O Corredor escrita por Valkeera


Capítulo 2
Mudança de opinião




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Lá estava o ser novamente no corredor. Poderia ser até deprimente voltar a aquilo, deixar de lado todo o calor, toda a energia e sentimento. Mas não para o ser. Ele seguia com os passos, aparentemente vazio. Simplesmente funcional e eterno. Sempre cansado, nunca esgotado ou saciado. Os passos beiravam algo programado e sintético, mas era uma escolha consciente, aparentemente a única. Sua existência parecia ser baseada em lógica, mas uma lógica sem rumo ou motivo.

Era difícil saber se havia alguma reflexão ocorrendo na mente do ser. Mal sabia-se o motivo de tudo. O que ele era?

Seguia sempre em frente, nunca hesitava, parava para refletir. Não havia expectativa em ir, nem dor ou prazer. Simplesmente deixar de caminhar não teria sentido nenhum em frente da atual situação.

Não havia situação.

Então houve.

Novamente a brisa de cores passou pelos corredores e revelou pouco a pouco uma sala de aula. O ser andante foi se transformando, agora então um estudante quieto em sua carteira. Levava uma expressão neutra, porém por dentro, James ansiava por algo.

Ele não era a definição de beleza, era apenas um adolescente com o cabelo castanho apagado e revirado. Tinha o rosto marcado por espinhas, e distraídos olhos castanhos, que vasculhavam a sala em busca de alguém.

Então a porta se abrira, e tudo parecia ficar mais devagar à medida que Vanessa entrava. Tinha suas amigas a sua volta, e conversava alegremente com elas. James notou seu coração acelerado, suas mãos suando, mas estava aliviado ao vê-la. Fazia tempos que não se viam sozinhos, e ela parecia evitá-lo algumas vezes.

Lembrar disso o entristeceu, mas estava a esperando justamente para isso, tirar essa dúvida. Estava ela de fato o evitando? Sempre foram amigos, e até algo mais. O que mudara nessas férias? Seu coração apertou.



– Vanessa? – Ele quase tremia, enquanto tentava falar com ela, que estava em sua carteira.

Ela olhou indiferente para ele, e suas amigas soltaram risadinhas atrás dela. Ele engoliu seco e tentou de novo.

– Vanessa, podemos conversar?

Ela suspirou fundo, e rapidamente olhou para as amigas. Virando-se novamente para ele, ela abriu a boca para falar algo, mas o sinal tocou.

– Falamos depois. – Disse ela, parecendo quase aliviada por ignorá-lo.

E se virou para frente, pronta para assistir a aula. Desconcertado, James voltou para sua carteira, sentindo que tinha sido massacrado por ela. Quem diria que não.



No fim da aula, ambos caminhavam com suas mochilas para fora da escola. O silêncio entre os dois era quase como um muro, protetor para ela, aterrador para ele. Os dois seguiram até certa distância da escola, e sem agüentar todo o suspense, James limpou a garganta e tentou começar uma conversa.

– Erm... E então, eu queria falar com você.

O rosto dela estava inexpressivo.

–Tem algo... De errado...? Quer dizer, a gente não... – Ele estava gagejando, até ser interrompido por ela, que se virou em frente a ele, obrigando-o a parar.

– Olha, James, eu sei que até o ano passado a gente era muito amigo, e tudo mais. – Ele baixou os olhos – Mas isso... não vai dar certo. Não é pra dar certo.

– Vanessa, a gente tem tanto em comum...

– James! Olha pra você! – Ela estava falando nervosamente – Isso não vai dar certo! Nunca deu certo!

Ele levantou os olhos, e então sentiu o peso da verdade. Como ele queria que ela, uma linda garota, radiante e popular na escola, fosse vista próxima do garoto estranho que vivia nos cantos, todo esquisito?

Ele estava quase no ponto de suplicar. Antigamente eles foram muito próximos e nunca se importaram com a opinião dos outros. Então ela ficou diferente, fez novos amigos, tinha novas opiniões sobre as pessoas; inclusive dele.

– Você era diferente – olhou-a com força nos olhos – Amizade acima da opinião alheia. O que aconteceu?

– As coisas mudaram muito, James. Só você não quer aceitar isso. – Ela se virou e partiu andando, enquanto ele ouvia seu coração trincando e despencando aos pedaços aos seus pés. Seu olhar vagava vazio pela paisagem, que em segundos se tornou mais cinzenta do que já estava e finalmente perdeu seus contornos, voltando ao corredor onde o ser caminhava em seu ritmo entediado.



Como seguia sempre para frente, nunca parando ou mudando de direção, era impossível saber como era o caminho que tinha acabado de deixar. Se deixava pegadas, se a escuridão tomava o ambiente dos corredores às suas costas. Faria alguma diferença ou não para ele, isso o ser não sabia. Talvez as coisas tomassem um rumo muito diferente se seguisse o caminho oposto. Porém isso não era possível para ele. Atrás era passado, a frente era futuro, e ele não tinha ambos. Vivia num lugar desprovido de tempo, e o espaço era infinito.

Uma brisa vinda do fundo do corredor passou, resgatando o passado que ali não existia, mas já esteve vivo. O ser seguiu caminhando, então o corredor tomado pela chuva, que deixava as cores tristes tomarem conta.

Era um beco de algum lugar do centro da cidade. O ser caminhava e então se transformou em um rapaz alto e magro, molhado pela chuva, ajoelhado no chão. Havia vários homens com uma aparência um tanto mal encarada, posicionando-se ameaçadoramente pelo beco. Eles começavam a formar um circulo ao redor de James, que já estava sem fôlego no chão. Havia corrido muito, depois de distraí-los de Vanessa. Havia se metido em uma encrenca muito feia, que chegava a duvidar que saísse com vida.

Ele tentou se levantar rapidamente e observou nervoso a sua volta, procurando algum objeto para se defender. Os homens começaram a se aproximar, e James tentou correr entre eles, tendo como resultado apenas um soco no estômago. James quase vomitou, e logo em seguida foi erguido no ar pelo pescoço e atirado no chão. Ele já estava zonzo, mas se levantou de novo. Os outros riram. Um deles se aproximou com a barra de ferro, e tentou atingi-lo na cabeça. James desviou por pouco, e tentou contorná-lo, mas o homem não hesitou e bateu em suas costelas com a barra com tanta força que James foi lançado para a parede suja do beco.

James queria de alguma forma sair dali com vida. Tinha sede de sobreviver, e não ia se deixar abater. Olhou com raiva, nos olhos dos rapazes que o cercavam. Enfim um aproximou-se e ele mal teve tempo de se levantar quando o homem o agarrou pela camisa e atirou-lhe no chão de novo. James rastejou até a parede do beco, e notou uma tampa de lata de lixo ao seu lado. Esperou o homem aproximar-se novamente e lançou o objeto em seu rosto, aproveitando a oportunidade para correr entre os outros e escapar para as ruas desertas.

Correndo desesperado para achar algum lugar movimentado, já ouvia as vozes raivosas dos homens que o perseguiam. O centro era desconhecido por ele, mas deu sorte e entrou em uma rua que acabava em uma avenida lotada de carros. Não havia muitos pedestres, pois ainda chovia. Entrou no primeiro taxi que pode e se arrancou do tumultuado centro.

O roxo de seu rosto e suas roupas sujas foram sumindo com a brisa que levava as cores. No fim, o movimento do carro foi se transformando no movimento do ser, que continuou caminhando no longo corredor.


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Notas finais do capítulo

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