Não consegui nem sequer piscar. Eu ouvi mesmo o que acabei de ouvir?

O que ela estava querendo dizer com aquilo?!

Dona Vera suspirou e veio em minha direção.

-É melhor eu explicar direito. Parece que você não entendeu o que quis dizer - ela respirou fundo e prosseguiu. Se as palavras dela conseguissem no mínimo desatar o nó de meu cérebro eu me daria por satisfeita - As asas são como o reflexo de nossos sentimentos. Mesmo que tentemos deixá-los escondidos em nossos corações, por medo ou por qualquer outro motivo, não é possível fazer isso com as asas. Por isso, quando alguma coisa nos afeta, o mesmo acontece com elas.

O nó ainda estava ali. Aquela conversa filosófica continuava caminhando paralelo a mim.

-Pense na borboleta, por exemplo - uma comparação talvez poderia me ajudar, refleti comigo mesma enquanto dona Vera falava - Ela é livre para voar por onde quiser; não importa se há vento, chuva ou um calor insuportável, ela continua seguindo seu caminho.

Olhei para o céu nesse momento. A escuridão da noite, já dominando quase tudo, me impedia de ver o que quer que estivesse dançando ali naqueles ares.

-Camila - ela continuou, ainda me observando calmamente - até onde você voaria com suas asas?

Aquela pergunta me pegou de surpresa. Toda essa história parecia somente uma invenção sem nexo nenhum, porém, por que uma parte de mim queria acreditar nela?

-Eu não sei... – me peguei respondendo sem pensar.

-Isso é porque você está presa em uma teia de dúvidas e não consegue usar suas asas para fugir, para ser livre.

Mais uma metáfora. Revirei os olhos.

-Como... - comecei, mesmo sem acreditar nas palavras que iria dizer - você consegue ver minhas asas?

Ela sorriu docemente.

-Talvez seja um dom.

A encarei em dúvida.

-Olha... Dona Vera, tenho que ir agora, mas... obrigada por me dizer isso.

-Tudo bem. E, Camila, pelo menos pense um pouco sobre o que eu disse está bem? Porque uma das suas... ela está desaparecendo. Talvez você não consiga percebê-las ainda, só que elas são parte de você.

-Ok... - mesmo que tudo fosse mentira, não custava nada perguntar - Só mais uma dúvida, o que acontece se eu perder essa asa que está se despedaçando?

-Ainda lhe restará sua outra asa. Agora - ela olhou para trás de mim - ela está refletindo seu esplendor, porém, continua em conflito com a outra. São suas duas personalidades, Camila. Seus dois caminhos.

Ela parou um instante para avaliar minha expressão. Eu não disse nada, embora soubesse que ela tinha um pouco de razão em tudo aquilo.

Ainda me olhando ela procedeu:

-Uma delas enfraquece a cada dia enquanto a outra luta para continuar mantendo seu brilho. Camila, quem você deixará que vença?