Ele caminhou exausto pelo longo corredor branco, aparentemente infinito. Caminhava não para encontrar algo, não para fugir de algo. Apenas para ter um motivo. Para existir. Seguir em frente. Ele não tinha passado, não existia antes; de alguma forma, também, sempre existiu.

Sua mente estava habitada por nada além do silêncio, mas não se tornava irracional ou inconsciente. Sentia sua existência, saboreava o sabor de sua indiferença, vagava nas prateleiras vazias de sua memória, ouvia seus passos ritmados. Tinha seus sentidos ativos, e tudo era processado. Era consciente de sua existência; era ciente de tudo. Sabia de tudo. Não tinha idade, nem idéia de tempo, por que estava abaixo de sua importância.

Então repentinamente um vento mudou o cenário e o personagem. As cores, o espaço, a vida tomaram conta do corredor sem graça para torná-lo uma sala de aula infantil. O som ainda era abafado e ecoava nos pingos restantes do corredor. A cada passo, o ser ia gradativamente se transformando em uma criança, junto com as outras que ocupavam o cômodo.

O som abafado finalmente passou, e ele estava mergulhado inteiramente na sala de aula, correndo alegremente com um brinquedo na mão. As cores alegres na sala e o som das gargalhadas infantis saltavam da realidade anterior. Ele, um rapaz de cabelo castanho liso, tinha sua mente inocente tramando um mundo em sua imaginação. Corria desviando dos montes de brinquedos e de seus colegas, voando bem além de barreiras como paredes.

Após muitas risadas e tombos pela sala, o menino parou em frente a uma menina que bloqueava seu caminho, mas ele não contornou. Ele estava com os olhos baixos, e timidamente olhou para a menina. Ela usava um adorável vestidinho, e tinha os cabelos negros ondulados presos em duas marias-chiquinhas. Mas seus olhos azuis redondos estavam focados, curiosos, no garoto.

- Oi – Disse ela, abrindo um sorriso logo em seguida.

- Oi – Respondeu ele. Estendeu o brinquedo em frente a ela – Quer brincar comigo?

Seguiram os dois a correr com seus brinquedos, em instantes mergulhados novamente em sua imaginação, no mundo mais perfeito onde reinavam.

- Qual seu nome? O meu é James – Disse o menino, parando de correr.

- Vanessa. Eu nunca te vi aqui antes.

- Eu sempre estive aqui.

- Sério?

- Nunca me notou? Agora vai notar, por que somos amigos, né? – seus olhos castanhos brilharam, com expectativa. Ela pareceu refletir por algum tempo, com o dedo no queixo, e enfim disse:

- Ok, amigos – E deu-lhe um beijo no rosto – para de ficar vermelho e vamos brincar.

Ele colocou a mão sobre a bochecha que foi beijada e ficou paralisado por algum tempo, depois correndo pela sala, rindo, atrás da menina dos cabelos negros.

O ar tremulou e as cores se esmaeceram, perdendo o brilho. O som das risadas tornou-se abafado e deixou espaço para o silêncio. A alegre criança que corria deixou sua forma junto com as cores e seguiu caminhando no corredor. A mente infantil e a imaginação foram colocadas de lado; o ser seguiu seu caminho para lugar nenhum.

Talvez ele tivesse deixado de enxergar, talvez não houvesse nada para ver além da linha reta vazia. Só sabia o ser que o corredor seguia, e não havia nada além. Ele saberia de mais se visse a si mesmo, a sua forma. Quem sabe uma forma indefinida, quem sabe apenas uma lacuna. Não seria possível, no entanto, chegar a alguma conclusão. Se tivesse algum pensamento além do automático, iria mais além do que estava. Mas em sua mente não havia espaço para questionar. Se não era importante, não o fazia. Vivia apenas do necessário, e disso não desistia, também por que não havia nada diferente a ser feito em tal lugar, em tal situação.

Estava apenas cansado.

Podem ter passado minutos ou milênios, mas as cores pintaram novamente as paredes vazias e o som retornou em um novo ambiente. O calor do sol banhou o corredor e tudo se tornou radiante. Em algumas passadas, o ser estava entrando na nova imagem do corredor. Então era uma bela colina perto de um bairro residencial. Logo abaixo havia uma quadra onde algumas pessoas se divertiam. O ser continuou caminhando e sentou-se ao lado da menina, que apreciava o toque do sol em sua pele. Ambos ainda vestiam os uniformes escolares. Jovens colegiais.

- E então, gostou daqui? – O rapaz estava com os olhos quase fechados, evitando a luz do sol que refletia de um lago.

- James, você ainda pergunta? – Um pingo de sarcasmo pintou em seus olhos azuis. Ele a observou, encantado. Ela era ainda mais linda que o lugar.

- Eu sempre venho aqui. Gosto de deitar na grama e pensar um pouco enquanto vejo o mundo girar.

- Soa solitário – Falou ela. Nisso deitou-se na grama, dando risadinhas.

- É um pouco. – Seu coração se acelerava. Não pode evitar olhar para ela. Estava com o cabelo solto na grama, sorrindo e fazendo o que parecia o que ele tinha descrito: ver o mundo girar.

- Vanessa...

Uma gota de suor escorreu pelo canto de seu rosto. Ele havia perdido a certeza se era o reflexo do sol nela ou ela mesma irradiava todo aquele brilho. Ela se virou para ele e o observou, com os olhos sérios e observadores. Ele não pode evitar, e seu coração batia loucamente. Virou-se para ela e aproximou seu rosto no dela. A respiração de ambos tocando em suas faces. Olharam-se nos olhos e perderam todas as duvidas, enquanto tocavam seus lábios em silêncio.

Depois de se afastarem, quase sem certeza de nada, ele se levantou, contra o sol, e estendeu sua mão. Ela subiu ao seu lado, com a respiração ainda um pouco acelerada, confusa com o que fazer.

- Vamos? Sei um lugar legal aqui perto. – Disse ele, com um sorriso no rosto.

Deram-se as mãos e seguiram caminhando. Por um instante as cores pareciam vibrar mais claras, até perder seus tons e afogar-se novamente em um corredor. O rapaz seguiu caminhando ao lado da menina, até que ele voltou a ser a definição de ser e ela sumiu gradativamente.