“O que o Duff ta fazendo na casa da minha vó?”

Amaldiçoando a minha sorte incrível, subi as escadas, pensando que, de algum modo, agora eu tinha que dar algum tipo de apoio moral pra garota. Logo eu!

Só pra fazer uma pequena revisão aqui: no início da semana eu voltei a ter dezessete anos, ganhei o Duff como pai, perdi metade da minha dignidade, voltei pro ensino médio, entrei pro time de futebol da escola, comi a comida queimada do Duff e agora tenho que bancar o psicólogo pra uma fulaninha que acabou com todo o MEU XAMPÚ DE VINHOOOOOOOOO!

Abri a porta do quarto e encontrei a coisinha jogada na MINHA cama, praticamente babando no conjunto de fronhas de seda branca dos meus travesseiros. Respirei fundo e me controlei pra não ter um ataque, já que eu tinha que fazer o papel de “ombro amigo”.

- Michelle? – perguntei calmamente, me sentando na beirada da cama e cutucando ela com um dedo só pra constatar seu estado biológico. – Você ta viva?

- Hmrm – disse ela com a voz abafada pelo travesseiro. Revirei os olhos e tirei o treco da cara dela.
- Que foi que você disse?

- Eu disse que minha vida é uma merda, quando eu tinha cinco anos ninguém quis me dar um pônei de natal, acabei de lascar uma unha, to usando a roupa de uma descarada e os shorts de um tarado, paguei trezentos dólares pra ver aquele corno e ele me desprezou e, como se não pudesse ficar pior, ontem eu perdi todo o trabalho de duas semanas por SUA CAUSA, seu bagaço do inferno, arruinou todo o meu trabalho de química! Tá bom ou quer que eu continue?

Não, não, ta legal, acho que já deu pra sacar o drama. Não que eu tenha entendido muita coisa, exatamente, mas ninguém podia dizer que eu não fizera o papel de bom ouvinte, certo?!

- Seria legal ressaltar que você está na MINHA casa, usando as MINHAS roupas, dormindo na MINHA cama e babando nas MINHAS fronhas que foram trazidas da ÍNDIA e ME xingando?

- Não, eu estou na casa do AXL, usando as roupas do AXL, dormindo na cama do AXL, babando nas fronhas de seja-lá-de-onde-vieram do AXL e xingando o... sobrinho?! Bem, não interessa.

- Vejo que você já está bem melhorzinha – falei me levantando da cama, sinceramente magoado por toda essa coisa de ter que fingir que as minhas coisas são “do Axl”. – Que tal a gente descer e ver se o meu... pai... não está tentando cozinhar mais nada?!

Digamos que aquela conversa super produtiva com a guria tenha surtido algum efeito, porque ela deu um sorrisinho e saiu correndo na minha frente, você sabe, daquele jeito em que parece que ela acha que a casa é dela.

Acontece que assim que consegui chegar na sala, me deparei com os caras esparramados pela sala assistindo sabe-se-la-o-que na TV. Nota: a Michelle também já estava lá, sentada no tapete dividindo a pipoca com o Slash quando a campainha tocou.

- Steven, abra a porta – disse a diva sem desgrudar os olhos da TV.

- Eu, não, vai você! – respondeu o Steven, que estava com os pés no colo do Izzy, tacando uma pipoca na cabeça do Duff.

- Slash, vá você, então! – continuou ele, pegando a pipoca que Steven jogara e mirando na cabeça do Slash. Digamos que a pobre pipoquinha tenha sumido nas profundezas ocultas.

- Por que eu? – perguntou Slash, balançando a cabeça pra tentar se livrar da pipoca enquanto Michelle parecia tentar entender por que diabos ela fora escolher se sentar ao lado dele.

- Porque você é o mais novo! – respondeu Duff, revirando os olhos.

- Junior, você ouviu o que seu pai disse, abra a porta! – gritou Slash, fazendo a pipoca voar em mim.

- Ele mandou VOCÊ abrir a porta! – respondi erguendo uma sobrancelha.

- Não, ele mandou o mais novo ir.

Pensei em xingá-los, mas a pessoa que estivera apertando a campainha freneticamente estava agora batendo na porta. Achei estranho, convenhamos, já que o portão era bem alto e tínhamos cerca elétrica em cima do muro, então era praticamente impossível que alguém pulasse o muro; eu também não esperava que alguém que tivesse a capacidade – e a cara de pau – de pular o muro fosse bater na porta, depois de tudo. A questão é que eu resolvi abrir logo de uma vez, já que aqueles cinco estavam com cara de que só sairiam do sofá quando o que quer que fosse que eles estivessem assistindo acabasse; talvez fosse algum seriado policial fodão, mas eu duvidava que qualquer um deles tivesse idade mental suficiente para entender qualquer coisa que fosse mais avançada que A Pantera Cor-de-Rosa.

- Já vai, caralho! – gritei girando a maçaneta. Sério, só faltavam derrubar a porta.

- ALELUIA, vó, tava achando que... Espera, você não é a minha vó!

- Com a graça de Deus! – respondi.

Isso porque a criatura parada ali na varandinha era nada mais, nada menos que a mula quadrada do Gabriel.

- Como é que você conseguiu entrar aqui, moleque? – perguntei observando-o encharcar o tapetinho de boas vindas que a Beta tinha comprado.

- Ué, eu entrei pelo portão. O que é que VOCÊ está fazendo na casa da minha vó?

- DUFF, VOCÊ DEIXOU O PORTÃO ABERTO OUTRA VEZ? – gritei, ignorando o paspalho.

- Espera, de que Duff você está falando? – perguntou Gabriel, me empurrando para o lado e entrando no hall. Que crianças abusadas!

- Tem mais de um Duff? – perguntei, batendo a porta.

- O que o Duff ta fazendo na casa da minha vó?

- Aqui não é a casa da sua vó – respondi. Sério, como pode caber tanta ignorância numa pessoa só?

- Não? Então sou eu que to na casa do Duff?

- Não. Só um quinto da casa é dele – respondi, embora não fizesse muita diferença, exatamente, já que ele me deixou falando sozinho e foi entrando.

- Ah, então o Junior fez mesmo alguns amiguinhos, não é?! – estava dizendo o Duff quando eu consegui me arrastar até a sala.

- Ah, meu Deus, é o DUFF MCKAGAN! – gritou o Gabriel, pulando e me estapeando, histericamente – E O SLASH! E O IZZY! E O... Steven. E AAAAAAAAAH, espera, é a Michelle? Ah, oi, cria do mal!

- Oi, marmota gorda! – respondeu a coisinha.

- Dá pra fechar a matraca, to tentando assistir!? – pediu Izzy, concentrado na TV.

- Olha só que puta, ela traiu o Dom Luis Fernando com o Dom Frederico! – gritou Steven, dando um tapa no Duff.

- Eu sinceramente achei o chifre bem colocado, ele não merecia ela – respondeu ele.

- Corre, Dom Luis Fernando, a Maria das Graças vai te matar! – gritou Izzy.

- Impossível que aquelazinha saiu da Espanha e foi pra Itália só pra matar o Dom Luis Fernando.

- Por que ela quer matar ele? – perguntou Gabriel, pulando para o lado do Izzy no braço do sofá (todo encharcado, vale lembrar).

- Porque ele deu o golpe do baú nela! – respondeu o Steven, roubando a pipoca do Duff.

- Não, deixa de ser imbecil, foi o mordomo que roubou o dinheiro da família dela! – retrucou Slash.

- É, e fugiu com a Teresa Cristina! – completou Michelle.

- O que, diabos, vocês estão assistindo? – perguntei, sinceramente pensando se deveria procurar o telefone do hospício.

- Massa Blanca, a sua novela das sete – respondeu Steven, fazendo uma imitação fajuta de um locutor de TV.

- O Izzy gravou os episódios da semana passada e o de ontem. – respondeu Duff.

Revirei os olhos. Sério, eu ainda estava pensando que o Izzy tinha usado os caras como cobaia pra um bagulho novo, mas qual era a desculpa do Gabriel e da Michelle?

(((((-)))))

- AH, NÃO, O DOM LUIZ FERNANDO MORREU! – gritou o Duff, duas horas depois.

- Foi a Teresa Cristina, aquela vadia! – gritei em resposta, enchendo a boca de pipoca.

- Se ela não podia ter o amor dele, ninguém o mais teria! – disse Slash diplomaticamente.

- Ué, mas ela não tinha fugido com o mordomo? – perguntou Gabriel, que agora já estava esparramado no tapete.

- Não, energúmeno, isso foi no capítulo de segunda-feira! – respondeu Michelle – Ela voltou pra pegar o resto do dinheiro da Maria das Graças depois de matar o mordomo!

- E onde o Carlos Eduardo entra nessa história?

- Agora! – gritou Slash, roubando a pipoca do colo do Steven – Ele se ofereceu pra casar com a Maria das Graças e assumir o filho do mordomo.

- E o Dom Frederico?

- Já está na listinha negra da Teresa Cristina – respondi.

- Eu dou pra ele dois ou três capítulos de vida – continuou Izzy, enquanto o intervalo acabava.

“Carlos Eduardo!”

“Teresa Cristina!”

“Se você quiser ver Maria das Graças viva, você terá de matar Dom Frederico!”

- VACA! – berrou Duff.

- Não, sério, se ele matar o Dom Frederico, eu juro que paro de assistir essa droga!

“Não percam o próximo episódio de Massa Blanca, a sua novela das sete!”

- NÃÃÃÃÃÃO!

- Calma, daqui quinze minutos tem o capítulo de hoje – disse Izzy, tacando a bacia de pipoca vazia no Steven, que ainda estava com os pés no colo dele.

- E então, o que vai ter pra rangar? – perguntou o energúmeno do Gabriel.

- Quem disse que você vai jantar aqui? – perguntei, escorregando para o sofá, já que estivera sentado no encosto usando a cabeça do Duff como apoio.

- Junior, não seja indelicado, meu filho! Eu vou cozinhar outra daquela macarronada maravilhosa e...

- NÃO! – gritaram Slash e Michelle ao mesmo tempo.

- Ué, você não disse que o almoço estava ótimo? – perguntei e me arrependi. Isso porque ela me deu um tapa no braço que quase me fez voar pra cima do Steven.

- Eu vou pedir pizza – anunciou Steven, ficando de pé num pulo.

Quinze minutos depois estávamos exatamente no mesmo lugar, embora estivéssemos rodeados de pizza e sinceramente entediados. Quem diria que a tal novelinha ia ocupar nossa tarde inteira?!

- Hey, bagaço, onde é que eu e o Gabriel vamos dormir? – perguntou Michelle, dividindo um pedaço de pizza com Slash.

- Vocês vão dormir aqui? – perguntei tentando me desenrolar do queijo super derretido.

- É obvio – respondeu Gabriel, tacando uma almofada em mim.

- A Michelle dorme no quarto do Axl, o Steven dorme no quarto do Izzy, o Slash dorme no meu quarto, o Gabriel dorme na sala, eu durmo no quarto do Steven e o Junior dorme no cochonete atrás do carro.

- Por que eu não posso dormir no quarto do Slash?

- Acredite, você não vai querer dormir com a Samantha – respondeu Duff.

- Espera, por que o Slash não dorme no quarto do Slash? – perguntou o Slash.

- Porque o Duff está dizendo que o Slash não pode dormir no quarto do Slash, o Slash tem que dormir no quarto do Duff e o Duff tem que dormir no quarto do Steven, por isso o Junior tem que dormir na garagem. – respondeu Duff.

- Como é que é? – gritei.

- Agora, sério, o Steven quer saber por que o Duff e o Slash estão se referindo a si mesmos na terceira pessoa! – disse Steven. Não tive tempo de tentar raciocinar direito o que esses malucos estavam falando, já que um barulho irritante me interrompeu.

- Que droga é essa? – perguntei.

- Ah, é o meu despertador – respondeu Izzy.

- E por que ele ta despertando, mesmo?!

- Hm, não sei...

Nos entreolhamos.

- A NOVELA!