Código Zero escrita por Rhyca Corporation


Capítulo 12
Capítulo 11 - Fora dos Trilhos




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   A viagem iria durar pelo menos um dia então, tivemos bastante tempo para nos conhecermos. Minha impressão foi de que a Anelise era muito tímida. Ela evitava nos olhar diretamente e sempre tirava a vista quando isso acontecia. Achei melhor puxar assunto com ela, para fazê-la se sentir a vontade:

 - Err... Então, que tal nos apresentarmos enquanto estamos aqui? Bem, eu sou Shion Walker, assistente do Alexis Schiffer. Prazer em conhecê-la.

 - E eu sou Swan, assistente da Lewinsk, a general responsável pelo setor nove.

 - P-prazer. - Ela disse em um fio de voz. - Sou Anelise, assistente de Blackgate.

 - Blackgate não é aquele general que vive dormindo pelos cantos? - Swan perguntou

   Anelise não respondeu, mas seu rosto ficou completamente vermelho, e mais que depressa ela voltou a olhar para o chão.

 - Não precisa falar assim Swan. Tenho certeza que Blackgate se esforça muito, a maneira dele. - Eu falei, tentando melhorar a situação.

   Mas eu também duvidava que Blackgate trabalhasse direito. Ele era muito parecido com o shishou, se é que dá pra me entender. De qualquer forma, o resto da viagem acabou sendo feita em silêncio absoluto, deixando um clima constrangedor no ar.

   O caminho até a cidade de Cannonville era bastante longo, então nós teríamos que dormir no trem mesmo. Obviamente, eu e Swan dividimos um vagão, e Anelise ficou sozinha em outro. Swan aproveitou para conversar um pouco comigo:

 - Estranha a assistente do oito né? Bem arredia.

 - Ela é bastante tímida mesmo. Isso deve dificultar um pouco o trabalho dela.

 - Dificulta nada. Já faz uns cinco anos que ela trabalha como assistente dele.

 - Estranho que ela continue tão tímida então. Os assistentes estão sempre correndo de um lado pro outro, tem que falar com um monte de gente...

 - Verdade, mas o pessoal da área oito é muito fechado. Eles raramente mantém contanto com o pessoal de outros setores. Ela não deve ser assim com o povo do oito.

 - Acho que faz sentido... Acho melhor dormirmos, pois amanhã teremos muito que fazer. Boa noite.

   Apagamos as luzes e nos deitamos. Passei a noite tentando dormir, mas por algum motivo, não consegui fazê-lo. Swan, por outro lado, parecia estar dormindo profundamente, porque até babando ele estava!

   A fome me visitou e, inevitavelmente, fui até a lanchonete do trem. O que me surpreendeu foi que a Anelise também estava lá. Era uma chance perfeita para que pudéssemos conversar e quebrar aquele clima tenso da nossa ultima conversa.

 - Boa noite Shion. – Ela falou ainda de costas para mim. – Também está sem sono?

 - Estou. Também fique com fome e por isso vim até aqui. Eu só queria dizer que...

 - Tudo bem. Eu sei o que todos acham do Blackgate, mas vou mudá-lo. Sem dúvida eu irei mudá-lo. Vou mostrar para todos que acharam que ele não era de nada...

 - Calma... Não vim para brigarmos nem nada. Só achei que eu devia ter dito o que não disse antes.

   Ela me pareceu bem diferente de quando a conhecemos. Ela estava determinada e isso se via claramente em seus olhos. Era como se ela se sentisse culpada pelo general ser assim. Tentei conforta-lá:

 - Olha, eu só acho que você não deveria se sentir tão responsável pelo seu general. Ele já é adulto e sabe o que faz...

 - Não, ele não sabe. Todos zombam dele como se ele sequer fosse. Prometi para mim mesma que iria mudá-lo.

 - De qualquer forma, o que eu queria dizer é que também tenho um general com a personalidade parecida com o seu. Ás vezes eu perco a paciência, mas com o tempo ele vai mudando. De vez em quando, me sinto responsável por ele, mas ele já tem apresentando mudanças desde que entrei aqui. Você não precisa carregar tudo sozinha e nem arcar com um problema que não é seu. Não estou dizendo para deixar de lado o Blackgate, mas para ter um pouco mais de compreensão. Eles são preguiçosos, mas se pressionados da maneira certa, trabalham direitinho. Digo isso pelo shishou. Talvez você não tenha arrumado o jeito certo de fazer isso, então mude os métodos. – Falei com uma expressão alegre no rosto.

   Ela me pareceu confusa com tudo que havia ouvido e permaneceu em silêncio.

   O trem balançou bruscamente logo depois de ouvirmos o som de uma explosão. Os passageiros que ainda estavam acordados gritaram enquanto o trem tombava para esquerda.

   Corri para a janela para ver do que se tratava e antes que eu pudesse ver, o trem se inclinou ainda mais para a esquerda, em direção ao penhasco. Joguei meu baralho no chão e peguei um Ás de Paus e, pela janela, fiz uma grande ponte de pedra para que o trem não caísse, ligando os dois lados do penhasco. Pedi para a Anelise acordar o Swan para me ajudarem com aquilo.

   Cipós agarraram o trem e foram lançados para a outra extremidade do penhasco, fazendo com que o trem não virasse. Eu não sabia de onde aqueles cipós tinham surgido, mas eles estavam ajudando bastante.

   Saí pela janela para ver o que tinha acontecido e me deparei com um grupo de GARGOYLES. Havia pelo menos uma dúzia deles. Cheguei à conclusão de que estávamos perto do território do BARON de gelo, por haver tantos inimigos num só lugar.

   Mais uma vez, o vento estava contra mim, me impedindo de lançar cartas e me forçando a lutar corpo a corpo. Corri até o grupo e comecei o ataque.

   Eu desviava com rolamentos enquanto atacava com o naipe de Paus, congelando-as. Na medida em que eu conseguia desviar dos ataques, percebi a diferença que esse ultimo mês havia me proporcionado. Lutar contra GARGOYLES estava muito mais fácil do que da ultima vez!

   No momento em que me descuidei, uma GARGOYLE apareceu atrás de mim, mas só fui perceber quando ela estava perto demais para eu fazer algo. Seria um golpe certeiro. Até que...

 - Chuva de destroços! – A voz do Swan chegou até mim. – Não deixe sua guarda tão aberta Shion!

 - Te devo por essa. Onde está a Anelise?

 - Foi preparar um ataque surpresa. Apenas as distraia para ganharmos tempo pra Anelise.

 - Certo!

   Desviamos de algumas e atacamos outras e nada da assistente do oitavo esquadrão. De repente, no alto do trem, estava ela com uma expressão séria no rosto. Anelise fechou os olhos e aproximou as mãos. No meio delas, surgiu uma luz verde e, ao abrir os olhos, ela separou as mãos, fazendo com que uma rede verde, parecida com uma de pesca, aparecesse. Segurando por uma mão, ela girou a rede no alto e a lançou no grupo de GARGOYLES enquanto gritava “Videiras de Sangue”.

   De fato, a rede parecia ser feita de videiras, mas eu não havia entendido o porquê do nome da técnica.

   A rede brilhou num verde forte enquanto as inimigas se contorciam e secavam. Anelise também apresentou o brilho verde enquanto ficava de olhos fechados e com as mãos juntas na altura do tórax. A rede se desfez juntamente com as GARGOYLES.

   Fique completamente sem palavras. Que tipo de técnica era aquela? Era algo maravilhoso de se ver. Parecia algo celestial embora o nome contradissesse com a cena vista.

   Quando achávamos que tudo havia acabado, era somente a ponta do iceberg. Tivemos duas problemáticas depois da luta: A de tranqüilizar e levar os passageiros do trem até um local seguro; e arrumarmos um jeito de chegarmos até o território do Zardmaru.

   Depois que os passageiros estavam seguros, recebemos uma notícia incômoda: teríamos que esperar o próximo trem passar, e ele só chegaria em 27 horas. Não tínhamos tempo a perder, então tivemos, infelizmente, que ir a pé.

   Eu já falei o quanto odeio longas caminhadas? Aquela tinha tudo para ser uma das piores. Analisamos um mapa e chegamos a conclusão que levaríamos cerca de oito horas para chegar a Cannonville. Sem parar hora nenhuma, nem para descansar ou para comer.

   Uma vez que ninguém consegue andar oito horas seguidas, estimamos o tempo de chegada em doze horas. Também teríamos que tomar cuidado com eventuais inimigos. E tinha Anelise. Eu não sabia dizer se ela era resistente ou não. Se ela se cansasse demais, seríamos obrigados a parar.

   Não foi uma caminhada feliz. Estávamos na primavera, mas o clima dizia o contrário. Estava fazendo um calor infernal, eu não tinha dado três passos e já estava todo suado. Já Swan repetia sem parar:

 - Tudo por Lewinsk-sama, tudo por Lewinsk-sama...

   Anelise usou sua habilidade para criar uma espécie de sombrinha, feita de alguma planta desconhecida.

   Andamos por umas duas horas e paramos embaixo de uma grande árvore. Quase chorei de alegria. Sombra e lugar pra sentar. Só faltava a água fresca. Para minha tristeza, ficamos lá por pouquíssimo tempo.

   Continuamos nosso caminho, e chegou um ponto em que eu não enxergava mais nada, de tão cansado que estava. Cada passo era uma tortura, e o único alívio era a água que eu tinha levado. Depois daquela primeira parada, fizemos apenas mais três, de cerca de quinze minutos, para garantir que não perderíamos muito tempo.

   A água acabou quando faltavam cerca de duas horas para chegarmos lá. Normalmente não seria tão desesperador, mas o tempo estava tão quente... Quando a gente chegou, Anelise invocou um enorme coqueiro. Não era fã de água de coco, mas nas atuais circunstâncias me fizeram seu maior fã.

   Acho que bebi a água de pelo menos cinco cocos. Swan e Anelise também. Depois de saciar a sede, fomos procurar um lugar para ficar. Não seria muito fácil. Cannonville era quase uma cidade fantasma, grande parte em ruínas, e quase sem habitantes. A maioria deles eram idosos, que não tiveram condições de sair da cidade depois que ela foi dominada pelo BARON.

   Havia uma imensa mansão de gelo ao norte que obviamente era do Zardmaru. Teríamos também que arrumar um jeito de entrar lá sem sermos descobertos. E mesmo que fossemos, éramos três assistentes e poderíamos dar conta daquele lugar. Mas é claro que seria bem melhor se não chamássemos a atenção deles para evitarmos problemas desnecessários.

   Eu estava com muito sono por não ter dormido desde que entramos naquele trem. Por outro lado, Swan e Anelise pareciam não sentir nada.

 - Precisamos arrumar um lugar para passarmos a noite urgentemente. Meus olhos já não me obedecem mais... – Falei enquanto quase caia de sono.

 - Não se preocupe Shion. Deixe tudo por nossa conta. – Anelise falou enquanto uma leve brisa balançava os longos cabelos negros dela.

   Não vi mais nada depois disso.

   Não sei quanto tempo havia se passado quando me acordei, mas lembro que a primeira coisa que vi foi um telhado bem velho com vigas de madeira. Na minha direita estavam Swan e Anelise olhando para algum tipo de mapa no chão. Decidi perguntar o que estava acontecendo quando Swan virou-se para mim falando:

 - Que bom que acordou. Achei que você estava em coma! Você simplesmente apagou enquanto a gente falava.

 - Ah... Então foi isso... Peço desculpas pelo trabalho que dei a vocês. – Falei ainda sonolento.

 - Sem problemas. A Anelise conseguiu esse lugar para podermos planejar a nossa entrada na mansão do Zardmaru.

 - Por falar nisso, onde estamos? – Perguntei depois de perceber que não estávamos mais na rua.

 - Estamos bem aqui. – Ele falou apontando pra uma parte ao sudoeste daquele mapa. – É um galpão abandonado que a Anelise encontrou. Iremos entrar pelos fundos da mansão, que fica... Aqui! – Ele falou enquanto apontava outro local do mapa.

 - J-já consegui até um meio de entrarmos. – Falou a assistente do Blackgate ainda hesitante, enquanto puxava um segundo mapa da bolsa. – Usaremos a tubulação do esgoto para nos infiltrarmos. Podemos entrar por um bueiro que tem nos fundos desse depósito e sairemos dentro da casa do BARON.

 - Só teremos que te cuidado para não sermos vistos indo até o bueiro, já que ele fica muito exposto. – Disse Swan, completando o plano.

   Uma voz ecoou pelo galpão e ao procurarmos de onde vinha, pudemos distinguir duas silhuetas sobre as vigas de madeira.

 - Quer dizer que é só isso o plano? Que coisa simples, não é Kurikura?

 - É sim maninho. – Disse a segunda silhueta. – O Zardmaru-sama vai adorar saber disso.

   Zardmaru! Significa que eles trabalhavam para o BARON de gelo! Teríamos que dar um jeito neles antes que o plano chegasse ao ouvido de seu chefe.

   Nós três nos entreolhamos e acenamos levemente com a cabeça. Anelise lançou uma espécie de chicote de plantas que amarrou a segunda silhueta, puxando-a para baixo. Swan usou sua técnica: “Invocação dos Golens de Pedra” enquanto abria os braços e desenhava no ar um pequeno circulo ao redor de cada uma das mãos. Nick surgiu e rapidamente voou em direção a primeira silhueta, dando uma investida e o derrubando no chão de palha.

   Swan aproximou-se dos corpos caídos e depois de olhar para eles, virou-se para nós com uma expressão aflita e gritou:

 - É uma armadilha!

   Os supostos corpos explodiram.

   A palha que estava no chão começou a pegar fogo e uma enorme coluna de fumaça subiu entre os buracos do telhado. Fiquei paralisado com o que eu havia visto. Swan não poderia ter morrido ali afinal... Ele era um assistente! Era nisso que eu queria acreditar, embora aquela imagem me mostrasse o contrário.

   Aquela explosão tinha sido perto demais para ele ter escapado. Mesmo que ele usasse o Dom para fazer uma barreira, era impossível ele ter sobrevivido. Havia muita fumaça onde os falsos corpos tinham explodido e à medida que o fogo avançava, não tive opções a não ser sair daquele local.

   Anelise estava em choque e cobria a boca com as mãos enquanto estava de olhos arregalados. Lágrimas escorriam pelo seu rosto, limpando a sujeira que as cinzas haviam deixado.

   Mesmo sem nenhuma confirmação, saí daquele local levando a assistente em choque comigo. Eu também não queria acreditar, mas estava claro o que havia acontecido ali...

   Mas mesmo assim nós não poderíamos perder tempo! Duas pessoas sabiam do nosso plano e aquela imensa coluna de fumaça entregava nossa localização. Tentei acalmar a Anelise para que pudessemos prosseguir a missão, sem mais perdas.

 - A... Anelise. Temos que sair daqui por que...

 - Eu não quero continuar... Eu não quero continuar... Eu não quero continuar... – Ela repetia freneticamente enquanto parecia estar com o olhar distante.

 - Sei como se sente e posso dizer que também estou assim. – Falei enquanto segurava meus sentimentos. – Temos que prosseguir para compensarmos o sacrifício do Swan. Se pararmos aqui, seremos mortos e... – Algo salgado rolou sobra minha face enquanto falava. - ... NÃO QUERO VER MEUS COMPANHEIROS MORRENDO!

   A assistente olhou para mim assustada e aos poucos tirou a mão da boca e as cerrou sobre o peito. O olhar dela mudou drasticamente para algo cheio de ódio, inimaginável para uma garota doce e tímida como ela.

   Ainda em silencio, a garota se levantou e começou caminhando em direção a mansão. Depois de alguns passos, ela virou levemente o rosto em minha direção e falou:

 - Você não vem?

   Ela estava realmente assustadora. Nunca imaginei que a Anelise reagiria desse jeito.

   Enquanto eu me levantava, a garota fez um circulo no chão a sua frente e depois juntou bruscamente as mãos na altura do peito enquanto conjurava algo:

 - Raiz profunda, vinda de outro mundo, ordeno que seja aberto o portão do totem monstruoso: Magnus Plantae!

   O chão começou a rachar e uma luz verde apareceu por entre as rachaduras. Nela surgiu uma enorme criatura feita de madeira que parecia ter entre dez e treze metros de altura. Era uma criatura horrenda, mesmo vista pelas costas.

   O monstro emanava uma aura maligna, deixando o ar mais pesado e dificultando a respiração. Ele começou a andar em direção a mansão com Anelise sentada em seus ombros. Seus passos faziam com que tudo tremesse.

   Fique sem saber o que fazer, pois eu não seria capaz de pará-la naquele estado. Na verdade, acho que ninguém conseguiria...


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