Lissa’s POV

Os olhares de pena. Sim, definitivamente são os piores.

Suspirei e olhei minhas unhas. O esmalte rosa claro, quase transparente, já estava começando a descascar no dedo indicador. Eu precisava arrumar isso antes da reunião dessa noite.

Eu conseguia aguentar os olhares odiosos e de pouco-caso. Mas não os de pena.

Os olhares odiosos não eram tão ruins porque o ódio era direcionado a mim. E isso eu conseguia entender. A maioria das pessoas não gostava do fato de serem governadas por uma garotinha de dezoito anos. Então era natural que me odiassem.

Mas os olhares de pena não eram direcionados a mim. As pessoas não tinham pena da garotinha que tão nova já deveria governar um povo. Não, elas tinham pena porque achavam que eu iria destruir esse povo. E isso me destruía por dentro.

Qualquer coisa fora do lugar, qualquer detalhe mal acabado, ganhava um olhar de pena. Por isso eu deveria estar sempre perfeita e impecável.

Ouvi duas batidas na porta. Fiz uma careta temendo que o lorde Conta, meu advogado, estivesse adiantado para esclarecermos os detalhes da reunião de hoje.

–Posso entrar, alteza?

Não era um advogado. Não era um guardião. Não era ninguém da política.

–Já disse para não me chamar assim, Christian – disse cansada.

Christian entrou fechando a porta atrás dele.

–Quem era aquele cara que acabou de sair? – ele perguntou sentando na cadeira em frente a minha mesa.

–Rupert Drozdov – eu disse. – Ele é o representante da Inglaterra.

–Ah – Christian disse olhando um globo de neve que eu tinha em cima da minha mesa. Eu comprara em Montana, pouco antes de nos formarmos. Havia uma pequena réplica das montanhas rochosas e papeizinhos imitando neve. – Não me lembro de tê-lo visto antes.

–Isso é porque ele chegou hoje da Inglaterra.

–Hum – Christian murmurou.

Olhando para ele pude ver que havia algo de errado e quando observei sua aura confirmei minha suspeita.

–Está tudo bem? – perguntei preocupada.

Ele olhou para mim e um pequeno sorriso se formou em seus lábios.

–Por que não estaria? – foi a resposta que recebi. Bom, aquilo definitivamente não era uma resposta.

–Christan... – eu o pressionei.

Eu encarei seus olhos azuis gelo. Não suportava a ideia de Christian estar escondendo algo de mim.

–Está tudo bem – ele deu de ombros. – Só achei aquele “Rupert Drozdov” um pouco animado demais por ver a rainha.

Ele disse o nome de Rupert com desprezo. Sua expressão ficou séria e suas bochechas um pouco vermelhas.

–Christian Ozera – disse e um pequeno sorriso se formou em meus lábios -, você está com ciúmes?

Ele não respondeu, apenas continuou me encarando.

–Christian – continuei quando ele não disse mais nada -, não tem por que ficar com ciúmes. Você sabe que eu te amo e que é o único para mim. Sem falar que aquele homem deve ter uns cinqüenta anos.

–Não sei – Christian disse em um tom indiferente, mas pude ver que ele relaxara. – Depois que Rose começou a namorar Belikov... Sei lá, não quero que “namorar homens mais velhos” vire uma moda.

Gargalhei, não pude evitar.

–Não se preocupe, você não tem nada a temer – eu disse balançando a cabeça. – E não é como se Dimitri tivesse idade para ser pai de Rose, ele só é sete anos mais velho.

Tinha certeza que Christian iria fazer alguma piada, mas pude ver que ele se conteve. Olhei no relógio e pude ver que ainda tinha três horas até a reunião.

–Lissa, está tudo bem? – Essa foi a vez de Christian perguntar.

–Sim – disse automaticamente. Essa era a resposta que dava para todos, mas Christian não era todos. – Quero dizer, não sei.

–Quer conversar? – ele perguntou.

Balancei a cabeça negativamente. Eu simplesmente não queria falar sobre como eu não me sentia competente para ser a rainha. Também não queria falar sobre como toda vez que pensava em meus pais me lembrava da traição de meu pai e consequentemente de Jill, minha meia irmã que provavelmente me odiava por tê-la mandado ir morar na Califórnia.

Levantei minhas pernas do chão e as estiquei, de modo que agora estavam no colo de Christian. Ele não hesitou. Tirou meus sapatos, me fazendo sentir um alivio imenso, ficar de salto o dia inteiro não estava fazendo maravilhas aos meus pés, e começou a massageá-los.

Fechei os olhos apreciando cada caricia. Sentia tanta falta de Christian. Eu basicamente passava o dia e parte da noite trabalhando e só o via quando estava muito tarde.

Abri os olhos e olhei para ele. Eu sempre ficava admirada com o jeito que seu cabelo escuro fazia um contraste perfeito com seus olhos claros.

–O que foi? – Christian perguntou olhando para mim.

Corei um pouco.

–Nada – eu disse. – Só me esqueço às vezes de como você é bonito.

Ele sorriu.

–Sinto sua falta – ele disse após um tempo.

–Eu também – disse. Ser rainha estava ocupando tempo demais da minha vida. – Sinto muito.

–Você não tem porque se desculpar – ele disse suavemente.

Balancei a cabeça e senti meus olhos arderem. Eu não queria nada disso. Quem eu estava querendo enganar? Eu tinha apenas dezoito anos. Eu não podia governar os morois. Eu nem mesmo havia me formado.

Forcei as lágrimas a ficarem no lugar. Eu já estava ficando acostumada. Nos últimos dias eu estava mais sentimental do que nunca e eu sabia que não podia culpar os efeitos colaterais do espírito por isso.

–Lissa – Christian disse apertando levemente meu pé e voltando a ficar sério -, você é incrível. Você é a pessoa mais inteligente, educada, gentil, sincera, bonita e sexy do mundo. Temos sorte de ter você como rainha.

–Eu sou muito nova – disse sentindo meus olhos voltarem a arderem. – Uma hora vou estragar as coisas, todos sabem disso.

–Todos são idiotas então – Christian disse com a voz firme. – E essas pessoas são minoria, você ganhou as eleições.

–Mas... – tentei dizer, mas Christian me cortou.

–E caso um dia você estrague as coisas – ele continuou – será normal. Porque ninguém é perfeito, Lissa. Todos cometem erros. Até mesmo Tatiana cometeu. Lembra quando ela queria fazer você e Adrian serem um casal? Você consegue imaginar algo mais assustador do que isso?

Sorri com a memória. Na época não fora nada engraçado. Christian e eu brigamos muito por causa disso. Mas era obvio que Adrian adorava Rose e eu não trocaria Christian por nada.

–Então, as pessoas cometem erros. Inclusive as rainhas.

Era incrível como Christian me entendia. Ele conseguia fazer com que eu me sentisse melhor em apenas alguns minutos.

–Eu quero passar mais tempo com você – disse e fiquei surpresa com o desespero em minha voz. – Vou tirar o domingo de folga.

Christian então sorriu e passou a mão pela minha perna até minha coxa, fazendo meu corpo inteiro desejar por ele.

Nesse momento, minha secretaria entrou. Afastei-me o mais rápido possível e vi Christian com um sorriso torto no rosto.

–Majestade – a pobre secretaria falou com o rosto mais vermelho que um pimentão -, lorde Conta chegou. Devo mandá-lo esperar?

–Hum... ahn – gaguejei. – Não, claro que não. Christian já estava de saída.

–Está bem – ela disse querendo fechar a porta o mais rápido possível.

–Anna – chamei antes que ela fosse embora. – Por favor, me chame de Lissa.

Eu já havia pedido diversas vezes para ela me chamar pelo nome e não por títulos. Sinceramente eu não me via como uma rainha.

–Sim, Majestade – ela concordou. – Quero dizer, Lissa.

Assim que Anna fechou a porta Christian se levantou.

–Espero que esse “lorde Conta” não esteja muito interessado em você também. Se não serei forçado a fazer churrasco dele.

–O mais estranho é que acredito em você – disse sorrindo.

Ele me deu um beijo de despedida e foi embora. Preparei minha melhor expressão profissional enquanto esperava o advogado.

Eu não podia reclamar muito, porque algo dentro de mim dizia que eu estava exatamente onde deveria estar.