Everlasting escrita por Fernanda Redfield


Capítulo 13
Capítulo 12: Derrota


Notas iniciais do capítulo

Boa noite, pessoas!
Antes de tudo, agradeço aos comentários e a todos que não desistiram (ainda xD) de nenhuma das minhas fanfics.
Quanto a esse capítulo de "Everlasting"... Eu não sei, mas é um dos meus preferidos. Eu pretendia destrinchar a alma da Quinn nesse e acho que consegui, espero que gostem.
Escutem:
1. Boyce Avenue - It Will Rain (cover do Bruno Mars)
2. Gavin DeGraw - Soldier
3. Matthew Perryman Jones - Out of Reach
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/183368/chapter/13

Madrugada. 28 de novembro de 2011. Lima, Ohio.

 “You're thirsty, I'll be rain, You get hurt, I'll take your pain.”

(Soldier, Gavin DeGraw)

            - Eu ainda não concordo com isso. – Rachel murmurou contrariada em minha orelha, enquanto eu a puxava para dentro do hall escuro. Minha mãe estava dormindo depois de passarmos a maior parte do tempo juntas e percorrendo Lima de carro. Rachel permaneceu junto a mim o tempo todo, segurando-me como se eu fosse desaparecer a qualquer momento. Irônico, quem iria desaparecer seria eu.

            - Você não tem que concordar com nada, Rachel. Eu que pedi para que Quinn te trouxesse aqui. – A voz da minha mãe preencheu o ambiente, autoritária e amedrontadora, eu acabei me encolhendo no momento que a luz da sala acendeu e ela se levantou da poltrona, caminhando até nós. Senti a mão de Rachel envolvida entre a minha tremer, apertei levemente, tentando-lhe passar força. Mas ela apenas suspirou. – Você precisa de um lugar para ficar hoje.

            - Desculpe, mas como a senhora sabe? – Rachel perguntou confusa, daquele jeito fofo e apaixonante. Eu sorri de leve e soltei sua mão, posicionando-me atrás dela e afagando seus braços tensos e cansados. Judy sorriu para nós duas e aproximou, segurando as mãos de Rachel e respondeu:

            - Seus pais acabaram de ligar aqui. Estavam irritados e bem, eu discuti com um deles. Acho que foi com Leroy, ele teve a audácia de dizer que a minha filha estava te seduzindo.

            Eu não contive a gargalhada quando minha mãe disse aquele absurdo com a cara mais sem vergonha do mundo. Rachel se virou para mim, mas ela acabou rindo também e logo enganchou o braço em minha cintura enquanto eu lhe afagava os cabelos. O toque quente em minha pele tão fria me fez arrepiar.

            Rachel apoiou a cabeça em meu ombro e beijou a minha mandíbula, tudo parecia mais intenso agora que ela estava ali, em minha casa. Seus lábios arderam em minha bochecha e a sua mão em minha cintura pareceu pesar além do normal. Será que era a felicidade de tê-la ali? Ou simplesmente, mais uma vez, a sensação do passageiro?

            Eu não sabia responder. A intensidade daquelas sensações... O medo da perda, do tempo, da dor... Eu não sabia dizer o que mais estava tirando meu sono. Eu não queria mais perdê-la, eu não queria mais a eternidade senão fosse com ela e a dor parecia insuportável. Eu quero uma segunda chance para fazer as coisas darem certo, eu quero meu final feliz.

            Mas como? Tudo parecia contra eu e ela. Finn, seus pais... Eu quero preservar Rachel da dor. Só que eu estava começando a perceber que ela estava longe de não sentir nada além da felicidade comigo. Eu parecia um buraco negro ambulante, sugando toda a luz e todo o brilho ao meu redor. Eu não queria apagar aquela estrela, eu queria Rachel Berry estonteante e poderosa como ela sempre fora...

            - Quinn? Está me ouvindo? – Escutei a voz da minha mãe distante da direção que meus pensamentos tomavam. Pisquei os olhos, procurando focalizar a minha visão e dar um pouco de racionalidade e um pouquinho de diversão a minha expressão, tudo que Rachel menos precisava era de uma namorada perdida numa crise existencial.

            Quando inclinei a cabeça para Rach, notei aqueles imensos olhos castanhos brilhantes e observadores. O rosto dela era a perfeita tradução da preocupação e o leve aperto dela em minha cintura indicou claramente que eu teria que me explicar mais tarde, suspirei cansada e perguntei:

            - Desculpe, o que disse mamãe?

            - Meu Deus, criatura. Você anda no mundo das nuvens ultimamente. – Judy Fabray estava cheia das gracinhas hoje, arqueei a sobrancelha para ela em um sinal claro de aborrecimento, mas ela apenas riu de minha careta. Rachel permaneceu séria ao meu lado, desenhando padrões circulares aleatórios em minha cintura com a ponta do dedo. Minha mãe nos empurrou escada acima. – Leve Rachel até o quarto e arrume um pijama para ela, depois venha até a cozinha me ajudar com o chocolate quente.

            - Chocolate quente? – Repeti confusa, tentando encontrar algumas respostas no olhar de minha mãe. Mas aqueles olhos claros só me passaram a confiança necessária para não mais perguntar e apenas, obedecê-la. Judy só queria cuidar da minha garota, era tudo que eu precisava saber.

            Trouxe Rachel para mais perto de mim e apertei-a junto ao meu corpo, ela escondeu a face em algum ponto entre meu rosto e meu peito e ali permaneceu, respirando pesado. Rachel estava mal, eu sabia disso. Até mesmo a respiração dela parecia mais gelada. Mesmo ela não chorando e muito menos, reclamando, ela gritava que estava mal por ter que escolher entre eu e os pais... E se ela estava mal, imagina como eu estava diante da iminência do meu destino?

            Chacoalhei a cabeça e respirei fundo enquanto terminávamos de subir as escadas, eu precisava ser a força de Rachel naquele momento. Afinal, nada daquilo estaria acontecendo senão fosse por minha causa. Eu era a culpada de fazê-la abandonar os pais pela primeira e, aparentemente, única vez em sua vida. Quando chegamos ao meu quarto, Rachel paralisou em frente à porta. Olhei intrigada para ela, no escuro, Rachel suspirou antes de murmurar:

            - Me desculpe, Quinn.

            - Não precisa se desculpar, a culpa é minha. – Respondi dura enquanto me movimentava para ficar de frente para ela, mesmo no escuro vi os lábios dela se moverem e transformarem-se em um biquinho. Sorri triste diante desse ato tão fofo, Rachel soltou um muxoxo. – Sou eu que fiz bullying contigo por anos a fio, fui eu que neguei todas as suas tentativas de amizade e fui eu que acabei com seu namoro... Afinal, tem algum motivo para você ainda querer ficar comigo?

            Era para ter sido uma piada, mas eu me peguei rindo sozinha no momento em que Rachel esmurrou meu braço e me empurrou para dentro do meu próprio quarto. Ainda rindo, observei-a acender as luzes e me fuzilar com os olhos castanhos extremamente intensos.  Ela apontou o dedo em minha direção, apoiando a outra mão na cintura. Eu só consegui continuar a rir enquanto Rachel me bronqueava:

            - Para de ser boba, Fabray! Eu estou falando sério!

            Eu não consegui parar de rir e logo Rachel estava emburrada, me olhando irritada enquanto eu percorria o quarto a procura de algo que servisse como pijama. Encontrei uma camisa e um short no fundo da minha gaveta e me virei com ambos em mãos, Rachel estava em pé, com os braços cruzados e batendo o pé direito irritantemente. Arqueei a sobrancelha para ela e disse na defensiva:

            - Rach, eu estou tentando amenizar o clima aqui.

            - Da forma errada. – Rachel respondeu ainda emburrada e eu revirei os olhos diante da bronca sem fundamento dela, poxa... Eu não estava querendo diminuir a natureza do problema, mas queria escutar a risada dela de novo. E escutei. Rachel destruiu toda aquela posição intimidadora e se aproximou de mim com um sorriso de lado, envolveu os braços em minha cintura e beijou meu pescoço. – Da forma errada com as piores piadas.

            - Você me assustou, Berry. – Murmurei entre dentes, tentando parecer brava com ela e não conseguindo, porque no instante seguinte, eu estava sorrindo e a envolvendo em meus braços. Rachel mordeu algum ponto do meu pescoço e murmurou rouca:

            - Eu causo esse efeito nas pessoas, Quinnie.

            Eu gemi involuntariamente, acho que Rachel Berry não tinha absolutamente noção nenhuma do poder de sedução que o corpo dela carregava. Rachel tirou as roupas de minhas mãos e jogou-as sobre a cama, depois, grudou mais o corpo pequeno ao meu e eu engoli em seco, sem saber o que fazer com as mãos. Rachel guiou-as para próximo de sua cintura e eu pigarreei antes de dizer:

            - Achei que eu fosse a HBIC aqui.

            - Me lembrem de nunca mais deixar vocês duas sozinhas. – A voz da minha mãe estava controlada, mas eu ainda senti aquele tom irônico em meus ouvidos. Rachel me empurrou para longe com tanta força que eu bati no meu criado mudo ao lado da cama. Minhas costas doeram e eu xinguei alguns deuses enquanto escutava minha mãe rir. – Essa não foi a educação que eu te dei, Quinnie.

            Apenas olhei de lado para ela, com a expressão gélida e furiosa. Minha mãe deu uma gargalhada e saiu do quarto, fazendo sinal para que nós duas descêssemos. Direcionei meus olhos para Rachel e ela respirava com dificuldade, com as bochechas rosadas e mordendo o lábio inferior. Aproximei-me de Rachel, mas ela me repeliu com um gesto desesperado nas mãos, dizendo:

            - Nunca mais chego perto de você enquanto sua mãe estiver aqui!

            - Ainda bem que a sua namorada tem juízo e auto-controle, querida! – A infame voz da minha mãe soou do andar debaixo, fazendo Rachel correr desesperada porta a fora, quase tropeçando nos degraus. Eu revirei os olhos e suspirei.

            Tinha como eu pensar em fazer Rachel sorrir quando eu mesma estava sendo o assunto da piada naquela casa?

            - Mais chocolate, Rachel? – Minha mãe ofereceu com um sorriso gentil pela terceira vez, sendo que Rach mal terminara a sua segunda xícara de chocolate quente. Minha morena agitou a cabeça negativamente e seus olhos desapareceram por trás da porcelana, eu ri para minhas próprias mãos diante de toda aquela fofura que ela exalava.

            Ergui meus olhos da minha própria xícara vazia e minha mãe me observava, com uma expressão indecifrável, mas que tinha um pequeno sorriso no canto dos lábios. Judy Fabray nunca olhara para mim naquela forma e mesmo diante do mistério de sua expressão, ela parecia feliz por mim. Eu arqueei a sobrancelha para ela, mas ela me ignorou, colocando a chaleira suja sobre a pia e dizendo sobre os ombros:

            - Então eu vou me deitar, meninas. Tenho missa pela manhã e não gosto de chegar atrasada.

            - Tudo bem, mãe... Nós já vamos. – Respondi ainda meio desnorteada pelas atitudes que Judy Fabray estava tomando nos últimos dias. Ela me sorriu cúmplice e se aproximou, beijando minha testa e passando as mãos pelos cabelos de Rachel que, agora, lambia os lábios. A morena sorriu e eu sorri para ela, apanhando sua xícara e colocando-a na pia enquanto escutava minha mãe subir as escadas.

            Um silêncio pacífico e sossegado pousou sobre nós duas, eu me concentrei em lavar as duas xícaras antes de me virar para ela. Rachel estava olhando para mim, as bochechas coradas e um sorriso torto nos lábios. Os cabelos estavam daquele jeito que eu amava: levemente ondulados, a franja jogada para trás. Ela tinha uma manchinha de chocolate na altura da curva dos lábios que só provocou um sorriso ainda maior em mim.

            Ela era tão angelical e, ao mesmo tempo, tão divina... Rachel dava um novo significado a tudo que encontrava e principalmente, a tudo que ela tocava. Ela me dera uma nova vida, trouxera significados esquecidos de volta. Rachel me fazia tão bem e, talvez, eu nunca a mostraria quão importante ela era. Menos de um mês, tão pouco tempo. Eu me vi desejando, novamente, ficar para sempre e sempre com ela.

            Rachel deve ter percebido para onde minha mente estava vagando, quando saí dos meus devaneios, ela estava parada a minha frente com uma feição indagadora e curiosa. Eu afaguei a sua bochecha e depois, limpei o chocolate da sua boca com o indicador, chupando-o em seguida. Rachel corou ainda mais e eu a puxei para perto, uma das mãos em sua cintura enquanto a outra massageava sua nuca. Próximas, suspirei e perguntei preocupada:

            - Melhor?

            - Sim, obrigada. – Rachel respondeu com um sorriso radiante, ainda não eram os meus 1000 watts, mas estava perto. Beijei-lhe a bochecha e mordi levemente em seguida, Rachel grunhiu e apertou o tecido da minha camisa próximo aos meus ombros. – E você não precisou fazer nenhuma piadinha idiota para isso.

            - O chocolate da minha mãe faz milagres. – Eu respondi ainda rindo da piada dela e sentindo-a se aproximar ainda mais, desviando os olhos dos meus e colocando a cabeça no vão do meu pescoço. Afaguei seus cabelos e suspirei pesado, percebendo que ela fazia o mesmo minutos depois. Rachel não estava bem. – O que foi, Rach?

            - É só que... É complicado estar brigada com meus pais. – Rachel respondeu trêmula e eu a apertei ainda mais, sentindo-a agarrar-se a mim com tanta carência que cortou meu coração. Rachel precisava de mim... Era muita crueldade me tirar dela e tirá-la de mim daquela forma. Eu a afastei apenas para olhá-la e ver aqueles olhos castanhos brilhando devido às lágrimas contidas, ela baixou os olhos, mas eu ergui a sua face e disse séria:

            - Você não vai ficar assim com eles por minha causa, não é justo.

            - Eles me fizeram escolher, inconscientemente, mas fizeram. E sempre vai ser você, Quinn. – O brilho dos olhos castanhos desapareceu quando ela me respondeu assim, tão decidida e centrada. Tive certeza de que, de uma forma atribulada e estranha, Rachel estava plenamente consciente da intensidade daquilo que nos unia e pior, ela estava disposta a lutar contra todos.

            Rachel estava me dando tudo e eu retribuía com tão pouco tempo... Será que era realmente justo o que eu fazia com ela? Estava tirando-lhe os pais, o namoro firme com Finn e tudo isso por causa de um ou dois meses?

            - Rachel... – Eu murmurei o nome dela baixinho, mas em vão. Rachel colocou o indicador sobre os meus lábios e lá estava o brilho nos olhos dela de novo. Quando ela se aproximou de mim, seus lábios tocaram os meus com delicadeza e a língua dela correu pela minha boca, eu dei-lhe passagem e quando percebi, Rachel já tinha total controle sobre mim.

            Ela colocou uma das pernas entre as minhas e escorou meu corpo sobre o balcão da cozinha, colocou uma das mãos em meus cabelos, puxando-os levemente enquanto sua língua deslizava sobre a minha, me fazendo suspirar pesado. Apertei sua cintura quando o ar me faltou e ela se afastou de mim.

            Cabelos bagunçados, respiração ofegante, boca entreaberta e uma ou duas lágrimas escorridas e rapidamente limpas de seu rosto. Inclinei a cabeça e abri a boca para falar, mas ela me puxou escada acima, me ignorando completamente. Entramos no meu quarto e ela me empurrou em direção à cama, nos deitamos e ela logo se aconchegou ao meu corpo.

            Céus, nós nos encaixávamos perfeitamente.

            O rosto dela deitado em meu ombro, seu braço circundando minha cintura enquanto o meu afagava seus cabelos e minha boca beijava sua cabeça. Rachel apertou minha cintura e suspirou profundamente, eu sabia que ela estava chorando, mas não ousaria entrar se ela me repelia como agora na cozinha. Ela escondeu o rosto em meu pescoço e murmurou ao meu ouvido:

            - Por favor, não diga nada.

            E eu não disse durante toda a noite. Respeitei seu silêncio, escutei suas lágrimas e sua respiração pesada... Mas tentei passar, pelos meus toques, que eu estava ali, que eu era dela e, principalmente, que eu seria dela para sempre.

            ... Mesmo quando o meu “para sempre” acabasse.

###

            Eu acordei como senão tivesse dormido, de certa forma, eu não consegui fechar os olhos por muito tempo durante a pouca noite que tivemos. Eu sempre acordava quando a respiração de Rachel saía de seu ritmo normal ou quando ela se mexia. Por isso, não me surpreendi muito quando os primeiros raios de sol da manhã me acordaram.

            Rachel estava na mesma posição da noite anterior, tão atracada a mim que eu estava impedida de sair dali. Olhei para baixo, onde ela repousava sobre meu peito. A expressão serena, os lábios entreabertos, respiração profunda e compassada... A mão direita segurando minha camisa do pijama e praticamente metade daquele pequeno corpo sobre meu.

            Como costume, ao vê-la assim, tão íntima e tão encaixada a mim, eu sorri involuntariamente e acariciei seus cabelos. A maciez deles contrastou com alguns calos que eu tinha nas mãos da época que ainda era cheerio. Respirei fundo o cheiro doce que vinha deles, inesquecível, como sempre. Meus lábios repousaram sobre o topo de sua cabeça e eu senti Rachel se mexer embaixo de mim, acompanhei seus movimentos, me colocando sentada na cama. Ela ainda dormia, mesmo com a nossa mudança brusca de posição.

            Rachel devia estar cansada, ela teve que passar por tantas coisas desde que ficamos juntas e se eu soubesse que ela teria que enfrentar seu ex-namorado, seus amigos e seus pais por minha causa, talvez eu jamais desejasse ter “voltado”. Doeria não tê-la uma vez sequer, mas doía muito mais vê-la chorar enquanto estava comigo.

            Porque eu era o motivo daquilo tudo. Pensando em mim e no que podíamos ter, eu não pensei no que ela poderia perder. Eu, inconscientemente, empurrei e pressionei Rachel de encontro a múltiplas escolhas que seriam impossíveis de ser feitas. Ela não podia escolher entre o meu amor e o amor dos pais, muito menos entre a companhia dos amigos e a minha. Porque seriam eles que seriam a força dela quando eu não mais estivesse aqui.

            Fechei meus olhos, minha cabeça começara a latejar e, mesmo baixinho, aquele maldito tique-taque estava fazendo-se presente novamente. Meus braços começaram a me incomodar, doendo e coçando, mas ficavam estranhamente “silenciosos” quando sentiam o calor de Rachel tão próximo. Impulsivamente e com o máximo de delicadeza que eu julgava ter, eu me coloquei em pé, deixando Rachel dormindo na cama.

            Tomei um banho, coloquei o meu melhor vestido e o meu melhor casaco. Calcei as botas e saí do quarto silenciosamente, fechando a porta atrás de mim e respirando fundo enquanto atravessava o corredor. Escutei minha mãe acordando no seu quarto assim que passei pela porta, desci as escadas correndo e apanhei meu cachecol no armário ao lado da porta, peguei as chaves do carro e saí para o amanhecer frio de Lima.

            Tirei o carro da garagem e com o máximo de calma que minhas mãos trêmulas e minha respiração acelerada permitiram, dirigi pelas ruas de Lima em busca de uma casa que ficava próxima. Como não havia tráfego e muito menos, tumulto por causa da fina camada de neve, cheguei rápido ao meu destino.

            A casa verde, com cercas brancas, os jardins bem cuidados e varanda na frente não me intimidaram. Mas o nome que eu li na caixa de correio sim.

            Berry.

            O tique-taque voltou a bater de encontro ao meu cérebro, meus braços arderam e eu puxei as mangas do casaco, tentando simular o calor de Rachel, mas sem sucesso. Fechei meus olhos e dei o primeiro passo, com as pernas trêmulas e inseguras. O segundo foi mais fácil e o terceiro foi quase normal.

            Eu sabia que ia acordar alguém e sabia que eu seria praticamente expulsa dali, mas eu não deixaria que eles fizessem isso antes de escutarem tudo que eu tinha para dizer. Eu também sabia das conseqüências da minha atitude, sabia que eu poderia perder Rachel... Mas eu não admito que ela fique comigo quando o mundo todo estava contra nós. Eu não estava recuando, eu não estava desistindo. Eu queria uma trégua, eu estava erguendo a bandeira branca e esperando ser respeitada por isso.

            Eu não queria um amor egoísta, eu não queria que ela perdesse tudo por mim. Ainda não era a hora de Rachel sofrer, eu prometa a mim mesma que ela seria muito feliz comigo enquanto eu estivesse aqui. E ela seria, com ou sem mim, mas eu faria de tudo para ela ser feliz. Até mesmo enfrentar seus pais.

            Bati na porta com o nó dos dedos, sem resposta. Provavelmente eles estavam dormindo, mas eu insisti e dessa vez, esmurrei a madeira. As luzes da varanda foram acesas e eu dei um passo para trás, preenchida com adrenalina, sentindo meu coração acelerar e meu corpo esquentar. Realmente, luta ou fuga.

            A porta se abriu com um pouco de rudeza e dela saiu um homem negro, de aparência austera e séria. Ele estava enrolado em um roupão e ao lado dele vinha um homem menor, parcialmente careca, branco e de feições judias. A expressão sonolenta de ambos mudou para fúria quando eles me viram.

            Eu engoli em seco, preparando-me para falar. Mas fui interrompida, pelo esbravejar grosseiro do senhor negro:

            - O que está fazendo aqui, Fabray?

            - Estou aqui pela Rachel. – Respondi dura e sentindo minha voz soar arrastada, os dois homens trocaram sorrisinhos irônicos que em muito me lembraram os sorrisos de Kurt quando ele estava insatisfeito. Instintivamente, arqueei a sobrancelha e fechei meus punhos, sentindo a ironia e o pouco caso deles me incomodarem. – Vocês sabem bem quem eu sou e já me julgaram. Mas, por favor, não submetam a filha de vocês a esse inferno por minha causa.

            - Nós não a submetemos a nada, Fabray. Ela escolheu assim, ela escolheu você. – O homem menor respondeu com tanto ódio que o tom dele me atingiu, minha cabeça latejou e eu respirei fundo para tentar amenizar a dor. Os dois me olhavam em um misto de acusação e ódio que, não me incomodava tanto assim, me fazia mal, mas não me incomodava porque eu sabia que merecia tudo aquilo. Por isso, pigarreei e assumi meu melhor tom contido antes de dizer:

            - Se eu estivesse no lugar de vocês, também não deixaria que Rachel saísse com uma pessoa que a humilhou durante toda a vida e que a fez sofrer mais do que qualquer um. Mas eu não a faria escolher. Não estou pedindo um voto de confiança a vocês, eu não mereço. Mas quero que aceitem Rachel de volta.

            - Nós só a aceitaremos sob uma condição e ela já sabe qual é. – O negro vociferou frio e distante, soando extremamente parecido com meu pai. Aquele tom não combinava com ele e eu pude ver através de seus olhos negros, ele sofria por ter que agir daquela forma, mas ele era um pai e pais sabiam quando os filhos estavam tomando o caminho errado.

            Os dois se afastaram e voltaram a entrar na casa, eu permaneci sustentando o olhar de ambos até que percebi que eles não tornariam a continuar a conversa. Respirei fundo e segurei as lágrimas que vieram adiantadas diante do meu saber das minhas conseqüências. Eu segurei a porta com força, impedindo-os de fechá-la. Os dois arregalaram os olhos, mas pararam o movimento, com a voz embargada, perguntei:

            - A condição é que ela termine comigo? É isso que vocês querem?

            - Você já sabe sua resposta, Fabray. – O homem menor disse baixinho, ele parecia arrependido do que estava acontecendo, mas eu não. Se fosse necessário que eu me afastasse dela e conquistasse a confiança dos seus pais, eu faria isso para depois ter o seu perdão. Suspirei e deixei a minha mão cair, colocando-a em meu estômago, tentando conter a dor que se instalara ali. Eles me observavam, eu podia sentir, incapaz de olhar os meus carrascos nos olhos, eu disse derrotada:

            - Ela está na minha casa, podem ir buscá-la.

            - Fabray...? – Um deles murmurou, mas eu não deixei que continuassem. Eu simplesmente dei às costas aos dois, sentindo tudo que eu tinha construído dentro de mim explodir.

            Rachel iria embora, mas iria ter os pais de volta e era disso que ela precisava. Entrei no carro apressada, jogando alguns flocos de neve no banco de carona. Só ali, escondida deles pelos vidros escuros, me permiti chorar. E chorei tanto que meus olhos arderam quando enfim eu parei, fazia quase uma hora que eu saíra de casa e quando dei por mim, os Berry já tinham tirado o carro da garagem.

            Eu os segui até a minha casa, pronta para ter meu coração arrancado do meu peito.

###

            - Eu não acredito que você fez isso, Quinn! – Rachel estava praticamente berrando comigo enquanto eu permanecia de cabeça baixa. Seus pais estavam na porta do meu quarto esperando que ela finalmente saísse dali. Eu não conseguia falar, mas conseguia sentir. E senti os murros dela em meus ombros. – Você prometeu para mim que nós íamos lutar!

            - Eu não vou permitir que você perda tudo por mim! – Retruquei ainda calma, segurando os pulsos dela e deixando que ela visse minhas lágrimas e meus olhos avermelhados. Rachel estacou e o rosto choroso dela só fez com que os pedaços de meu coração começassem a cortar a minha alma. – Eu não quero que você perca tudo por mim!

            - E você acha que não é tudo pra mim? – Rachel me contra-atacou tão intensa que eu fiquei mortificada, presa em um torpor onde as palavras que ela acabara de dizer ecoavam e me davam a sensação de que a realidade não existia. Ela puxou meu rosto para baixo, obrigando-me a olhar para ela. Rachel parecia tão frágil, tão pequena... – Você é tudo que eu tenho agora, eu não quero perder você. Eles me fizeram escolher e eu quero você.

            Olhei para ela, sem saber o que fazer ou falar. Rachel estava, mais uma vez, explodindo e iluminando as coisas dentro de mim. Mas ela era uma estrela e eu, apenas um buraco negro puxando as coisas para mim sem me importar com as conseqüências. Rachel viu a fraqueza em meus olhos e enlaçou a minha cintura, escondendo-se em meu colo e respirando ali, envolvendo-me naquele calor único que me fazia acreditar em milagres e na eternidade.

            Eu fechei meus olhos e beijei sua cabeça, afagando seus cabelos e tentando gravar cada impressão que ela deixaria em mim. O cheiro, o calor, os cabelos compridos e escuros pinicando a pele de meu pescoço, as mãos trêmulas repousadas na base de minhas costas e puxando o tecido de minha camisa... Era tudo tão real, tão intenso... Tão frágil.

            - Rachel... – Chamei fragilizada e ela ergueu aqueles olhos castanhos que agora estavam preenchidos por dor, desespero e ainda assim, coragem. Beijei seus lábios de leve, escutando um muxoxo vindo de um de seus pais atrás de mim. Não liguei, juntei nossas testas e fechei meus olhos, as coisas ficariam mais difíceis se eu tivesse que olhar pra ela. – Eu te amo, você pode duvidar de qualquer coisa, menos disso. E é por te amar tanto que eu estou te deixando ir.

            - Mas eu não quero ir! – Rachel exclamou desesperada, me fazendo abrir os olhos ao notar que ela me puxava para perto e segurava meu rosto. Céus, o calor se fora e as mãos dela estava frias. Rachel estava quebrando-se. – Quinnie, eu sou sua. Meu lugar é aqui com você, você não pode me deixar depois de ter lutado tanto por mim.

            - Eu não estou deixando de lutar por você, Rach. Pelo contrário, eu estou lutando por sua felicidade. Você precisa ir, você vai entender depois... Prometo. – Disse sincera, esperando que ela entendesse dessa forma. Mas foi em vão, mal terminei de falar e Rachel agitava a cabeça negativamente e murmurava débil:

            - Eu não vou ser feliz sem você, eu te expliquei o que sentia. Eu sou egoísta e eu estou disposta a trocar tudo por você.

            - Mas eu não. – As palavras doeram mais em mim do que nela, observando suas reações de decepção, eu sentia cada pedaço de mim gritar. Vi os olhos perderem a força e as lágrimas finalmente caírem, vi quando ela se afastou de mim assustada e balançou a cabeça diversas vezes, tentando chutar minhas palavras para longe de sua cabeça...

            Mas também vi quando ela ergueu os olhos e me encarou em busca de respostas e eu, tão corajosa ao lutar pela felicidade dela, me recolhi a covardia quando tive que enfrentar as conseqüências dos meus atos. Abaixei a cabeça e dei às costas, mas escutei os passos dela e dos pais saindo do meu quarto.

            Só consegui me virar quando escutei a porta de entrada se fechar. Sentei-me na cama bagunçada que ainda exalava o cheiro doce e único dela, e quando acariciei o travesseiro, meus olhos reconheceram o modelo do corpo dela em meus lençóis... Suspirei e deixei que as lágrimas caíssem. Afundei meu rosto em minhas mãos e o tique-taque voltou, as dores também e o vazio quase me tomou.

            No chão, encontrei o gorro que ela usava e que ainda cheirava as frutas vermelhas de seu shampoo. Mordi o lábio enquanto a sensação de saudade me preenchia de novo, a perda fora pior dessa vez. Agora, eu sabia o que tinha e doía ainda mais perder uma coisa que, de certa forma, me pertenceu.

            O sol já estava alto e os raios incomodavam meus olhos. Mas eu permaneci olhando para eles, esperando que eles me dessem de volta o calor e o brilho, tirados de mim por Rachel e seus pais.

            Esperando encontrar Rachel no meio de toda aquela realidade estranha e vazia onde minhas únicas companhias constantes eram o medo e a dor. Companhias que eu esquecera, mas que me faziam questão de lembrar a minha condição e de que, de uma forma cruel e sofrível, era melhor assim.

            Talvez, a eternidade não fosse lá tantas coisas e com toda certeza, Rachel poderia ser mais feliz sem mim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostaram? ;x
Sinto que não... Mas espero que compreendam a importância desse capítulo para toda a fanfic.
Já perceberam que tudo está contra as duas e entendem a crise que a Quinn se enfiou? É complicado lutar por uma coisa que está condenada ao fracasso :/
Espero que compreendam e não desistam dessa fanfic.
Beijos e até a próxima (: