O Mundo Da Caixa Mágica escrita por Rafaella Livio


Capítulo 14
O Professor Não Tão Desconhecido




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"O óbvio, tão vil, idiota perfeccionista que nunca desfrutou o tesão de uma surpresa." (Louis Paul)


Depois de todo aquele tumulto, Fredd apareceu por ali me convidando para dar uma passeada pelo Centro da Cidade para ver os carpinteiros e os empresários passeando com seus carros de luxo, mas eu disse que não queria ir a lugar algum, queria ficar ali, sozinha, pensando. Estava me sentindo muito mal e nada que Fredd dissesse ou fizesse poderia mudar isto.

– Mas meu bem, por que não quer sair comigo? Já sei, é a tal da TPM. Esses humanos inventam cada coisa!

– Não é nada disso. - Falei, com os lábios tremelicando, porque o jeito com que Fredd havia falado comigo ("meu bem"), parecia muito o jeito de meu pai. - Eu só...

Não terminei a frase. Não havia importância. Ele tentou olhar em meus olhos, mas eu fiz um gesto que o fez parar e pior, pensar que eu estava de mal com ele.

– Já entendi. Se arrependeu, não foi? De se relacionar com um cara tão cedo, já que chegou há apenas uma semana.

– Merda! Por que você simplesmente coloca as palavras na minha boca! Não tente, porque não dá certo. - Ele abaixou a cabeça. Não deveria ter sido tão rude e dura com ele, ele só me amava muito. Mas "Me desculpe" significava que ele poderia se aproveitar da situação depois. Não, não era isso que eu queria. - Escute, só pare de tentar adivinhar. Você não sabe de nada. - Respirei fundo e terminei, curta e grossa. - Não quero falar sobre isso.

– Está bem. Se é o que você quer. - E saiu. Se tivesse acontecido há um tempinho atrás, eu teria corrido atrás dele e o beijado. Mas eu não queria beijar ninguém. Não queria correr e tampouco pensar em alguém. Queria ficar parada, com minhas lágrimas, somente o meu cheiro e de mais ninguém.

A segunda-feira chegou e eu ainda não estava em lá grande condição, mas mesmo assim não quis faltar aula para não ter que passar muito tempo ali (apesar de não querer voltar para o que eu chamava de casa tão cedo). Cheguei na escola e Fredd havia se sentado em outra mesa, mais para frente, e me olhava com olhar e sorriso ausente. Será que ele teria percebido o que estava acontecendo? Será que ele sentiu que se o quisesse por perto no fim de semana, teria corrido atrás dele? Não sabia de nada, apenas sentei e me desculpei ao professor por estar atrasada. Fui lanchar sozinha, pois Fredd havia sumido em meio a multidão que estava na cantina. Só o vi quando ele entrou de volta na sala de aula, e deu uma piscada ainda distante. Me senti um bocado mal. Eu estava passando por uma situação horrível e para piorar a única pessoa que ainda me amava queria me dar um gelo? O que estava acontecendo? Ainda não sabia, mas tinha certeza que iria descobrir.

Quando o sinal da última aula tocou, Fredd saiu disparado na frente e já estava indo embora quando consegui alcançá-lo. Puxei-o pelo braço e comecei a tirar satisfações.

– Ei! Não é porque você ficou bravinho por nós não termos saído no fim de semana que você tem que me dar um gelo? O que houve, voltou a ser criança? - Pela expressão dele percebi que mais uma vez tinha sido rude demais. Um "me desculpe" nunca sairia bem, mas o que disse saiu melhor que a encomenda. - Sinto muito. Apenas estou me sentindo mal.

Ele se virou novamente, ainda triste, então subitamente eu o beijei. Quando acabamos e ele tinha sorrido para mim, sinto dois dedos insistentes cutucarem meu ombro.

– O quê vocês dois pensam que estão fazendo aqui, mocinhos? - Era a voz irritantemente fina de Kilomera. - Os dois, já para a minha sala.

A sala de Kilomera. Então era ali que aquela velha resmungona sentava, apoiava os pés sujos e fedorentos por cima da mesa de cobre puro e ficava fumando seu charuto Havana. Velha idiota. Velha imunda e idiota.

Sentei-me em uma das cadeiras de couro e Fredd, na outra. Ele me olhava insistentemente, já não mais com um olhar ausente. Com um olhar preocupado. Parecia até que aquela velha nunca tinha gostado realmente de alguém! Odiava profundamente a ideia de conviver com ela por pelo menos um ano.

– Vocês acham certo o que fizeram?

– O quê? - Perguntei rápido, assim como um rosnado.

– Aquela... Aquela...

– Demonstração de amor? - Perguntei, outra vez, na lata.

– Sem-vergonhice!

– Sem-vergonhice é a senhora, que...

– Acalme-se, Gwen! - Interrompeu-me Fredd.

– Estou muito calma. - Disse entre os dentes.

– Não deveria ficar tão calma assim, Gwendoline. - Rosnou de volta aquela cachorra. - Deveria ficar muito preocupada com sua situação aqui. Saiba que você é pior que bolsista. - E virou para mim, bem perto do meu rosto. - É humana.

Na mesma hora ia me jogando para cima daquela vaca, quando sinto Fredd me segurar forte pelos braços.

– Ficou louca? - Ele gritou comigo depois de me sentar novamente.

– Ela está debochando da minha cara! Eu não a suporto, Fredd! É uma...

– Muito cuidado com o que vai dizer. - Dessa vez foi ela, com o dedo apontado para mim. - Já tem muitos pontos negativos comigo, mocinha. Trate de se retirar agradecida por eu não suspendê-la.

Me levantei e puxava Fredd comigo, quando ela o chamou.

– E Frederik... Saiba que estou muito decepcionada com sua atitude.

Dessa vez puxei-o mais forte e saímos dali para o pátio e do pátio para a rua.

– Vaca... Maldita... Ordinária... - Disse entre os dentes correndo pela rua, com tamanha fúria.

– Ei, ei, ei, mocinha! Você está muito descontrolada. - E me puxou para bem junto de si, grudada, como se fossemos um. - O que está acontecendo? - Chiou em não mais que um sussurro.

– N-nada. Só vamos, está bem? - Disse me desgrudando dele, e fomos até a rua de cima silenciosos como cheguei, quando ele teve que se despedir de mim para seguir em frente, enquanto eu tinha que virar à direita. Beijou-me com tamanha vontade que quase tirou a roupa em plena avenida!

– Já chega, Fredd. - Sussurrei em sua boca.

– Te pego às cinco e não aceito um não como resposta. - Respondeu-me ao mesmo tom.

Cheguei. Finalmente toda a raiva daquela mulherzinha esquisita passara. Não completamente, mas pelo menos ao ponto de poder respirar normalmente. Andei pelo caminho de pedras as quais estavam rodeadas de novas jasmins, e sentia-se seu cheiro desde a rua de baixo. Provavelmente Andrus havia plantado-as na mesma tarde, e usara seu poder para fazê-las florescer no mesmo instante, como já tinha visto que ele havia feito com as margaridas no parapeito da janela de seu quarto. Passei pela porta de madeira maciça e lá estava...

Austin.

Sentado de frente para mim e com uma de suas roupas largas, que ele usava para ficar em casa. Sem eu perceber, ele foi até mim falando alguma coisa e me deu um abraço apertado, no qual eu nem tive tempo de retribuir.

– Gwen! Como você está? Parece muito bem, quem é a sua estilista? - Disse, se desfazendo do abraço e me avaliando de cima a baixo.

– O quê... - Não consegui terminar a frase, como em várias vezes que estava nervosa. Só tive tempo de ouvir:

– Sou seu novo professor de língua mágica!

– Austin! - Consegui dizer. - Você não fala nem a nossa língua direito! Imagine a língua dos... - Subitamente me lembrei que nunca tinha dito a ele que eu fazia parte de um grupo de feiticeiros-mirins.

– Oh, mas você está mais bonita do que nunca! - "E você, me fazendo ficar sem graça, como sempre! Seu ser-múmia, o que está fazendo aqui?", pensei. Mas foi o máximo que consegui. - Me diga, anda usando alguma maquiagem? Seu rosto está mais bonito, mais rosa, mais... vivo. Pensando bem, esta não é a minha Gwen. Desculpe, estou na casa errada.

– Engraçadinho como sempre! - Recuperei a fala. - Como veio parar aqui?

– Você acha que eu não tinha meus contatos? Conheço uma feiticeira... - Ergui uma sobrancelha, sarcástica. Estava claro para mim que Austin não tem tantos contatos nem somando com os da mãe dele. - Está bem, estou mentindo! É uma droga você me conhecer tanto, sabia? - Disse, em um largo sorriso. - Estão te tratando bem? Aquele ser peculiar que diz ser seu tutor não me parece muito amigável. Mas foi fácil convencê-lo de que eu era seu professor.

– Você mentiu para o meu sapinho preferido? - Disse, em tom de deboche, brincando junto a ele.

Por alguma razão eu queria que ele não estivesse lá, mas não queria deixar claro isso a ele. Em outras épocas ele leria isso nas minhas rugas de preocupação, na linha da testa. Mas eu havia aprendido muita coisa naquele mundo, como por exemplo, esconder as malditas expressões.

Conversa vai, conversa vem, e depois de horas falando, alguém bate na porta.

Fredd.

Eu estava feita. Um amigo e um namorado ciumento. Como eu explicaria para Fredd, que é tão ciumento, eu ter um melhor amigo e nunca ter contado? E como explicaria para Austin eu ter arrumado um namorado em tão pouco tempo? Oh, soube por meio de meu coração saltado que morreria antes que pudesse dizer alguma coisa.


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