O Teatro escrita por GabrielleBriant


Capítulo 25
Presente de Aniversário




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XXV

PRESENTE DE ANIVERSÁRIO

Era como estar anestesiado – uma sensação esquisita que, aparentemente, as freqüentes rejeições de Linda Marie lhe proporcionavam.

Severo olhava para a biblioteca vazia. Há pouco tempo, tivera a sua esposa em seus braços... Como se nada tivesse acontecido. Como se eles ainda fossem o mesmo casal de anos atrás.

E ele conseguiu perdê-la. Novamente. Como, exatamente, era um mistério para Severo – a sua mente inebriada não juntava as peças daquele quebra-cabeça que, ele descobriria no dia seguinte, não era tão complicado.

Ele bufou exasperado. Não estava pensando direito. Bebera demais.

Cambaleando um pouco, ele deixou a biblioteca, mas não se encaminhou para as escadas, como o seu sogro houvera ordenado. De fato, ele fez o caminho oposto, atravessando o corredor escuro que levaria para a suíte principal da Mansão Malfoy.

Ele não demorou a chegar ao quarto de Lúcio de Narcissa. A porta estava entreaberta – ele imaginava que estava assim porque Linda acabara de entrar. Deste modo, ele não bateu antes de escancará-la e adentrar no local.

- Que diabo-! – Era Narcissa, claro. Seminua, claro. – Severo!

Severo desviou o olhar, mas, pela sua visão periférica, pôde observar Narcissa alcançar um robe e cobrir – ainda que precariamente – o seu corpo.

- Onde está a minha mulher?

Narcissa deu um sorriso sarcástico e se aproximou um pouco de Severo.

- Nós dormimos juntos apenas uma vez. É muito cedo para me chamar de sua.

- Onde está Linda? Ela estava vindo para o seu quarto.

A mulher deu de ombros.

- Você foi a única pessoa que apareceu por aqui, meu bem. Mas Linda se juntará a nós? Me parece pervertido até mesmo para você, mas eu topo.

Um ruído exasperado escapou pela garganta de Severo. Ele não tinha tempo para desperdiçar com Narcissa.

Ele não se preocupou em se despedir; simplesmente se virou e se encaminhou para a porta, pronto para sair à procura da sua esposa.

- Severo, espere! – Ele não se virou. Ouviu os passos vacilantes de Narcissa se aproximando dele, antes de sentir a mão dela pousar em seu ombro. – Desculpe-me. Eu apenas estava brincando! Merlin, você tinha um senso de humor muito melhor, quando se escondia aqui em casa! O que houve?

- Apenas o típico.

- Bem, Linda Marie não veio ao meu quarto. E, em se tratando do tipo de festa que está acontecendo lá embaixo, ela também não está mais na Mansão. Tenho quase certeza de que ela voltou para a casa de vocês.

Severo assentiu, imediatamente deixando o quarto de Narcissa e se encaminhando para o salão onde ocorria a festa. Desceu as escadas rapidamente, tropeçando mais de uma vez e atraindo atenção de alguns convidados para si. Atraindo, também, a atenção do Lorde das Trevas.

Ele não se importou – mais uma coisa que ele se arrependeria amargamente do dia seguinte. Severo, em sua embriaguez, esqueceu de quem era ou do que estava fazendo na mansão. A sua mente limitada apenas conseguia se concentrar no objetivo de encontrar a sua esposa, de entender. E de continuar o que começara na biblioteca, custe o que custasse.

Passou como um raio pelos Comensais e por Igor. Ouviu algumas vozes atrás de si; ouviu que era chamado. Não se importou. Acelerou o seu passo para os fundos da Mansão, onde pôde desaparatar.

Apareceu em frente à sua casa. O frio e o silêncio consumiam o local... um silêncio tão intenso, que deixou que Severo, finalmente, ouvisse aos seus próprios pensamentos confusos. Parte de sua mente sabia que o melhor que ele poderia fazer era ir para o castelo e lidar com Linda no dia seguinte, quando estivesse sóbrio. Aquela era a parte do seu cérebro que ele sempre ouvia.

Ironicamente, exceto naquela noite.

Ele não bateu na porta – não correria o risco da sua esposa dizer que não o queria ali. Apenas a abriu e invadiu a sua sala.

- Severo? – Linda quase gritou.

A expressão em sua mulher não era de susto; mas de medo. Ela deveria estar com medo. Severo era um homem perigoso e ela sabia disso. E Linda já deveria saber que frustração e abstinência faziam aflorar o que tinha de pior nele. No espelho no fundo da sala, Severo pôde vislumbrar de relance a sua própria expressão facial: naquele momento ele era, indubitavelmente, o Comensal da Morte.

Ele fechou a porta atrás de si, com um baque.

- O que você quer de mim? – Severo perguntou. A sua voz saiu mais rude e alta que de costume. – O que mais você quer que eu faça ou que eu diga?

Linda deu um passo para trás, ainda com medo... Mas aquele medo havia se misturado com ódio, fazendo os olhos acinzentados ficarem mais frios que nunca.

- Eu quero que você me deixe em paz! Eu quero que você saia daqui! Eu quero que você pare de pensar em mim, de me perseguir, obrigar os meus amigos a me espionar!

Severo recebeu cada palavra como um golpe. Deu dois longos passos em direção a Linda, que, ao recuar, bateu com as costas na parede. Ela estava encurralada.

- Quer mesmo? Você não parecia querer isso na festa, quando me beijou como se fosse uma vagabunda!

- Essa vagabunda aqui estava acreditando que você ainda tinha algum pingo de decência! – Ela estremeceu. – Vagabunda e idiota! É isso que eu sou! É isso que todos pensaram quando eu me casei com você, e acho que eles estavam certos!

Ódio. O mais puro e incontrolável ódio – foi isso que ele sentiu. Fisicamente, com o seu estômago se revirando e com as suas mãos ficando trêmulas. Com a veia que pulsava em seu pescoço e o calafrio que cruzou a sua espinha.

Os seus punhos involuntariamente cerraram, e ele deu um passo longo e violento em direção a Linda. O seu braço esquerdo se ergueu com uma mão espalmada, pronto para golpear.

Se não fosse a forte fisgada em seu braço... ele realmente não sabe o que teria acontecido.

- Por quê? – Ele disse, finalmente. – Por que você está agindo como uma...?

- Você vai me chamar de vagabunda novamente? Antes de me bater, você vai me chamar de vagabunda?

- Eu jamais-!

- Você consegue olhar para mim e dizer que não quis fazer isso? – Ele não a respondeu e nem a olhou, Respirou fundo várias vezes, na tentativa de controlar o seu temperamento. – É isso que as suas outras mulheres têm que aturar?

Ele fechou os olhos.

- Não existem outras mulheres.

- Você não considera Evelyn uma mulher?

- Eu já disse que nada aconteceria! Quantas vezes eu terei de dizer para você acreditar?

- Cem! Mil! Eu não acreditarei, Severo! Você-

- Eu? – Gritou. Severo a olhou, novamente com ira, sentindo todo o controle que viera reunindo evaporar. Linda se encolheu, e isso foi a única coisa que o fez manter certa distância. Ela estava certa; ele queria machucá-la. Uma inconveniente voz bradava, dentro dele, que Linda simplesmente merecia. – Você pode me acusar de tudo, Linda, exceto de mentir sobre isso! Você pode dizer o que você quiser sobre minha personalidade, mas como marido eu não tive falhas; e, por Salazar, como foi difícil ser o seu marido!

Linda negou em descrença.

- Eu cheguei naquela festa e você estava quase-

- E? – ele a interrompeu. – E se eu estivesse comendo Evelyn naquele sofá? Não foi você quem saiu de casa? Não foi você quem-

- Não foi você que implorou por uma reconciliação?

- E eu deveria esperar pela sua boa vontade, sozinho?

- Sim! Porque foi isso que eu fiz! Se eu ainda estou usando essa porra – ela ergueu a mão, mostrando a ele a sua aliança. – é porque eu ainda amo você! E eu sou uma idiota de admitir isso, porque você não usa mais a sua! – Linda desviou o olhar; Severo pôde perceber que ela o fez porque os seus olhos haviam marejado um pouco. Aquilo não amenizou muito a sua frustração. – É por isso, Severo? É por isso que você nunca me quis nas festas do Lorde das Trevas?

Ele rolou os olhos e bufou exasperado.

- Novamente: eu nunca dormi com outra mulher enquanto éramos casados!

Linda sorriu amargamente.

- Apenas Narcissa.

Severo sentiu o coração parar por um momento. E sentiu dor – aquilo foi o que as palavras de Linda lhe causaram. O seu erro – a única vez que ele foi infiel – jogado cruelmente em sua cara. As suas mãos estremeceram, suaram e a sua respiração ficou errática. Ira; essa era palavra. O que ele sentia ia muito além da raiva.

A sua Marca Negra queimou novamente, o que fez com que um gemido doloroso escapasse da sua garganta. E, em seguida, ele ouviu o que, finalmente, o fez perder o controle – Linda deu um risada abafada. Riu da sua dor.

Então ele queria causar dor a ela, também. Muito mais que dor física. E ele sabia como fazer aquilo.

- Eu estava só – Linda o olhou, sem disfarçar a expressão de deboche. – Eu precisava de você! E você não estava ao meu lado. Ela estava!

O brilho maldoso dos olhos acinzentados e o sorriso de Linda morreram. Ela ofegou.

- O que você quer dizer com isso?

- Eu queria você! Mas você queria ir embora! Então eu dormi com quem queria dormir comigo!

- Então foi minha culpa?

- Sim!

Pela primeira vez, ele sentiu o peso da mão da sua mulher. Ele sentiu o seu rosto queimar com a mão espalmada de Linda, cheia de raiva, e frustração, e asco, e ódio. A pele latejou e ele tinha certeza que o branco agora era maculado com o desenho dos cinco dedos da sua esposa, marcado em vermelho.

Lentamente, ele trouxe as mãos para a parte da sua face que doída. Ele podia sentir, em alto relevo, o contorno da mão de Linda.

O impulso de revidar correu por suas terminações nervosas, forçando às suas mãos a se fecharem com força. Ele sentiu todo o seu corpo tremer, mas nada fez; apenas respirou fundo algumas vezes, tomando controle antes de falar ou fazer qualquer coisa.

O silêncio era insuportável.

Quando começou a sentir as suas mãos afrouxarem e a raiva ceder um pouco, olhou novamente para a mulher. Agora, em seu lugar, era ela quem tinha o ar de decepção; era ela quem tinha lágrimas nos olhos.

Severo abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas Linda foi mais rápida.

- Jamais. Nunca ouse dizer isso novamente!

Foi a sua vez de deixar brotar um sorriso perverso.

- É tão difícil ouvir a verdade?

E mais uma vez a mão espalmada de Linda atingiu o seu rosto; dessa vez mais forte.

- Desgraçado!

E mais uma vez, e mais uma vez. A mulher tentava atingir o seu rosto, o seu peito... com tapas e socos cada vez mais fortes.

De certa forma, Severo sabia que merecia cada um dos golpes. Mas foi por impulso que ele segurou os punhos de Linda com força e a arrastou para a parede, seu corpo pressionando o dela, exatamente como ele fazia há minutos atrás, na Mansão Malfoy... Mas daquela vez era tão diferente.

Era tão errado.

- Me solte!

Ele apenas bufou e continuou a tentar imobilizar o corpo de Linda, que se debatia, tentando fugir.

- Olhe para mim! – Ele ordenou.

- Me solte!

- Olhe para mim, Linda Marie!

Ela parou. Lentamente o olhou. Olhos raivosos, magoados, humilhados. Ela admitia a sua derrota. E verbalizou, dizendo:

- Apenas deixe-me...

E a resposta, mais que sincera, lhe escapou antes que ele percebesse:

- Eu nunca vou deixar você.

- Por favor...

E ele a beijou. Ele sabia que ela estava lutando, ele sabia que ela não queria, mas ele a beijou. Severo segurou o rosto de Linda e forçou os seus lábios sobre os dela. Em resposta, ela tentou se debater, tentou se livrar, tentou, de todas as maneiras, tirá-lo de perto dela, mas jamais conseguiria. Severo era forte demais.

Severo a trouxe mais para perto. Não importava se ela não estava respondendo; ele precisava sentir aquele corpo perto do seu, precisava sentir o gosto dela.

O braço queimou novamente, e ele teve de se separar só por um segundo. Foi suficiente para Linda bradar:

- Eu não quero você!

Ele não se importou. Mas, quando foi beijar-lhe os lábios novamente, uma dor imensurável tomou conta do seu corpo. Era como se milhões de faças estivessem perfurando a sua pele, como se ele queimasse e congelasse, como se cada osso do seu corpo estivesse se esfacelando. Severo não sabe se gritou e nem sabe, exatamente, quando descobriu que estava sendo vítima da maldição Cruciatus. Mas, quando a dor finalmente cessou, ele estava ajoelhado aos pés de Linda.

- Ela disse que não quer você! – Ele ouviu a voz raivosa e amarga de Cécile Malfoy. – Agora se levante e saia da casa da minha filha!

- Cécile – ele disse amargamente, tentando fazer com que as suas pernas voltassem a funcionar.

A mulher deu dois passos em direção a ele, com a varinha empunhada.

- Você é um lixo! A escória! Há dez anos que pedi que o meu marido não te assassinasse, Snape, mas, depois do que eu vi hoje...! Você vai pagar por isso com a sua vida, canaille! Você nunca mais colocará os seus dedos sujos na minha filha! Agora saia! SAIA! Crucio!

Mais uma onda de dor o tomou. Muito fracamente, em meio à tortura lancinante, Severo pôde sentir a sua Marca Negra arder.

- Você não vai mais falar, procurar, ou sequer olhar para a minha filha! Eu juro, Snape, se você se aproximar dela novamente, você será um homem morto!

Ele olhou para Linda em busca de algum apoio... Para tirá-lo daquela humilhação. Mas o rosto dela estava duro, e ela apenas disse:

- Continue, mamãe.

Cécile sibilou algum encantamento, e ele sentiu o seu corpo ser arrastado da sua própria casa, até chegar às ruas vazias de Hogsmeade.

Durante todo o tempo que ele estava lá, no chão, tentando recobrar o movimento do seu corpo trêmulo, ele pensou que Linda viria ajudá-lo. Mas ela não veio. Ninguém veio.

XxXxXxX

Severo ainda tremia quando chegou à Hogwarts. O frio não atingia o seu corpo e nem mesmo a fisgada que sentiu em sua Marca Negra o fez querer ir a canto algum. Rapidamente, ele fez o seu caminho para a sala da direção.

Dumbledore, em seu quadro, parecia adivinhar o que se passava naquela noite. Complacente, ele o esperava.

"Severo."

- Hoje não – A sua Marca doeu. Instintivamente, ele colocou a sua mão direita sobre ela. – Seja lá o que você queira, Alvo, me poupe! Não estou com paciência.

"Voldemort está chamando?"

- O que você acha? E não diga o nome dele!

E velho o olhou muito serio.

"Você não vai?"

- Ele que se foda.

"O que houve, Severo?"

- Eu não quero falar sobre isso. Aliás, eu me recuso a discutir a minha vida com um quadro!

"Que tal um velho amigo?"

- O meu velho amigo está morto! E nem era um amigo tão bom, desde que um amigo não pediria para outro amigo faze- PORRA – Severo apertou mais o seu braço, quando a dor na Marca tornou-se agonizante. Mas não queria terminar o seu discurso ainda – ...fazer o que você me pede! Não bastava eu ter estragado o meu passado com os meus erros, você me faz pagar por eles repetidamente, sem jamais me contar quais são os seus planos! Você age como se fosse um Deus! Mas você não é, Dumbledore! Você é apenas um velho filho de uma puta que gosta de acabar com a vida das pessoas!

Severo ofegou. Ele podia ver na imagem de Dumbledore que ele havia sido ferido... Mas ele não se arrependeu. Desejou ter dito aquelas palavras quando o velho ainda estava vivo.

"Você não vai atender ao chamado de Voldemort?"

Ele bufou.

- Não. Estou nervoso. Não sei do que seria capaz. – Severo respondeu francamente.

"Matar e torturar voltou a ser uma diversão? Uma válvula de escape?"

- É isso o que acontece quando você coloca um homem sedento por poder ao lado de um que pode lhe fornecer todo esse poder. Será que você nunca previu como poderia terminar essa equação, Dumbledore? Mas deixe-me ir. O Lorde das Trevas me chama.

Naquela noite, Severo Snape matou sem remorso. Sem culpa.

XxXxXxX


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