Dama de Sangue escrita por samgray


Capítulo 15
Adormecer...




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Passara das quatro da tarde e Livia ainda não tinha acordado. A preocupação dos pais acabou fazendo com que eles invadissem o quarto da menina para ganhar a garantia de que ela estava bem. Tentando acorda-la, tocaram seu rosto e a balançaram. Sentiram um arrepio frio partindo da pele gélida. Em desespero, buscaram o pulso dela. Mas ele não foi encontrado. Não haviam sinais cardíacos. Estava morta.

O pai da moça tentava tranquilizar sua esposa. Ela, sem poder controlar, desabara em lágrimas. E, num pequeno instante, toda a confusão que pairou por aqueles sete dias na mente de Livia passara para a de sua mãe. Ela já queria fugir da cena terrível que havia em sua frente, queria poder evitar ver a morte de tão perto, queria distância do corpo gelado, queria poder fingir que não sabia de nada e seguir com sua vida, sem se preocupar... Ao mesmo tempo que queria pegar novamente a pequena no colo, por mais que já não a aguentasse devido ao peso da idade. Queria abraça-la com força, queria se aproximar, queria ir com ela, para sempre. O impulso de aproximação foi, sem dúvida, o mais forte. 

Largou os braços do marido e correu para um abraço frio em sua filha. Não foi o suficiente para que o conforto lhe viesse. Não houve mais aquela troca de calor humano gostosa que geralmente existe entre com mais intensidade entre os braços de uma mãe e qualquer um de seus filhos. Não havia mais resposta ao carinho materno, não havia mais saída alguma.De repente lhe vinham os planos em mente, tudo o que Livia dizia que gostaria de ser. Dos tempos de mais nova quando falava que seria uma dentista, uma veterinária, uma atriz famosa... ou simplesmente rica. E os planos da juventude, com as ideias de uma carreira séria que ela jamais soube para onde iriam... Não iriam mais para lugar algum.

De repente lhe voltaram as brigas, as discussões da adolescência, a censura à que a menina fora submetida... De repente a vontade de ter feito tudo diferente e a saudade de ter feito tudo igual... 

Os pequenos pensamentos vinham depressa e passavam tão depressa quanto chegaram. Talvez fosse aquele pequeno filme que dizem que passa nas mentes durante a morte... Mas para aqueles que a assistem, o filme demora muito mais a passar. As lembranças se acumulam com o tempo e há tanto para se lembrar e para se arrepender. Os arrependimentos eram os maiores de todos, junto com ele a cruel impotência, a sensação de uma tarefa não cumprida.

Lembrava-se de ter Livia nos braços, assim que ela acabara de nascer. E já nascera com um destino tão belo traçado pelos pais. Queriam que fosse ela uma médica, que fizesse ballet como as outras meninas, que fosse alegre, que gostasse de cor-de-rosa, que sorrisse sempre... Mas, principalmente, que crescesse devagar para que o tempo não a levasse para longe aquele bebê tão cedo... Tiveram medo demais do tempo que passava tão depressa... E nem mesmo fora o tempo quem a levara.

Chamaram uma ambulância para tentar socorre-la, mas, apesar de toda a esperança do casal, o mal já estava feito e não havia como reverter a situação. Os homens só puderam confirmar a morte e mandar o corpo para análise a fim de descobrir meramente a causa daquela morte. Os pais deixaram que os procedimentos burocráticos fossem realizados, enquanto tentavam se conformar e avisar os conhecidos sobre o acontecimento.

Segurar o telefone e o choro ao mesmo tempo era deveras uma tarefa difícil. Como dar uma notícia se nem conseguiam acreditar que aquilo era, de fato, real? As pessoas do outro lado da linha tentavam oferecer algum consolo, mas nenhum deles fora suficiente para tirar a dor que a família, naquele instante, sentia. Uma única pessoa não tentou consola-los: Heitor.

Pareceu até mesmo mais abalado que a mãe da menina... Isso porque ela fora até ele pedir ajuda, gritar por socorro quando achou que fosse morrer exatamente naquela data e ele, simplesmente, deu-lhe as costas. Tentou conforta-la como se nada do que ela tinha dito fosse importante e não fez nada para impedir que aquela fatalidade se concretizasse. Heitor sentia-se como o próprio assassino de Livia. Podia sentir o sangue dela escorrendo por suas mãos enquanto ele a esfaquiava a mentir que tudo ficaria bem. Podia ouvir os gritos de Livia pedindo para que parasse e lhe estendesse a mão... E lembrava-se de sua cruel recusa para ajuda-la.

Entre lágrimas, decidiu ir até uma delegacia, ver se podia ser preso pelo terrível crime que julgava ter cometido. Sentia que precisava de um castigo, de um castigo maior do que o que estava sentindo. Achava que se tivesse que pagar pelo que fez de alguma outra forma, preferiria. Preferiria morrer para saldar sua dívida. Qualquer coisa era melhor que aquilo. Qualquer coisa era melhor que a crença de ter matado, quase que com as próprias mãos, a mulher que amava.


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Notas finais do capítulo

Não, a história não terminou aqui. Sim, a Livia, a personagem principal, morreu.