Utopia escrita por tsubasataty


Capítulo 20
Capítulo 19




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Agora quem estava pálida era eu.

Retirei minhas mãos dos ombros dela e as deixei penderem bambas, como se fossem somente um peso a mais.

-Como...? - indaguei, sem conseguir terminar a frase.

Heloísa pareceu ler minha mente e disse:

-Asfixia. Com gás de cozinha.

Mordi o lábio.

-Por que eles fariam isso? - falei em voz alta mais para eu mesma do que para a Heloísa.

-Eles devem ter se sentido culpados por você ter fugido - ela respondeu.

Eu ri com amargura. Num instante eu estava pasma e confusa, e agora sentia minha pele ferver de ódio por aqueles dois. Eles disseram que eu não deveria ter nascido e agora fazem isso?!

-Por que você está rindo? - Heloísa me perguntou sem entender.

-Eles são uns idiotas, Helo! - agora eu estava furiosa - Eles nunca me amaram. Nunca! E só porque fugi eles se matam?!

-Quem disse que eles não te amavam?

Cerrei os punhos. Eu não estava ouvindo aquilo.

-Eles mesmos. - Mesmo que não tenha sido na minha frente.

-Duvido - para meu espanto, Heloísa foi fria e seca ao dizer isso.

Fiquei sem saber o que responder. Ela continuou:

-Acho que você está confundindo as coisas. Eles cuidaram de você todos esses anos e mesmo você tendo câncer eles te levaram a médicos, pagaram exames e tudo mais. Como pode dizer que eles não te amavam?!

-Ah, você não ouviu o que eles falavam, Heloísa, as conversas sussurradas dos dois...

Ela desviou os olhos dos meus.

-Mas - minha amiga começou, ainda encarando a rua - você não quer nem passar perto da sua casa? Só para ver mesmo...?

Como uma chama em brasa que é apagada, minha onda de raiva cessou e eu refleti um pouco. Acho que não teria problema se eu fosse. Acho...

-Tudo bem, eu vou. Mas ninguém pode me encontrar e muito menos me ver.

Heloísa me olhou incrédula, achando realmente que eu nunca iria concordar em ir. Quase deixei escapar uma risada quando vi a expressão de espanto dela.

-Então vamos! - ela se recuperou rapidamente da palidez que esculpia seu rosto e me puxou pelo braço - antes que você mude de ideia.

Fomos caminhando quase que em silêncio. Mesmo nós duas tendo conversado pouco durante o caminho, e minha voz ter ganhado um timbre robótico e sem emoção a cada frase que eu dizia, alguma coisa dentro de mim gritava por uma explicação sobre o que tinha acontecido.

Ficamos escondidas a quatro casas de distância. Havíamos conseguido subir sem ninguém nos ver em numa árvore que mostrava uma visão quase frontal da minha casa - já ia me esquecendo, da minha antiga casa. Mesmo de longe, vi vários de meus vizinhos alvoraçados em frente a entrada. Alguns falavam com policiais, provavelmente para prestar depoimentos, e outros - os sem-nada-para-fazer - estavam só vendo o que acontecia.

-Onde estão meus pais? - sussurrei para a Heloísa.

-Acho que a ambulância já os levou.

Fechei a cara. Fomos ali praticamente à toa então?! Pensei em culpar a ambulância por levá-los sem que eu pudesse ver seus corpos sem vida, sendo que na verdade ela não tinha nada a ver com isso. Acabei me convencendo de que eu não precisava vê-los uma última vez. Isso não me faria bem nenhum.

Enquanto continuávamos observando as pessoas e a casa, do nada, lembrei-me da história do livro-filme Desventuras em série e um pensamento horrível me passou pela cabeça.

Se meus pais tinham morrido, tinha certeza que a polícia - ou sei lá quem - teria que me encontrar. Só que, como não tenho 18 anos, não me deixariam viver sozinha. Acabariam me levando para algum parente que nunca vi na vida - e eu não quero um Conde Olaf na minha vida!

Quase surtei.

Para piorar, eu escolhi o pior lugar para estar agora. Empalideci quando percebi o quão terrível a morte dos meus pais e minha fuga significavam para o meu curto futuro.

Estaria perdida se me encontrassem.


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