Pele E Alma escrita por Lipe


Capítulo 5
Lembramos (continuamos)


Notas iniciais do capítulo

Gente, desculpem-me se ficou muito grande este capítulo, mas eu precisava acabar esse flash back, e tinha que ser agora! Bem, desculpe-me também a demora pra postá-lo, mas minhas leitoras lindas ♥ deixaram de comentar e eu fiquei desmotivado ~chantagens~ kkk.
Bom, o que eu tenho a dizer: Gostam de Shakeaspear? Gostam de Adele? Se a resposta for afirmativa, vocês irão gostar do capítulo. Boa leitura!



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Dei alguns passos para trás, também, depois de cair em mim. As lembranças recentes da sensação de beijá-lo, de tê-lo tão próximo me atingira como um soco no estômago, e eu recuei pensando no quão inocente eu havia sido por ter acreditado que ele corresponderia as minhas expectativas. “Idiota, idiota, idiota”, uma voz violenta e direcionada para mim gritava dentro da cabeça. Emendei:

– Desculpe-me, desculpe-me, desc...

Ele me silenciou tocando meus lábios com as pontas dos dedos.

– Não precisa se desculpar, não há o que desculpar. Apenas me deixe pensar um pouco, processar tudo o que aconteceu aqui nesta noite, lembrando-me do que foi dito, do que foi feito, do que foi sentido.

– Tenho tanto o que lhe dizer, simplesmente não consigo...

– Quanto aos teus desejos, você não precisa dizer mais nada, uma vez que seus atos demonstraram claramente o que você quer:

“Idiota, idiota, idiota”, cada vez mais alto na minha mente.

– Tudo bem – disse-lhe, sem mais ânimo para sequer meia palavra.

Retirei-me de seus sonhos, e me encolhi num dos cantos do quarto, junto à prateleira de livros. Continuei o observando dormir, dividindo-me entre a necessidade de tê-lo por perto e a vontade de correr pra longe - por mais que me doesse fisicamente -, para além dos limites da casa, para o infinito.

Ao mesmo tempo em que espectros de lágrimas brotavam na base dos meus olhos, havia fios invisíveis que as impediam de rolarem. Estes fios era o fato de que ele não havia dito sim, nem dito não. Eu só conseguia pensar no beijo, nos dedos dele em meus lábios, no toque daquela pele macia e quente, “idiota, idiota”.

Ainda que os ponteiros se delongassem para percorrer o relógio, dava pra notar que alguns longos raios de sol invadiam o quarto através das pequenas frestas da janela, anunciando que um novo dia amanhecia.

Mick parecia que não iria mais acordar, ainda que o despertador já tivesse anunciado o horário por duas vezes. Nunca pensei que fosse desejar isso, mas por onde andava a mãe dele para entrar no quarto fazendo alarde, abrindo cortinas e gritando “acorda dorminhoco”?

Esperei. Valeu à pena. Pouco tempo depois do meu “desejo secreto”, ela irrompera o silêncio do quarto, repetindo a mesma rotina de “cada dia nos daí hoje”, toda dona de si, certeira no ato de acordar:

– Vamos Mick, vamos dorminhoco! Ficou até tarde na internet ontem, não é?

Ele resmungou alguma coisa inaudível e virou seu rosto no travesseiro.

– Viu, se tivesse dormido quando mandei! Agora fica aí enrolando, doído pra se atrasar para o colégio. Hoje você terá horário pra dormir, e ai de você... Senão irá se ver com a cinta do teu pai!

– Mãe, está tudo sobre controle, já estou acordado, fique tranqüila – As palavras soando como se estivessem amarradas uma as outras, arrastadas.

– Vou arrumar o café, não demore! – Disse fazendo um nó na cortina, retirando-se em seguida.

Continuei o fitando. Queria saber o que se passava pela mente dele, mas seus olhos eram tão vazios... O corpo ia ganhando ânimo aos poucos, quando, de repente, num pulo ele se levantou, olhando ao redor, procurando por algo, espantando. Agora eu sabia o que se passava na mente dele: procurava por mim, pois havia se lembrando do sonho.

Ele se sentou na cadeira que ficava de frente ao computador, e começou a rodar no próprio eixo, olhando as paredes do quarto, o teto, os móveis, e a janela.

– Isso é loucura – balbuciou, parecendo encantado.

– Mick, você tem quinze minutos ou eu lhe buscarei pelas orelhas, garoto! – Gritou a voz feminina no andar de baixo.

Estou indo mãe! – bufou, ainda rodando, examinando cada canto do quarto.

Em menos de dez minutos, ele estava pronto, com mochila nas costas e dentes escovados. Ia fechando a porta, quando jogou para dentro do quarto algumas palavras:

– Até mais, meu amigo.

A porta se fechou, eclipsando um leve sorriso que havia nos lábios de Mick, e como um arco-reflexo, sorri em resposta. Ouvi os passos na escada, o alarme de carro e o motor roncando. Em pouco tempo eu estava só. Todas as manhãs (com exceção dos finais de semana, claro) a rotina da família se repetia, com Mick sendo levado para a escola pelo pai, enquanto sua mãe caminhava para um parque das proximidades levando consigo o menino mais novo, para aproveitar o dia que estava com um clima ameno e cinza.

Falando em cinza, esta segunda-feira fora a mais nublada de todas as outras segundas-feiras das quais me recordo. Não sei se essas nuvens carregadas de sombras estavam flutuando sob os meus olhos, ou se era uma característica intrínseca a este dia estranho. Eu estava ansioso, e diretamente proporcional as minhas expectativas era o tempo que mais passava devagar, de tal modo que eu quase podia tocá-lo com as mãos.

Ainda que o ambiente estivesse pesado e influído, as horas foram passando ritmadas pelo compasso das palavras que caíam na minha mente como conta-gotas “até mais, meu amigo... Amigo? Amigo” (resignei-me).

Esperei. Ouvi sons no andar de baixo, um choro de criança pequena, sacolas plásticas sendo abandonadas em cima da mesa; “Amigo... Amigo... Amigo? Amigo.” Quando parei para ouvir novamente, notei sons de talheres arranhando pratos. Disse para as paredes:

– Mick chegou em casa!

Rapidamente olhei para a sala de jantar, que ficava logo abaixo do quarto dele. Um processo simples: eu já estava sentando no chão, então fiz só enfiar minha cabeça através do carpete e olhar. Procurei por ele, na mesa, mas atipicamente, só ele não estava. Droga, ele havia feito isso de caso pensado... Ficar longe de mim, quer dizer, longe de casa logo hoje?!

E ele tardou a retornar. “Idiota, idiota...” Agora eu queria gritar isso para ele. Se a casa começasse a pegar fogo, eu não me responsabilizaria por isso... Bem, de qualquer forma, isso não aconteceu, nem aconteceria. Eu só fiz ficar na mesma posição, no canto do quarto, a tarde toda - o que, nestas horas, era ideal não ser mais “vivo”, pois minhas articulações, a esta altura, estariam totalmente comprometidas.

Quando ele chegou, já no fim do lusco-fusco, caía uma chuva torrencial com pingos grossos que mais pareciam pedras batendo na janela de vidro. A porta do quarto irrompeu a trilha sonora de vento e chuva a qual meus ouvidos estavam acostumados. Era ele. Assim que o vi meu coração sofreu um forte descompasso, por onde andava o ar que já faltava em meus pulmões?

Sua roupa estava completamente encharcada, seus cabelos escorriam pela face - que não demonstrava raiva por assim estar, pelo contrário, sorria o sorriso pelo qual eu apaixonara -. Fechou a porta e começou a tirar a roupa molhada, jogando-a no carpete seco - isto provavelmente lhe renderia algumas broncas da mãe, mas ele não parecia se importar nem um pouco.

A esta altura, ele vestia apenas roupa íntima enquanto envolvia a cintura com uma toalha seca que pegara dentro do guarda-roupa e, depois, saiu em direção para o banho. Enquanto lá ele estava, a mãe veio até o quarto, pegou a roupa molhada do chão, “mas este garoto não tem jeito mesmo, meu Deus, estes homens dessa casa ainda irão me enlouquecer!”.

Ele se trocou após o banho, jantou, fez o dever de casa e quando a noite já era constante no céu, excetuando a lua e as estrelas, veio se deitar. Não tardou muito, seu pai abriu a porta, surpreso pelo falo de o filho ter ido dormir mais cedo que de costume:

– Oi, filho.

– Oi, pai.

– Bem, subi até aqui para lhe por na cama... Sua mãe disse que você anda dormindo tarde pois fica batendo papo na internet e... Enfim, que bom que eu não terei de dar broncas em você... Pois eu te amo muito e quando tenho de me impor, dói mais em mim...

– Tudo bem, pai. Eu te amo muito, boa noite – beijou as mãos do pai que, após afagar os cabelos úmidos do filho e responder seu cumprimento, se retirou.

Passado um bom tempo, Mick conseguiu dormir. Eu fiquei indeciso, quanto ao que fazer (se deveria ou não entrar nos sonhos, depois do que havia ocorrido). Mas o fato de tê-lo ouvido balbuciar meu nome enquanto dormia me deu a certeza para fazer aquilo pelo que meu coração clamava.

– Olá!

– Oi, Mick, tudo bem?

– Sim, e você?

– Eu estou bem...

Estávamos oniricamente secos no centro de uma mata densa úmida e com chuva.

– Seus sonhos são bem criativos – disse a ele, referindo-me aos cenários.

– Eu tento...

Silêncio.

– Por que você demorou tanto hoje?

– Fui almoçar na casa de uma amiga, quis passar a tarde fora pra tentar pensar um pouco em tudo, na vida... Depois fomos ao parque, nos divertimos um pouco, lendo livros de baixo de uma árvore, andando de bicicleta, contando segredos, fazendo piadas uns com os outros.

– Fiquei um pouco preocupado – sorri sem graça.

– Obrigado, esqueci de avisar, na verdade, fiquei sem como, pois combinamos na escola mesmo de ir pra lá, só consegui ligar para mamãe pedindo permissão.

– Tudo bem...

Nosso diálogo se resumiu aos aspectos do dia dele e, para ser sincero, sempre que conversávamos era sobre o dia dele e o que ele havia feito – afinal, ele era o único que tinha "novidades" -. Todas as noites, a partir de então, sonhávamos juntos e ficávamos mais amigos. Visitávamos a China, noutra noite preferíamos ficar aqui pelas redondezas. Certa vez ele reconstruiu o parque que costumava freqüentar com os amigos, pra eu poder conhecer. Era muito bom.

O tempo passava e, mais que resignado, eu estava familiarizado com o fato de ser amigo, apenas amigo. Qual escolha eu tinha, querendo ficar perto dele sem afastá-lo de vez? Nenhuma.

No entanto, diferente do que eu já esperava, tudo mudou. Passados alguns dois meses, estávamos sentados em baixo da mesma árvore que havíamos nos conhecido. Ele repousava a cabeça no meu colo e lia em voz alta trechos de Romeu e Julieta, Ato I, Cena V:

“JULIETA - Dize-me como entraste e porque vieste. Muito alto é o muro do jardim, difícil de escalar,
sendo o ponto a própria morte - se quem és atendermos - caso fosses encontrado por um dos meus
parentes.
ROMEU - Do amor as lestes asas me fizeram transvoar o muro, pois barreira alguma conseguirá deter do
amor o curso, tentando o amor tudo o que o amor realiza. Teus parentes, assim, não poderiam desviar-me
do propósito.”

Ele terminou essas palavras e olhou para mim. Eu o olhei em resposta, com olhos de interrogação:

– O que foi, já acabou? Eu estava adorando!

– Não é isso, é que eu tenho algo que eu gostaria de lhe dizer... – ele se sentou fechando o livro que em poucos segundos desapareceria no ar. Eu o abracei pelos ombros, aproximando-o de mim.

– Pode dizer, você sabe que pode confiar em mim.

Nossos rostos separados por um breve e estreito espaço.

– É só que eu não sei como dizer...

– Desde quando nossa amizade tem espaço para isso? Diga-me como quiser, o que precisar dizer.

– Ok. Há uma música que eu ouço e... E eu a tenho ouvido muito ultimamente... Penso em você.

– Sério? – sorri ruborizado – E qual música é?

– Chama-se "Chasing Pavements", de uma cantora nova, Adele.

– Chasing Pavements, “Perseguindo Sonhos Impossíveis”? Poxa, legal, talvez porque nos encontremos nos sonhos, talvez seja isso... - sorri, ainda sem jeito.

– Não apenas... A letra da música diz muito mais. Prepare os ouvidos, vou cantar.

Sorrimos.

“I've made up my mind,

Don't need to think it over,

If i'm wrong i am right,

Don't need to look no further,

This ain't lust,

I know this is love but,

If i tell the world,

I'll never say enough,

Cause it was not said to you,

And thats exactly what i need to do,

If i'm in love with you,

Should i give up,

Or should i just keep chasing pavements?”


Ele não era um cantor profissional nem havia cantado como dissera que faria, de fato, apenas sussurrara as palavras no ritmo da música. Mas seus olhos e sua voz transmitiam tanta verdade que pra mim, era a canção mais perfeita e ele um interpretador idem. Eu ia elogiar, havia ficado completamente arrepiado, quando ele me interrompeu:

– “Should i give up, or should i just keep chasing pavements?” Pra mim, não deveria existir duas alternativas quando para esta pergunta há somente uma resposta: eu me rendo e quero perseguir estes sonhos, ainda que impossíveis.

– O que isso significa? – me fiz de desentendido, um pouco confuso, perplexo, tentando acompanhar seu raciocínio.

– Significa que eu te amo, que eu me apaixonei e eu não consigo mais resistir a esse sentimento...

Ele mal terminou de falar e me beijou. Ainda bem, pois depois do que me dissera eu não conseguia mais me mexer. Seus lábios trouxeram vida a minhas sinapses, só então caí em mim. Permanecemos abraçados, pensando no que estava acontecendo. Eu estava sonhando? Eu estava sonhando! Tive a certeza de que era o sonho mais perfeito - sonho com gosto de pra sempre.


Flash Back - OFF



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Notas finais do capítulo

E aí, gente, quero comentários para que eu continue a nortear e moldar a história de acordo com o gosto de vocês, também. Aguardo reviews, espero que tenham gostado. Até mais!



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