Пианино

Em uma época, fiquei tentado a adquirir um piano. Na realidade, a idéia de ter um piano em casa já havia quase se tornado realidade inúmeras vezes, mas era como se alguma coisa colocasse um pé invisível em nossos planos, impedindo que aquilo acontecesse. Dessa vez era o fato do lugar ser pequeno demais.

“Faltam vinte centímetros de parede para caber um piano aqui,” disse, apontando para o lugar onde o dito cujo ficaria caso não fosse tão grande.

“Piano de armário?” ela perguntou, com os olhinhos cuja cor até hoje eu não sei decidir qual é – Verde? Azul? Cinza? Verde-azul-cinza? - brilhando.

“Isso mesmo.” Mas a única coisa que tinha ali era um protótipo de piano, um teclado antigo e ultrapassado cujo som não chegava nem aos pés de um piano de verdade. “Estou namorando a possibilidade de comprar um eletrônico, porque eles são menorzinhos e podem caber aqui, mas não sei se vale a pena fazer isso ou esperar para desocupar um dos quartos e colocar um de armário.”

“Ah, Malenkaya.” Achava tão engraçado como a princesa me chamava de pequenina que sendo eu era mais velha do que ela – não que eu não gostasse do apelido, pelo contrário, achava-o lindo. “Com um piano vêm muitas responsabilidades... Pianos são como bebês: no frio, as suas teclas ficam mais rígidas, e, no calor, você precisa colocar água para lubrificá-lo.”

Vendo-a falar de um objeto inanimado com tamanho carinho fez-me ver o que já estava mais do que claro: a princesa realmente amava aquilo, amava aquele instrumento que sempre me encantara e era por causa de tal amor, tal compreensão. Não sei se eu tinha esse sentimento por alguma coisa... Meus livros, cadernos, lápis e canetas, talvez. Ou minhas mãos. Sim, já que, sem elas, eu não trabalhava. Não pude deixar de pensar em como as exigências do piano da princesa eram parecidas com as das minhas mãos... No frio, era impossível fazer qualquer coisa, como se as articulações simplesmente se recusassem a funcionar. Quando esquentava, a sensação de calor também fazia com que fosse impossível se concentrar em alguma coisa – pelo menos era, para mim, difícil de se concentrar quando tinha que olhar para as minhas mãos, que já não eram as coisas mais lindas do mundo, com as veias vem a vista devido ao aumento da temperatura.

“É, realmente, um filho do qual você tem que cuidar,” ela falou, sorrindo olhando para o lugar onde deveria estar o piano caso não fosse a falta de vinte centímetros.

Realmente, acho que, por enquanto, o teclado patético é o melhor para mim.