — completou tão rápido que sentiu uma pontada de dor atravessar sua testa. Ela tirou as mãos das teclas do piano e as colocou na cabeça instintivamente.

Quinn olhou para Rachel num misto de assombro e preocupação.

— Você se lembrou... — disse num murmúrio. Depois, sorriu. — Rachel, você se lembrou!

— Acho que sim — falou a outra, a dor na cabeça começando a se dissipar. Ela abaixou as mãos e sorriu para uma animada Quinn. — Já foi um dia, faltam agora só seis meses.

Nem seu tom desmotivou de Rachel tirou a alegria de Quinn. Ela puxou Rachel sem cerimônia para perto de seu rosto e deu-lhe um selinho demorado. Rachel sorriu internamente, se perguntando se Quinn lhe beijaria sempre que fizesse algo certo. Definitivamente, não reclamaria se isso acontecesse.

— Quinn Fabray! — exclamou Santana ao abrir a porta da sala, assustando as duas garotas. — Espero que já tenha tido seu tempo para transar com Rachel, pois nós vamos ao condomínio agora!

Quinn desviou o olhar de Rachel e corou até as orelhas, enquanto a outra simplesmente riu.

— Vai lá. — Ela se inclinou para perto de Quinn de novo e tocou seus lábios de leve. Santana, no batente da porta, fingiu vomitar. — Eu cuido de Beth. Vejo você mais tarde.

Quinn levantou-se animada e deu uma piscadela para Rachel. Santana deu tapinhas nas costas da garota quando passou por ela.

— Relaxa Rachel, vou cuidar da sua garota como se ela fosse uma latinha de Coca, digo... Brittany. — E fechou a porta, confusa com suas próprias palavras.

Rachel riu, mas não se preocupou.

Por que sabia que Santana cuidaria.

***

16 de Março de 2012

Terraço, Mansão do Sam, TN

03:17 PM

— O que está fazendo aqui, Brittany? — indagou Mercedes, encostada no batente da entrada do terraço da mansão. — Não deveria ter ido com os outros?

Brittany meneou a cabeça sem olhar para a outra. Sam lhe deixara observando o gerador, estudando-o para que talvez pudesse consertá-lo. Separar-se de Santana não fora algo fácil (mesmo que um grito a pudesse trazer de volta), mas superaria. As duas estavam fazendo isso para um bem maior, afinal.

— Sou a melhor atiradora do grupo e eles não deveriam fazer barulho — disse ela, o tom amargo preso na garganta. — Além disso, o gerador precisa de ajuda.

Ela virou-se para Mercedes, pedindo para que ela fosse embora. A garota acenou que compreendera e saiu do terraço. Brittany voltou sua atenção ao pequeno cômodo onde o gerador se encontrava, andando em sua direção. Abriu a portinhola e encontrou o maior gerador que havia visto na vida. Perguntou-se por que a família que morava ali antes o queria. Talvez a energia que vinha de Nashville não fosse o suficiente.

Brittany deu uma olhada no cômodo rapidamente. Deu um passo para dentro e tropeçou num galão vazio de gasolina, causando um barulho enorme para o silêncio mortal em que se encontrava. Tirou os cabelos loiros do rosto e notou que o pequeno lugar estava lotado de galões de gasolina. Vinte, vinte cinco, talvez mais.

Ela desviou-se de alguns e chegou perto do gerador. Sam já teria estado ali? Brittany começava a duvidar disso. O gerador provavelmente nem estaria com algum defeito. Pelo que Brittany pôde tirar da grande quantidade de galões ali, era apenas falta de gasolina.

— Idiotas — murmurou revirando os olhos. Brittany procurou o tanque do gerador e tirou a tampa dele, dando uma olhada rápida nele. Não se surpreendeu ao encontrá-lo quase vazio. — Por que ninguém fez o favor de subir aqui?

Continuou a xingar e amaldiçoar os colegas sem realmente querer enquanto pegava um recipiente cheio e o despejava no tanque. Jogou o galão no canto mais escuro do cômodo e repetiu o processo outras três vezes, até ver a gasolina brilhando estranhamente perto de seu rosto.

Um grunhido ecoou pelo quarto, tirando a total atenção da garota no tanque. Brittany tirou os olhos do botão que ligava o gerador, engolindo em seco. Procurou por sua arma, mas encontrou o coldre vazio. Xingou-se internamente por deixar a pistola desmontada em seu quarto. Droga Brittany, por que você tinha que ser tão burra às vezes?

Outro gemido. O que quer que fosse — e ela esperava muito que fosse só mais outro errante —, estava perto. Ainda falando palavrões a si mentalmente, Brittany pegou um galão vazio e apontou para o nada.

Não pense, uma voz dizia na sua cabeça sempre que estava sobre pressão. Aja tranquilamente. Respirou fundo. Os ouvidos aguçaram. A visão melhorou. As batidas do coração diminuíram gradativamente. Não pense.

Brittany rumou o galão vazio com toda força à sua esquerda. Seu semblante não mudou ao som do crânio do errante ser amassado e jogado contra o tanque do gerador. Não mudou quando ele caiu esparramado no chão, nem ao pisar suas botas de viagem na cabeça dele, só por garantia.

Ofegava ao terminar de carregá-lo para fora do cômodo. Limpou o suor da testa, decidindo por deixá-lo no terraço. Mercedes iria matá-la se descesse com um walker no ombro. Tentou limpar o resto do cérebro do zumbi de suas botas, mas desistiu.

Ela tinha consertado o gerador. Mercedes teria que aturar aquele tantinho de sujeira.

***

16 de Março de 2012

Primeiro Andar, Mansão do Sam, TN

04:35 PM

Rory estava confuso. Ele caminhava ao lado de Harmony em direção ao porão, só não entendia por que Sugar queria ir ali. Sam revistara a casa inteira antes de dizer aos outros que era seguro entrarem.

Sugar deveria estar biruta, pensou. Uma pequena rajada de vento frio passou pela janela entreaberta, fazendo o garoto estremecer. Porque ele fora convidado àquela aventura, era o que mais queria saber. Não era tão corajoso contra as duas (mesmo não tendo medo de baratas) e podia contar nos dedos quantos walkers matara. Ele não tinha nada com que se orgulhar durante as últimas semanas, tivera sorte que Brittany o levara ao esconderijo dos outros garotos do Glee. Se não fosse por ela ou Quinn, estaria morto há muito tempo.

Quinn... Ele suspirou apaixonadamente, esperando que as outras duas não notassem. Rory tinha algo que ia além de admiração por ela. Havia alguma coisa em seu tom doce que fazer o coração do garoto palpitar. Os olhos verdes dela guardavam um mistério que Rory adoraria descobrir. Quinn levava qualquer pessoa ao desespero com aquelas suas roupas de roqueira e seus cabelos rosados.

Porém, Rory sabia que nada aconteceria. Quinn só tinha olhos para a garota nova, Rachel. Ele se sentia como um garoto que havia se apaixonado por sua babá. Suspirou outra vez, agora desapontado. Bem, pensou ele logo após abrir um sorriso, não fazia mal nenhum sonhar...

— Chegamos — anunciou Sugar num murmúrio, parando em frente a uma porta no fim do corredor. Podia ser quase cinco da tarde, mas a lanterna que Harmony segurava estava acesa e os dentes de Rory tiritavam de frio.

O garoto encarou a porta, duvidoso. Ela não tinha nada de diferente das outras portas da mansão — a madeira adornada e cheia de desenhos bizarros era a mesma —, mas Rory podia ouvir sussurros e grunhidos distantes. Ele esperava que viessem do lado de fora da casa. Engoliu em seco e olhou para os cabelos dourados de Sugar na sua frente.

— Quem vai primeiro? — perguntou ele, amedrontado.

Sugar virou-se para o garoto, sua cabeleira batendo no rosto dele. Rory tossiu. Harmony estreitou os olhos para ele, provavelmente se perguntando o que ele falara.

Meses morando aqui e ainda nem sabe nosso sotaque — Rory ouviu Sugar resmungar enquanto voltava sua atenção à porta. — Eu vou primeiro.

Rory e Harmony se entreolharam, mas não discutiram. O único medo que Sugar tinha era de baratas, aquele mundo para ela não passava de uma grande aventura. Os dois se afastaram alguns passos quanto Sugar abriu a porta num chute que Rory sinceramente esperava não chamar a atenção das garotas no andar de cima.

— Lanterna — pediu ela determinada. Harmony estendeu o objeto e Sugar o pegou, rodando-o entre os dedos. — Sigam-me.

Rory hesitou um instante. Sugar e Harmony cochichavam enquanto desciam as escadas do porão, o que o fez sentir ainda mais inútil. Quer dizer, como elas podiam agir tão naturalmente quando não sabiam de nada que havia ali embaixo? Como ele, um dos garotos da turma, tinha que ser protegido sempre? Sua falta de coragem lhe perturbava, e muito.

O sopro gelado voltou ao corredor e Rory espirrou. Coçou o nariz, percebendo que não movera um músculo para entrar no porão. Fechou a cara. Podia ouvir os sussurros animados de Harmony e Sugar lhe chamando. Seu pai costumava lhe dizer que as pessoas só mudavam no fim do mundo.

Exatamente onde estava.

Sua primeira mudança foi seguir as garotas, e não sair correndo.

***

16 de Março de 2012

Porão, Mansão do Sam, TN

04:54 PM

Sugar já vira porões bizarros. Ela odiava quando ia para a casa de sua avó e a velha a fazia limpar suas quinquilharias do porão. Só de se lembrar das fantasias assustadoras que sua avó guardava, um arrepio percorreu sua espinha.

Mas nada se comparava àquilo.

Talvez a fraca iluminação vinda da pequena janela contribuíra para dar ao lugar um ar totalmente arrepiante. A lanterna de Sugar iluminava apenas o que estava à sua frente. A luz passou por caixas de televisão e videogames vazias, troféus de futebol brilhantes (os mais novos datavam do começo do ano) e brinquedos estranhos, que fazia Sugar reconsiderar a ideia de que baratas era seu único medo.

A respiração pesada de Harmony perto de seu pescoço fazia os pelinhos da sua nuca eriçar. Ela queria mandar a garota se afastar, mas se conteve. De alguma forma, saber que não estava sozinha ali acalmava ela um pouco. Os passos desastrosos de Rory na escada também tiveram certo efeito sobre ela.

Ouviu Rory tropeçar numa das caixas audivelmente. Sugar rolou os olhos e continuou andando entre as velharias. Encontrou algumas outras coisas estranhas, como algemas e cassetetes. Parou numa das mesas lotadas de tralhas e jogou a lanterna para Harmony, a fim de pegar nos artefatos.

— Espero que o cara que vivia aqui tenha sido policial — disse ela, pegando um dos cassetetes e fazendo alguns movimentos no ar. — Ou se não ele era apenas mais um louco pervertido com armas ilegais.

Harmony concordou, sumindo por atrás de algumas prateleiras no canto do porão. Rory, por outro lado, continuava parado no mesmo lugar, olhando ao redor determinado. Sugar deixou de lado o cassetete e parou com seus movimentos ninjas, encarando o garoto. As sombras no rosto de Rory o deixavam muito mais velho.

— Ei, o que foi garoto irlandês? — perguntou curiosa, avançando alguns passos na direção dele, mas Rory a parou com um gesto de mão.

— Tem algo errado aqui — disse num sussurro. Sugar levou uns segundos para entender o que ele tinha falado. — Aqui tem walkers.

Sugar estava prestes a dar uma risada, dizer que Sam revistara a casa toda antes de deixá-los entrar, que estavam ali apenas por pura curiosidade, quando um grito vindo das prateleiras do fundo fez seu sangue gelar.

Harmony veio correndo, respirando com dificuldade e tropeçando ocasionalmente até parar na sua frente. Sugar engoliu em seco, procurando desesperadamente por visíveis mordidas de zumbis na garota. Ao não ver nenhuma, empurrou Harmony para o lado e brandiu o cassetete que continuava em sua mão, pronta para a luta.

Entretanto, Rory pegou a arma num movimento rápido e correu por aonde Harmony viera. Estupefata, Sugar nada fez além de aceitar o pedido de Harmony para um abraço e englobá-la em seus braços. Decidiu também que aquela não era a hora certa para perguntar por que ela estava tão aterrorizada por causa de um ou outro morto-vivo.

Os sons de Rory esmagando o crânio do zumbi pareceram durar a eternidade. A garota estava igualmente curiosa para saber da repentina mudança de diretriz dele — Rory geralmente era o garoto atrás da linha de tiro, esperando tudo acabar —, mas deixou para lá. Provavelmente não entenderia por conta de seu sotaque forte.

Finalmente Rory surgiu por trás das prateleiras, o rosto molhado de suor, mas com um sorriso satisfeito no rosto. Sugar acenou para ele com a cabeça, percebendo que ainda estava abraçada à Harmony. Ela corou e soltou-se da garota delicadamente.

— Foi horrível — disse Rory, empurrando as duas para fora do porão rapidamente. — Sei lá quanto tempo eles estavam presos aqui, mas ele tinha começado a comer a outra. E não num sentindo pervertido.

Sugar deu um soco no ombro dele enquanto fechava a porta do porão. Lançou um olhar a Harmony e compreendeu por que ela estava daquela forma: ela encontrar o pai zumbi devorando a mãe ao entrar em casa. Havia fugido desesperada, e trombado com Sam durante a saída deles de Lima. Ver a cena horrorosa do porão deveria ter feito lembrar-se de tudo.

— Precisamos conversar com Sam seriamente sobre isso — disse Sugar determinada, chegando perto de Harmony e a abraçando de novo. Ela não entendia, nem sabia por que, mas parecia que estar perto de Harmony era a coisa certa a se fazer naquele momento. — Os walkers.

Os outros dois assentiram. A cabeça de Harmony pendeu em seu ombro. Sugar corou furiosamente ao notar o quão quente o corpo dela era. Concentrou-se em Rory, andando centrado ao seu lado, e deu uma risadinha ao ver que ele continuava carregando o cassetete cheio de sangue.

Apesar de tudo, Sugar sentia que havia encontrado seu grupo de verdade, dentro daquele grupo maior.

***

16 de Março de 2012

Cozinha, Mansão do Sam, TN

05:18 PM

— Eles ainda não voltaram? — perguntou Harmony assim que chegou à cozinha, preocupada.

Mercedes negou com a cabeça. Ela se ocupava em abrir latinhas em conserva e colocá-las para ferver, mas a expressão perdida dela também representava muito bem Rachel e Brittany. Somente Beth, que estava como sempre alheia a tudo, dava risadas dos brinquedos que Rachel segurava para ela.

— O condomínio é grande — disse Rory, sem graça.

Brittany o encarou com raiva. Rachel ofereceu o banquinho ao seu lado do balcão da cozinha para ele, ignorando o cassetete que ele segurava pingando sangue. Rory hesitou, mas sentou-se, pondo uma distância considerável entre eles. Sugar e Harmony fizeram algumas caretas para Beth, porém preferiram ficar na mesa de jantar.

Rachel sentia-se como aquelas garotas da época da guerra, esperando os namorados que talvez jamais fossem voltar. É claro, ali ela estava esperando Quinn e as duas não namoravam... Mas, na sua cabeça, tudo era comparável. Brittany e Mercedes também estavam tão preocupadas quanto ela, porém, pelo menos, as duas tinham algo com o que se distrair.

Enquanto Mercedes preparava o jantar com seus enlatados (hoje era beterraba, espinafre e salsichas), Brittany se ocupava em montar e desmontar o comunicador, procurando por todas as estações de rádio algum contato com o mundo exterior, às vezes soltando alguns palavrões — o que achava estranho, pois ela sempre era contra eles — e outras palavras que não faziam sentido nenhum a Rachel.

Ela sorriu para Rory, mas o garoto estava brincando com Beth e não lhe deu atenção. Rachel tinha a leve impressão de que ele a estava ignorando... Deu de ombros e observou a proximidade com a qual Sugar e Harmony discutiam. Pelas expressões de Sugar, era algo sério. Ela tentava gesticular, porém a falta de espaço entre as duas a fazia sempre bater sua mão em alguma parte do corpo de Harmony.

Rachel franziu a testa, e antes que pudesse fazer mais uma de suas perguntas indiscretas sobre o relacionamento das duas, Harmony levantou a cabeça e disse em voz alta:

— Sam não revistou a casa direito.

Brittany deixou cair uma peça do rádio; Mercedes, contudo, fingiu não ouvir. Rachel permaneceu quieta. O silêncio foi quebrado com uma gargalhada forte de Beth e Rory.

— Walkers aonde? — indagou Brittany, esquecendo-se do rádio e sacando sua pistola. Rachel estranhou, pois parecia que a garota sabia de algo a mais. Tudo o que Brittany contara foi que havia posto gasolina no gerador.

— Eu os matei — disse Rory com o dedo indicador preso dentre a mãozinha de Beth. — No porão.

Ela assentiu, pondo a arma de volta ao coldre e sentando.

— Achei um dentro do lugar onde está o gerador. — Ela bufou. Rachel entendeu seu drama: para Brittany, faltar gasolina no tanque do gerador não era um problema de proporções nacionais, e sim muita burrice. — Nenhum de vocês subiu ao telhado quando chegaram?

— Não — responderam Sugar, Harmony e Rory simultaneamente.

— Mercedes...? — chamou Rachel, quebrando o silêncio que havia se instaurado. — Você sabia disso?

Mercedes parou de picar seja lá o que estivesse picando e encarou Rachel. Seus olhos cintilavam perigosamente. Rachel se encolheu um pouco em seu banco, entendendo por que ela era a “mãe” de todos ali.

— É claro que não — respondeu ela, jogando os braços para cima, exasperada. — Estávamos a dias viajando sem rumo nenhum! Depois daquela reserva florestal em Ohio, este foi o melhor lugar que achamos. Não podem culpar Sam pelo seu desespero em manter todos salvos, ou podem?

Rachel engoliu em seco e apressou-se em concordar. Nunca vira Mercedes tão irritada. Por outro lado, Brittany estava impassível.

— Tem quase duas semanas que estão aqui... — ela contou nos dedos — Por que ele não revistou os lugares em que, sei lá, alguma pessoa poderia pensar em ir?

— Estava muito ocupado arrumando os que já tinham achado — respondeu Mercedes de mal-humor. — Agora saíam da minha cozinha.

Ninguém discutiu. Sugar puxou Harmony para perto dela e disse que iam para seu quarto. Rory apontou estupidamente para o cassetete e falou em limpá-lo no tanque do lado de fora. Rachel pegou Beth da cadeirinha e pôs em seu colo, seguindo Brittany e o comunicador para a sala de estar. Ela se acomodou na poltrona, brincando com a garotinha enquanto Brittany ocupou o sofá de três lugares.

— Aquelas duas nasceram para ficar juntas — comentou Brittany, parecendo não importar com a discussão com Mercedes. Ela colocou o rádio completamente montado e ainda sem sinal na mesinha de centro.

Rachel olhou para ela, lutando para tirar as mãozinhas de Beth de seu colar, e riu.

— Sugar e Harmony? Acho que não — replicou, cética.

Brittany fechou os olhos e deitou a cabeça no braço do sofá, se esticando toda sobre ele.

— Foi o que Santana disse quando mencionei sobre você e Quinn, e olha só no que deu.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que esse capítulo mal vimos Santana ou Sam ou qualquer um dos outros personagens, mas eu queria explorar um lado mais "irresponsável" dos meninos - que eu julgo ser nosso trio, Rory, Harmony e Sugar. Espero que entendam que não será sempre Faberritana que irá comandar a fic.
Mas e aí? Gostaram de Sugarmony? Eu sei que deixei vocês tensas para o próximo capítulo (onde terá algumas surpresas)... Mas eu espero reviews de vocês sempre e até o próximo!