Maria Lúcia estava sentada na mesa de seu escritório, examinado as novas plantas de apartamentos que lhe foram solicitadas. No dia seguinte ela iria se encontrar com Mariane Tedesco para fechar com o projeto do novo apartamento da socialite. Ela reclinou a sua cadeira. Desde terça, o colar que sua velha amiga Mônica lhe dera em seu aniversário há muitos anos não saia do seu pescoço. Renato Russo morreu e ela se sentia praticamente órfã.

— Com licença, posso entrar?

— Claro.

Um rapaz entrou. Ele tinha olhos turvos e o cabelo castanho longo e liso. Todas as suas extremidades eram impecáveis e ele se vestia com esmero e dedicação. Era Daniel, que trabalhava no mesmo prédio comercial. Ele era um economista bem sucedido, muito fechado. Maria Lúcia pensava nele como um grande ponto de interrogação.

Maria Lúcia olhou para ele e Daniel abriu um belo sorriso gélido. Ela era baixa com grandes olhos, e cabelos que não eram nem lisos e nem cacheados. Linhas se acumulavam só no olho direito e ambos eram margeados por suaves olheiras azuladas.

— Está muito ocupada agora?

—Na verdade, não. Eu só tenho que acertar a planta para vistoria da nova cobertura daquela Mariane Tedesco. Teria feito isso semana passada, mas ela queria que o noivo dela visse primeiro. Até parece que ela vai deixar ele opinar em alguma coisa.

Daniel deu uma risada sarcástica.

— Você gostaria de jantar comigo hoje?

Ela olhou pra ele. Estavam tendo um caso há 6 meses. Mas Daniel era frio e distante. Não sabia porque continuava. A verdade que ela não suportava admitir era que nenhum homem a amou como Johnny, seu amor de adolescência. E ela temia que ninguém mais o faria.

Maria Lúcia estava fitando o nada e então Daniel insistiu:

— Então...Você quer?

— Sim - disse ela sem pensar - Eu adoraria.

— Eu te busco às 19.

— Está bem.

Maria Lúcia resolveu que era hora de ir embora. Pegou a chave do carro, se despediu de Daniel e pegou o elevador.

***

Ela dirigia pela orla e pensava. Sem chegar a nenhuma conclusão sobre a sua situação com Daniel, a vida e o amor, ligou o rádio.

Agora vamos com a música Vento No Litoral, do sombrio álbum V da banda Legião Urbana recém encerrada.

De tarde quero descansar,
Chegar ate a praia e ver
Se o vento ainda está forte
Vai ser bom subir nas pedras
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora

Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil sem você
Porque você está comigo o tempo todo
E quando eu vejo o mar,
Existe algo que diz,
Que a vida continua
E se entregar é uma bobagem

— Ei, olha só o que eu achei: cavalos-marinhos
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora

Ela tentou em vão suprimir as lágrimas. Como tudo era tão insuportável!