Possible love escrita por Sion Neblina


Capítulo 13
Entre irmãos I parte


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores, se ainda tiver algum, depois de tanto tempo *vergonha*

Bem, depois de um ano e quatro dias de hiatus, eis mais um capítulo de PL. Infelizmente esse ano foi difícil para mim e a inspiração não me visitou com a mesma intensidade do passado. Como essa fic é a mais complicada de ser construída, ela foi a maior prejudicada por meu ano caótico.
Peço desculpas a todos que estavam acompanhando, sei que muitos desistiram e eu não os tiro da razão. Ainda assim vou continuar com a fic, não sabendo qual será a regularidade das postagens, mas comprometida a terminá-la como a todas as outras.
Obrigada a todos que continuaram cobrando atualizações, em especial a Yume Vy e Litha Youko Chan, que não me deixaram esquecer ela de jeito nenhum.

Beijos a todos vocês, agradeço de antemão àqueles que continuarão aqui comigo.

Boa leitura!

Sion Neblina



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Entre irmãos I parte

Capítulo 13

“Farei sempre o que for necessário para cumprir meu dever de cavaleiro, Athena.” Foi o que ele respondeu à indignação da deusa sobre seus atos.

Athena era apenas uma menina, não compreendia a ordem militar e nem os privilégios cruéis que ser um cavaleiro de ouro lhe concedia. Saga entendia. Sim, ele sabia e por isso não expôs opinião contrária às afirmações do santo de virgem, embora a deusa continuasse a argumentar que certas regras não deveriam permanecer.

“Uma deusa da guerra pacifista! Isso parece piada! Tão piada quanto à reencarnação de Buda ser um militar!” Riu consigo mesmo, amargo, enquanto retornava ao seu templo com o humor bem pior que seu habitual, coisa perigosa. Enfrentaria um interrogatório por causa daquele fedelho de bronze. Agora mais que nunca sentia vontade de matá-lo com crueldade.

“Controle-se, Shaka de Virgem”. Murmurou para si, chegando finalmente ao seu próprio templo e sentindo o cosmo do discípulo. Seguiu tranquilamente para a cozinha, vendo Ikki procurando algo na geladeira. Nada em seu semblante denunciava o quanto estivera irritado há alguns segundos; mas agora, chegando ao seu templo, tal sensação se dissipava completamente, como uma nuvem escura transpassada por um raio de sol.

– Com fome? – Ele indagou, e o cavaleiro mais novo se virou para encará-lo.

– Não como nada desde ontem – falou o moreno, meio desconfiado ao ver o mestre se aproximar dele.

– Farei alguma coisa para comermos se você quiser, mas se achar melhor, pode ir ao refeitório. – Volveu o loiro, aproximando-se da geladeira e verificando o que tinha dentro. – Não tenho muita coisa, mas podemos sair para comprar, caso esteja se sentindo melhor, está?

Ikki estranhou toda aquela cordialidade. Estranhou de forma extrema, tanto que chegou a recuar um passo, ato que não passou despercebido ao indiano.

– Fazer compras? – ele indagou, desconfiado.

– Algum problema nisso? Podemos comprar e depois cozinhar nós mesmo. Vamos, não temos nada a fazer até o parecer do conselho.

– Parecer do conselho? Do que está falando?

– Athena e o grande mestre instituíram o Ato do archeiros cita da Kripteia, teremos que depor sobre o incidente de ontem – explicou o loiro. – Nada muito importante. Você também deve ser convocado a depor.

– Por causa daquela coisinha de ontem? – Ikki riu, desdenhoso.

– Eles invadiram o templo de um cavaleiro; e tentaram invadi-lo à força. Eu poderia ter matado a todos.

– Mas não matou. Por quê? – a curiosidade brilhou nos olhos do cavaleiro mais novo, mas Shaka continuou com seu semblante plácido, os olhos fechados.

– Porque eu não quis. Agora vamos, vamos caminhando até a feira de Rodório. Ainda é cedo, voltaremos antes do almoço.

O moreno deu de ombro. Sabia que não conseguiria arrancar muita coisa de Shaka.

– Tudo bem. – Concordou, mesmo que desconfortável.

– Certo, pegue a sacola e venha – disse o indiano, dando as costas e caminhando para a saída do templo.

“Continua me tratando como se fosse seu empregado que eu dou um jeito de você não voltar...” resmungou Fênix, pegando a maldita sacola e o seguindo. Em silêncio.

***Possible Love***

A arena ainda estava relativamente vazia, apenas alguns aspirantes brincavam de quebrar pedras com seus golpes e treinavam entre si, enquanto esperavam os mestres. Afrodite estava numa quadra um pouco afastada da arena central. Treinava sozinho, exercitando o corpo sem utilizar seu cosmo. Vestia apenas uma calça justa azul-clara e sandálias trançadas nas pernas. Ele estava suado, os cabelos longos presos num rabo de cavalo desalinhado grudavam-se em sua testa e costas, enquanto ele fazia sua série de exercícios peitorais na barra.

Kanon sentou-se na arquibancada e ficou observando-o em silêncio, nem de tão perto, nem de tão longe. De distância suficiente para não atrapalhar a concentração do outro.

A manhã despontava num tom azul forte e pássaros cantavam ao redor do santuário. Havia certa paz ali, o que era estranho a um lugar tão militarizado, tão rígido, mas o cavaleiro de gêmeo gostava disso.

O loiro terminou seu treinamento e andou até uma pequena bica que havia ali perto, jogando-se sob a água que brotava do amontoado de pedras por um cano. Ele molhou o corpo e o rosto, soltando os cabelos e os sacudindo. O cavaleiro de gêmeos meio que prendeu a respiração com aquela visão sensual do companheiro de armas, mas permaneceu silenciosamente respeitoso. Não costumava invadir o espaço dos outros. Também gostava de ficar distante, de ter seu próprio mundo. Não era uma pessoa tão aberta, não havia como ser, devido ao seu histórico naquele lugar.

O outro cavaleiro saiu da água e caminhou até ele, encurtando ainda mais a distância que ele mantinha, mas aquilo não foi uma surpresa.

– O que você quer, gêmeos? – o pisciano perguntou com uma voz indiferente. – Por que está me espreitando desde que chegou aqui? Fale o que tem a falar e vá embora.

Não havia nenhuma civilidade e ainda menos simpatia no tom de voz do cavaleiro de peixes. Diria que havia um alerta, um alerta de perigo, como acontece aos anfíbios e insetos muito coloridos ­– bonitos –, um alerta que dizia: fique longe ou você morre!

Kanon sorriu com um pouco de deboche, embora dentro de si retumbasse uma tristeza solene. Não mágoa. Mágoa não, pois já esperava por aquilo. Apenas uma respeitosa tristeza a qual ainda tinha direito.

– Pelo que eu saiba, como cavaleiro, tenho direito de ir e vir dentro do santuário. Se estiver incomodado com minha presença, retire-se você, Peixes – desafiou.

Afrodite virou-se para ele, mirando-o nos olhos e aproximando-se devagar, até estar bem perto do outro, erguendo o queixo para olhá-lo nos olhos.

– Ouça bem, Dragão marinho – ele disse sério, quase com raiva. Kanon já sabia que quando o loiro o chamava por tal nomenclatura era porque queria ofendê-lo, diminuí-lo, espezinhá-lo. – O que aconteceu entre nós dois naquela noite foi um erro que não mais se repetirá. Espero que entenda isso e pare de me perseguir.

Kanon o encarou por um tempo com um olhar muito sério, desprovido de sarcasmo ou gentilezas.

– Admito que seja belo, Afrodite, muito belo. Mas acho que essa beleza o deixou vaidoso e cego. O que acha que o faz tão especial para que eu queira repetir o acontecido? Não se dê maior importância do que de fato tem. Você foi apenas um amante, alguém descartável como tantos outros. Foi apenas sexo, nada mais que isso, afinal, somos cavaleiros e outros sentimentos não fazem parte da nossa vida, esqueceu? Não devemos amar; não devemos nos envolver com pessoas que venham a chorar nossa morte, e isso inclui outro cavaleiro.

Afrodite entreabriu os lábios, certamente não esperava aquela resposta fria, mas seu semblante não mudou, continuou grave.

– É muito bom que pense assim, Dragão marinho. – Ele disse, passando por Kanon e se afastando em direção as 12 casas.

O cavaleiro de gêmeos ficou um tempo ali parado. Não queria pensar no que sentia, não queria sentir o que sentia e por isso sorriu meio debochado de si mesmo e resolveu voltar ao seu templo. Quando adentrou a casa de gêmeos, sentiu um cosmo familiar e sorriu, chegando ao jardim e encontrando Saga admirando a paisagem.

– Grande mestre – ele ajoelhou-se em respeito, e o gêmeo mais velho riu.

– Levante-se, irmão, eu não o visito como o grande mestre – disse Saga que apesar de usar a túnica, não usava a máscara. Não gostava dela, não mais.

– Então o que o tirou do 13º templo? – falou o mais novo, se erguendo.

– Será que não se pode vir tomar o café da manhã com o irmão nesse santuário? – debochou o outro com amabilidade.

– Claro que pode! – Kanon riu sem jeito – Vou pedir para que seja servido, só um minuto.

Minutos depois, os dois tomavam café, apreciando a paisagem límpida da manhã grega. Conversavam sobre o passado, as experiências, a nova vida, e foi então que o assunto chegou ao cavaleiro de peixes, e o gêmeo mais novo sentiu-se embaraçado por serem tão evidentes os seus sentimentos.

– Quando soube? – indagou a Saga, que provou um pouco de chá antes de responder.

– Na festa. Na verdade, acho que todos no santuário notaram, mas como todos estavam embriagados demais de amor naquela noite, ninguém deve se lembrar. – Os olhos verdes do grande mestre sondaram o cavaleiro. – Vocês estão juntos?

– Não. Saga, eu não quero falar sobre isso. – Pediu. Não tinha forças para mentir para o irmão, afinal todas as suas desgraças vieram dessa incapacidade de enganar Saga.

– Por quê?

– Afrodite gosta de você e não de mim – foi sincero, deixando o outro meio sem jeito. Saga pigarreou, mas não deixou de encarar o irmão.

– Por que acha isso?

– Porque não sou cego. Sempre vi como ele o olha, desde quando éramos crianças.

– Não pode julgar algo que ele sentia quando era uma criança, o agora-

– O agora é que ele ficou comigo na festa porque eu sou uma sósia sua – Kanon cortou. – Por favor, podemos mudar de assunto? Fosse o que pudesse existir entre o cavaleiro de peixes e mim terminou hoje. Não somos mais adolescentes para brincar de intrigas amorosas no santuário. Esse tempo passou, irmão.

Saga calou-se. Ele percebia o quanto aquela história feria o outro. Kanon sempre foi apaixonado por Afrodite desde que eram crianças. Depois eles cresceram, chegaram à adolescência e as exigências militares se ampliaram. Em seguida, veio toda tragédia; o Cabo sunion, o exílio, o mal. Poseidon e Hades. Tantas circunstâncias os afastaram, era difícil tentar se aproximar agora, tentar uma intimidade que fora serrada à vida toda. Por isso, o grande mestre calava-se e acatava o pedido do irmão. Era o mínimo de respeito que ele merecia por tudo que havia passado.

Eles mudaram de assunto. Terminaram o café, falando sobre o treinamento dos aspirantes e as reformas na arena, nada que realmente importasse, e depois Saga se retirou, alegando ter coisas a fazer. Subiu as escadas em direção ao 13º templo, mas acabou parando no 12º ao sentir o cosmo do cavaleiro de peixe que vinha do jardim de rosas venenosas, rosas tão letais quanto perfumadas.

Afrodite sentiu o cosmo do grande mestre e tratou de vestir sua armadura antes de se apresentar no salão do templo. Ajoelhou-se perante ele e esperou que Saga o autorizasse a se erguer.

– Afrodite, podemos conversar – o patriarca disse, depois que o cavaleiro já estava ereto.

– Claro que sim, mestre...

– Saga. – O mais velho corrigiu. – Não é como mestre que quero falar com você agora.

O loiro franziu a testa, sentindo-se um pouco tenso, mas apenas assentiu com a cabeça e convidou o grande mestre para entrar em sua casa.

– A que devo a honra? – indagou, e mesmo que houvesse reverência em sua voz, também havia sarcasmo, algo que ele não era capaz de conter.

– Kanon.

A menção ao cavaleiro de gêmeos fez o loiro estancar e engolir em seco.

– O que tem ele?

– Eu sei que ele o ama. Há muito tempo, Afrodite.

O loiro sentiu algo estranho no peito. Não sabia o que responder. Aquele era um assunto íntimo demais para ser tratado com o grande mestre e, ao mesmo tempo, era íntimo o suficiente para ser tratado com aquele homem. O homem que idealizou durante tantos anos. O homem com quem sonhou a vida toda.

– Isso não me interessa, mestre. – O cavaleiro de peixes disse, sério. – Desculpe-me, mas não creio que seja um assunto que devamos tratar. Sou um cavaleiro, ele também e...

– Somos todos humanos, Afrodite. – Saga o interrompeu, mirando a expressão grave do outro guerreiro. – Há muito que as restrições foram suavizadas, talvez até abolidas do santuário. Nada impede que haja relações entre cavaleiros e amazonas ou cavaleiros e cavaleiros. Temos conhecimento de muitos envolvimentos, você deve saber.

Afrodite permaneceu calado e sério. Analisava as palavras do Grande mestre e tentando não se deixar influenciar por ela. Se Saga dizia que não estava ali como grande mestre, ele não tinha obrigação nenhuma de seguir seus desmandos.

– Eu não sou como os outros cavaleiros – disse, decidido. – Não creio que envolvimentos amorosos devam fazer parte da vida militar.

O antigo cavaleiro de gêmeos suspirou com certa amargura.

– Há muitas coisas que não fazem parte das obrigações de um cavaleiro e nem por isso deixamos de fazê-las. Não devemos viver no passado, Afrodite, mas também não podemos esquecê-lo.

Aquele foi um golpe forte e atingiu o cavaleiro de peixes de forma cruel. Sim, ele lembrava-se que muitas vezes esquecera sua missão de proteger a terra, a deusa e as pessoas. Sabia que havia abraçado o mal e deixado a vaidade falar mais alto; uma vaidade cruel e profana. Mas agora era outro homem, um homem expurgado pelo fogo do inferno, Saga não tinha o direito de lembrar-lhe daquilo, mesmo que ele fosse o grande mestre.

– Sei exatamente o que fiz no passado, Saga – falou de forma insolente e magoada. – E também sei o que não devo fazer hoje. Eu escolho fazer o certo. Agora se me der licença, tenho minhas obrigações, como deve saber.

Ergueu-se e afastou-se um pouco, esperando que o Grande mestre fizesse o mesmo.

Saga não resistiu, assentiu com a cabeça e agradeceu pela breve conversa, saindo em seguida para seu templo. Ele também possuía muitos afazeres e com certeza esses afazeres não eram se preocupar com a vida amorosa do seu irmão. Sentia não ter conseguido ser mais direto com Afrodite, mas a verdade era que sua atual posição dentro do Santuário o impedia de conversas mais íntimas, um empecilho implícito, e não imposto, mas que existia.

Depois que ele saiu, Afrodite mirou o relógio que aguardava mudo na parede. Ficou um bom tempo mirando o ponteiro que se movia com uma lentidão triste e dilacerante e então se vestiu numa capa e resolveu andar um pouco ao redor do santuário. Tempo. Era tudo o que tinha.

***Possible Love***

A caminhada era longa, mas não era nada para os dois. Ikki diria até que foi muito agradável e interessante o tempo que andou, muitas vezes mudo, ao lado do mestre. Era estranho, mas Shaka, tão cruel e indiferente, às vezes sabia transmitir-lhe uma estranha segurança e paz. Sorriu, pensando sobre isso. Estava sendo idiota, sabia. Sim, idiota. Prometera que não nutriria mais nenhum tipo de sentimento... Por ninguém. Talvez estivesse passando muito tempo no santuário. Talvez devesse partir.

Na verdade, sua alma livre já clamava por isso há algum tempo e ele não entendia por que ainda hesitava. Shun estava bem, parecia bem... Até demais. Fênix andava desconfiado de tantos sorrisos e suspiros vindos do irmão. Não que achasse ruim, não; estava muito feliz por ele estar recuperado, estar bem. Isso aliviava um peso enorme de si. Era o que queria, mas... Não sabia como classificar a sensação estranha que o dominava. Era como se seus sentidos o despertassem para um iminente perigo do qual talvez ele não pudesse escapar.

– Costuma sempre pensar tanto enquanto caminha?

A voz do mestre o afastou dessas indagações e ele somente pôs as mãos nos bolsos e moveu os ombros, as sacolas apoiadas nos pulsos.

– Quer conversar? O que é isso, carência? – provocou com um sorrisinho torto. As respostas rápidas e afiadas eram de sua natureza, mesmo que nutrisse uma reverência que beirasse a adoração por aquele homem santo que seguia ao seu lado.

Shaka sequer o olhou, continuou o caminho com os olhos fechados como sempre e isso o irritou de alguma forma. Estranhamente, gostaria de ter alguma reação do mestre que não a total indiferença ascética que tanto admirava nele.

– Você pode ler meus pensamentos também, Shaka de virgem? – indagou, incomodado.

– Não. Se pudesse, não teria perguntado – respondeu o virginiano simplesmente. – E pra você é Mestre – corrigiu ainda num tom tranquilo.

– Hum... Sobre isso... Acho que está na hora de ir embora – Fênix disse também com um jeito tranquilo.

Shaka não respondeu, continuou a andar sem nenhuma mudança no semblante que revelasse o que ele pensava.

– É livre para fazer todas as escolhas – ele disse depois de vários minutos, fazendo o cavaleiro mais novo se irritar um pouco, mas Ikki controlou isso. Sim, sabia que não significava nada para o cavaleiro de virgem e, pelos deuses!, por que isso importava tanto?

– Sim, eu vou embora. – Continuou sem conseguir esconder o tom ofendido da voz. – Só preciso ajeitar umas coisas com Shun, assim que tiver certeza de que ele está bem, eu dou o fora!

Shaka fez um leve aceno de cabeça e eles continuaram o caminho, cada qual em seu mundo até que chegaram ao templo de virgem.

Ikki esperava alguma reação, não podia negar, ao menos que ele perguntasse o motivo. Mas não entendia por que se sentia tão decepcionado. Aquele era Shaka de Virgem, o asceta, o discípulo de Buda, a reencarnação de Vishnu, um deus encarnado, um deus-humano indiferente, mesmo que ao mesmo tempo carregasse todas as dores de uma humanidade que não entendia o divino. O que esperava? O que esperava?

Não deveria esperar nada. Absolutamente.

Sentiu-se amargo, humilhado, pequeno diante da grandeza do outro. Natural que ele não se importasse, natural que para ele, o poderoso cavaleiro de fênix não fosse ninguém... Um reles cavaleiro de bronze...

Chegaram à cozinha e começaram a separar os alimentos. Shaka falava tranquilamente sobre o que fariam, e Ikki apenas aceitava com acenos de cabeça e resmungo. Havia perdido o bom humor e o apetite, por mais insano que isso fosse. Nem mesmo se entendia, não entendia tanta importância e tanta expectativa.

Mas não estava disposto a esmiuçar seus sentimentos, nunca fazia isso. Pensar no que sentia não era algo que ele fizesse, não, de forma alguma. Até por que, isso significava mergulhar de um precipício num mar de dores, remorsos e lembranças que só o destruiria. Não, melhor deixar como estava. Sorriu com um pouco de amargura e continuou a cortar os legumes que Shaka pedia, sem mais se importar com o que apertava seu peito.

***Possible Love***

Máscara da Morte descia as escadas em direção ao seu templo. Ele também foi chamado para uma conversa pelo grande mestre, mas não estava irritado, já estava acostumado a isso; era sempre assim, ele aprontava algo, matava algum guarda, destruía algum muro, e o grande mestre, seu eterno mestre, o chamava para saber o que havia acontecido. Se bem que, nesse caso, a culpa não fora dele. Como ele poderia deixar que Shaka ferisse, seu piccoli? Nunca! O cavaleiro de virgem teria que ser mais que um deus para que permitisse aquilo e ainda assim, ele lutaria.

Na manhã seguinte, instituído o Ato dos archeiros Cita, todos os envolvidos nos acontecimentos seriam novamente convocados, agora de modo oficial, para responderam sobre “quebra de decoro militar”. Ele estaria de frente a Shura de capricórnio e seu olhar implacável. Suspirou; o olhar do espanhol era algo que ele não gostaria de enfrentar. Sentia-se terrivelmente incomodado ao encará-lo, era verdade. Saber o que ele perdeu, saber o que ele sofreu...

A verdade era que embora Saga parecesse ter sido expurgado completamente dos seus pecados por ser “o preferido” de Athena, para ele, Máscara da Morte, não haveria nunca perdão. Ouvira uma vez que pior que a crueldade do cruel era o consentimento dos piedosos... Mas ele nunca foi piedoso, ele participara ativamente do terror de forma bárbara e monstruosa. Não fora passivo e permissivo; não observara como um covarde. Fizera parte do terror e havia gostado do que fizera. Sabia que havia um lugar especial no inferno para pessoas como ele.

Suspirou, melhor não pensar sobre aquilo. A tarde seria cheia e ele não queria se preocupar excessivamente. Provavelmente os dois garotos de bronze também seriam chamados pela Kripteia e isso poderia significar um grande problema. Aquela não seria a forma certa de Fênix saber do seu envolvimento com Andrômeda. Conhecia o temperamento do mais velho dos cavaleiros de bronze, talvez ele não visse isso com bons olhos e não queria Shun magoado.

Sorriu ao pensar nisso. Eles passaram uma noite tão agradável. Dormiram abraçados, depois de uma longa conversa e já muito cedo, o garoto deixou seu templo para seus afazeres na escola com Marin, e ele foi tempos depois atender ao chamado do grande mestre.

Namorados! O que aquilo significava? Estava confuso e também feliz, feliz como nunca se sentiu na vida, mas ainda ansioso com a situação. Se fosse para ser, fazia-se necessário deixar as coisas muito claras. Estava cansado de se esconder. Sabia que Athena não se incomodaria, agora só precisava saber de Shun, se ele estava disposto a contar ao irmão sobre o relacionamento. Talvez essas questões familiares fossem complicadas.

Shun deixou a escola por volta do meio dia. O sol brilhava intensamente como geralmente brilhava na Grécia, e ele sentiu uma vontade intensa de dar um mergulho, mas teve que adiar isso ao receber o informe da Kripteia. Seu sangue gelou nas veias ao ler a convocação para uma audiência naquela tarde. Apressou-se a ir procurar o namorado, o encontrando já pronto para ir ao décimo terceiro templo.

– Então também foi chamado?

– Todos os envolvidos no ocorrido ontem no templo de virgem, piccoli. Prepare-se. – Falou o italiano resignado e estendeu a mão ao namorado. – Vamos?

Shun encarou-o no rosto e depois mirou a mão estendida sem saber com agir. Deu um passo para trás, hesitante.

– Mas agora? – Murmurou, ainda entontecido por aquela notícia.

– Pensei que podíamos almoçar e depois iríamos. Está marcado para a primeira hora após a sesta. – Máscara da morte falou, franzindo as sobrancelhas, estranhando o comportamento hesitante do mais novo.

– Ângelo... – os olhos verdes encararam os violáceos suplicantes. – Ficaria muito chateado se não fôssemos juntos? É que o Ikki... Ele ainda não sabe...

O cavaleiro de câncer respirou fundo, não queria mostrar-se aborrecido, mas aquelas palavras deixaram-no decepcionado.

– Tudo bem, piccoli, como achar melhor. – Ele disse, tentando não ser seco, mas estava levemente irritado e Shun percebeu, embora tenha se calado. Era melhor assim por enquanto, isso também poderia desviar a atenção do escândalo na casa de virgem. Deuses! Que pesadelo. Por que Shaka precisava ser tão indisposto?

Os dois adentraram a casa para o almoço. Já algum tempo, não iam ao refeitório, preferindo a privacidade do templo de câncer. Se fosse sincero, Shun confessaria que estava falhando em alguns dos seus deverem, um deles o de ensinar Ângelo a escrever bem em grego. Muitas vezes, passavam as tardes entre beijos e conversas em vez de estudarem, e Máscara da morte não o havia treinado uma vez sequer. Entendia que isso começasse a ficar suspeito dentro de uma ordem militar rígida como a dos cavaleiros de ouro. Não sabia muito bem que tipo de problemas isso pudesse acarretar. Para ele o único problema era se Ikki compreenderia o que estava acontecendo entre ele e o italiano. Fora isso, pouco o preocupava.

Tudo transcorreu bem e depois da sesta, eles se apresentaram separadamente para a Kripteia. Não era um julgamento de caso, era apenas uma entrevista formal a respeito dos acontecimentos na casa de virgem, por isso não havia toda solenidade que ocorria nas demais reuniões. O ato dos archeiros cita tinha como intuito averiguar possíveis discordâncias entre os guerreiros que poderiam resultar em incidentes maiores. Devido a isso, todos os cavaleiros envolvidos seriam ouvidos juntos, respectivamente e sem nenhuma espécie de confronto de ideias ou relatos. Quem quisesse, teria a oportunidade de desculpar-se ou explicar seus atos durante tais incidentes, mais nada. Contudo, se a Tropa e a Kripteia julgassem conveniente iniciar um processo, convocariam a Helieia.

Shun e Máscara da morte estavam relativamente tranquilos, até saber que o primeiro a ser ouvido seria o cavaleiro de virgem. O maldito indiano certinho – assim pensava Máscara da morte – era capaz de por tudo a perder naquele momento, e com certeza ele faria. Mas talvez isso fosse o certo a fazer. Abrir o jogo com o conselho e não precisar mais fingir nada.

O conselho foi reunido para discutir sobre o incidente na casa de virgem. Todos os envolvidos seriam ouvidos numa reunião geral, já que naquele momento havia apenas a averiguação de um incidente, pois seria necessário que cada versão contasse o mesmo ocorrido ou ao menos se complementassem.

Shaka foi o primeiro a ser formalmente convocado e se apresentou à Kripteia, à tropa e ao grande mestre, tranquilo e altivo como sempre. Vestido na reluzente armadura de ouro, ele parecia um anjo vingador que detinha poderes absolutos.

Shun, Ikki e Máscara da Morte se sentaram em duas cadeiras mais atrás, enquanto o indiano se dirigiu à cadeira no centro da pequena sala, de frente aos representantes da Tropa, Aiolia, da Kripteia, Shura e do grande e Athena.

Shura estava de pé com um pesado livro nas mãos. Seria ele o responsável por dar início à reunião.

– Pelas leis de Athena, do grande mestre, e das 88 constelações, iniciamos O ato dos archeiros cita.

A leitura das regras d’O ato dos archeiros cita foi proferida por Marin, Epístata dos Prítanes, e Shaka precisou se pronunciar. Ele ergueu a mão direita antes de fazer o juramento solene:

– Eu, Shaka, cavaleiro de ouro da casa de virgem, juro solenemente dizer apenas a verdade diante do conselho da deusa, do grande mestre e dos meus iguais.

Após declarar tais palavras, foi permitido que Shaka assentasse-se numa cadeira, de frente à mesa semicircular do conselho formado pelo líder da tropa, líder da Kripteia, Grande mestre, Athena e a Epístata dos Prítanes, que estava ali somente como testemunha. Duas amazonas eram encarregadas de digitar tudo que fosse dito naquela sala a fim de registro para qualquer investigação futura e ocupavam uma mesa lateral, munida por computadores modernos.

O líder da tropa foi o primeiro a se pronunciar, erguendo-se e fazendo uma saudação respeitosa ao cavaleiro de virgem que se ergueu também, repetindo o cumprimento do colega, antes de voltar a se sentar.

– Shaka, quero que relate o ocorrido em seu templo durante o incidente envolvendo o cavaleiro de bronze, Shun de Andrômeda, e Máscara da Morte, santo de Câncer. – Aiolia pediu, formalmente.

Shaka permanecia de olhos fechado como o costume e não parecia nem um pouco incomodado com a condição de “interrogado”. Quando falou, sua voz foi tranquila como as águas do Egeu no verão:

– O cavaleiro de Andrômeda tentou invadir o templo de virgem sem que eu houvesse permitido, motivado pela sua preocupação com o cavaleiro de fênix, atualmente meu pupilo, que se encontrava em estado de convalescência devido a ferimentos adquiridos durante o treinamento.

– E o que aconteceu?

– Eu o impedi.

– E o que aconteceu depois disso? – Aiolia continuou.

– O cavaleiro de câncer na posição de mestre de Andrômeda quis evitar a morte certa do discípulo e me afrontou, como todos já sabem.

Máscara de Morte e Shun se entreolharam nesse momento. Sim, para todos os efeitos, eles possuíam uma relação de mestre e discípulo, mas isso nunca foi “oficial” ou tão sério quanto Shaka fazia parecer naquele momento. Fora apenas uma ideia boba da deusa adolescente. O que aquele budista queria afinal?

Aiolia assentiu com a cabeça e passou a palavra a Shura. O cavaleiro de capricórnio se aproximou do de virgem o cumprimentando.

– Shaka, você afirma que o cavaleiro de câncer invadiu sua casa em defesa do discípulo, mas o que foi averiguado pela Kripteia é que a relação entre o cavaleiro de bronze, Shun de Andrômeda, e o cavaleiro de ouro, Máscara da morte de câncer, não abrange apenas essa relação. Há indícios que ambos mantêm uma relação pessoal muito próxima e que isso ficou claro com declarações do cavaleiro de câncer em seu templo. Você confirma essas declarações?

Shun já não escutava o que estava sendo dito, seus olhos buscaram os de Ikki que o encarava em total confusão e estarrecimento. Todavia, o restante dos presentes esperavam ansiosos o posicionamento do sempre sério e tranquilo santo de virgem, alguém acima de qualquer suspeita. Ikki também, apesar da confusão, esperava o que Shaka tinha a dizer com profunda angústia.

– Não. – Shaka disse com a mesma voz calma e firme do começo. – Não posso dizer que as atitudes de câncer deram margem a qualquer insinuação desse tipo.

– Você afirma então que o incidente foi baseado na relação de mestre e discípulo e não por uma relação não inerente às funções de cavaleiro?

– Shura... – Saori chamou a atenção do líder da kripteia.

– Acho relevante a pergunta, Athena, por questão de decoro somente. – Explicou o santo de capricórnio o que fez a deusa assentir com a cabeça.

Todos os olhos se voltaram para Shaka novamente.

– Então, Shaka, você afirma que o incidente não foi causado pela relação pessoal entre os cavaleiros de Câncer e de Andrômeda?

– Não.Essa não foi a causa do incidente – Shaka declarou novamente, fazendo Shura franzir as sobrancelhas – Talvez haja uma relação de afeto entre eles sim, mas não entendo por que isso interessaria à Kripteia.

Um silêncio tenso se fez no local, e Shun agradeceu por Shaka ter sido ouvido antes de todos. Aquilo com certeza encerraria aquela história. Seu corpo tremia de nervoso e ele baixara os olhos, incapaz de continuar encarando Ikki.

Shura e Aiolia trocaram olhares e depois se dirigiram ao grande mestre, conversando baixinho com ele por algum tempo.

O grande mestre se ergueu de forma imponente e declarou:

– Conforme as declarações do guardião da casa de virgem, não temos mais perguntas a nenhum dos cavaleiros chamados. – Ele fez uma mesura à Marin, que também se ergueu, vestida em sua toga branca e tendo a máscara de amazona sobre o rosto.

– Por decisão do grande mestre – ele disse – O ato dos archeiros cita está encerrado.

Todos se ergueram. Os cavaleiros, menos Ikki que saiu de imediato à declaração, prestaram reverência à deusa e ao grande mestre e saíram um a um, enquanto as amazonas assinavam as atas como testemunhas.

Shun seguia tenso, calado, ao lado de Máscara da morte, que também não dizia nada. Ele sabia como o outro se sentia. Sabia que havia sido uma péssima forma de Fênix ficar a par de tudo. Mas não havia nada a fazer agora.

Quando eles chegaram ao templo de câncer, Andrômeda suspirou, sendo o primeiro a dizer algo.

– Ele deve estar muito decepcionado comigo, Ângelo, o que farei? – Murmurou, preocupado.

– Que tal contar a verdade? Dizer que estamos juntos, que gostamos um do outro e que ninguém pode se meter nisso! – Irritou-se o mais velho. – Piccoli, até quando achava que isso ficaria em segredo?

– Não queria que fosse segredo, mas queria ter tido a chance de contar a ele. Não sei o que fazer, não posso fazer isso, não agora! – Shun disse, os olhos úmidos. – Eu preciso pensar, Ângelo, por favor, me ajude nisso. Se ele perguntar algo, se ele o procurar...

– Quer que eu negue? – O cavaleiro de câncer mirou o namorado estarrecido, decepcionado. – Piccoli, percebe o que me pede? Acha que seu irmão é tolo de acreditar agora que é mentira?

Shun empalideceu e recuou. – Me desculpe, Ângelo, eu não sei o que fazer, só não quero brigar com meu irmão, me desculpe! – Abraçou o namorado que acabou respirando fundo e tentando conter a irritação. Não conseguia brigar por Shun por mais que aquela atitude covarde dele o irritasse.

– Calma, piccoli... Além do mais, o que seu irmão poderia fazer? Dizer que discorda? Se ele o ama, terá que aceitar isso.

– Você não conhece o Ikki quando ele não gosta de alguém e definitivamente, ele não gosta de você.

Câncer riu, também não gostava nem um pouco do cavaleiro de fênix e daquele jeito dele de que era dono do santuário, mas Shun não precisava saber disso.

– Fique tranquilo – beijou o topo da cabeça do mais novo. – Vai ficar tudo bem, o enjoado da casa de virgem deve ter uma longa conversa com seu irmão.

Shun acabou rindo daquele apelido. Esperava mesmo que Shaka conseguisse por um pouco de juízo no irmão, embora não confiasse no cavaleiro de virgem e também não entendesse suas atitudes.

– O que acha de jantarmos aqui e passarmos uma noite agradável? – Câncer sugeriu, fazendo Shun franzir a testa.

– Não , Ângelo. Preciso ir falar com ele. Precisamos ter essa conversa essa noite.

– Então faça isso, cáspita! E depois venha ficar comigo! – falou, sorrindo, querendo passar confiança ao amado. – Estarei aqui esperando.

Shun assentiu com a cabeça, abraçando o namorado mais forte, em silêncio. Máscara da morte sentiu o corpo dele trêmulo, mas não disse nada, apenas afagou-lhe os cabelos. Nunca tivera um irmão e não sabia da importância que uma pessoa assim podia ter para outra, mas conhecia Shun e a profundidade dos seus sentimentos. Esperava, melhor, torcia para que eles se entendessem.

Afastou-se delicadamente, dando um beijo nos cabelos do cavaleiro mais novo, antes de erguer-lhe o queixo e olhar em seus olhos.

– Vai, piccoli. Io espero que tudo dê certo entre vocês.

Shun suspirou, assentiu com a cabeça e partiu em direção a Rodório.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Beijos a todos que passaram por aqui. Obrigada de coração aos que continuam!