Contact escrita por Zchan


Capítulo 23
Não apenas um espectador


Notas iniciais do capítulo

Nada a declarar, nada a declarar, nada a declarar *se esconde das pedradas*



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Por muitos e muitos anos, eu vi pessoas passarem pelas mãos muitas vezes cruéis de minha mãe. Pessoas desesperadas, que morreram sem completar seus maiores desejos, que buscavam vingança, ou satisfação, e não conseguiam descansar em paz. Ela dizia que iria mandá-las de volta, fazer com que elas tivessem uma chance de acabar com seu tormento. Pura enganação. Aquelas pessoas vagavam por toda a eternidade, mortas no mundo dos vivos, sem companhia, sem sentido, presas na própria melancolia.

Meu nome é Ryan. Minha mãe é Melinoe, a deusa dos fantasmas. O que está se desenrolando aqui é nada mais do que uma brincadeira entre ela e a tão famosa e linda Afrodite. Alguns podem perguntar o que faria a deusa de algo tão nobre quanto o amor se juntar com a deusa de algo mórbido como fantasmas. A resposta é simples. Um conto trágico. Uma história de amor sem final feliz.

A princípio, é óbvio que Afrodite poderia fazer tudo aquilo sozinha. Não precisava que Melinoe ajudasse. Contudo, a deusa conhece as próprias fraquezas e sabia que acabaria se afeiçoando demais aos seus alvos, querendo deixá-los num final bonito e feliz. Assim, se juntou com minha mãe para quebrar um pouco a rotina e criar um conto diferente. Deuses fazem isso muito frequentemente. Brincar com o coração de mortais para se divertirem.

O problema, desde o início daquela brincadeira, foi os mortais que as duas escolheram para brincar. Sinceramente, precisavam estar muito desligadas do mundo para acharem que poderiam brincar à vontade com um filho de Tânatos, um de Hades e um de Éris sem que os deuses interferissem.

Devo dizer que na primeira parte da história, fui apenas um espectador. Estava ajudando na "coleta" de novos fantasmas - existem os fantasmas que assombram uma pessoa específica e também os que vagam por aí, caso ainda não tenha deixado isso claro - quando um deus simplesmente apareceu na minha frente e perguntou o que minha mãe estava pretendendo fazer com seu filho.

Tânatos não parecia nem um pouco feliz com aquela história. Já tivera o filho amaldiçoado e não queria mais nenhuma tragédia na vida do coitado. Ele não usou "coitado", é claro, mas é exatamente o que eu digo desse tal de Liam. Coitado. Uma vez que foi escolhido, não tinha mais volta. Tentei explicar e, obviamente, só consegui piorar as coisas.

Hades também não parecia feliz, porém nada disse. Tinha revelado filhos demais naquela época e não parecia-lhe justo se preocupar demais com um ou dois deles em específico. Éris, por sua vez, gostou da brincadeira. Causariam muita discórdia e esse era o território dela.

Com isso, a história pareceu correr exatamente como o previsto. Aquilo irritou as deusas, principalmente Afrodite. Onde estava a tão esperada reviravolta na história, causada pelos imprevisíveis semideuses? Onde estava o ponto da história onde tudo ia se tornar tragédia? A tensão entre Mike e Liam crescia, entretanto somente isso. Não pareciam dispostos a lutarem até a morte ou qualquer coisa do gênero.

Então aconteceu. Tânatos, ingênuo - perdoe-me por chamar a Morte de ingênua, mas foi a verdade -, fez com que seu filho matasse a irmã de Nicholas. Não era o objetivo, na verdade, para mim pelo menos pareceu que Liam deveria matar o próprio Nicholas, contudo seu "amor profundo" fez com que desviasse a ordem e matasse a irmã. Depois, claro, não conseguiu mais resistir e tentou matar o amado, e aí Mike, como um herói, o matou.

Minha mãe deleitou-se com aquilo. Ah, aquele Liam, mesmo sendo meio monstro acabaria se tornando um fantasma, disposto a caçar Mike até sua morte! Eu aplaudi sua genialidade, aplaudi a confusão que Tânatos fizera, aplaudi a idiotice dos mortais. Ficar nos bastidores sem me envolver era uma sensação ótima. Ver os outros manipulados, como eu adorei aquilo. Me sentia como se tivesse o poder dos deuses, apesar de possuir apenas a imortalidade de servo concedida por Melinoe.

Afrodite não gostou. Este foi o ponto de discórida - não estou fazendo um trocadilho com Éris, creio que ela não esperava isso - entre as duas deusas, o fim da parceria. A deusa do amor queria um final feliz entre os dois sobreviventes. Não resistira à história, como tinha imaginado no começo. Pediu, chegou até mesmo a implorar para que Melinoe esquecesse o plano e deixasse que ela juntasse Mike e Nicholas. Minha mãe negou. Disse que o trato era que todos morressem, sendo que ao menos um iria para suas mãos. Afrodite insistiu, dizendo que ela já conseguira o filho de Tânatos. Ela retrucou, afirmando que a alma do filho de Tânatos estava dividida, parte dela fora para o Tártaro e logo voltaria à vida de um monstro. E, durante essa briga, a imprevisão dos semideuses fez-se presente. Mike se suicida. Ambas as deusas, chocadas, podem apenas observar enquanto Nicholas faz o mesmo, pouco tempo depois. Ali estava o final trágico que tanto queriam. Porém, não estavam satisfeitas.

Hades também fez suas artimanhas. A pedido de Éris, os filhos dos dois receberam um falso mergulho no rio Lete e logo depois uma segunda vida. Quebraram as regras, mas e daí? Eles são deuses. Se ninguém reclamar, não tem crime. Até mesmo com os mortais é assim, várias vezes.

Eles reviveram. A história começou de novo. Minha mãe manipulou facilmente o destino do fantasma agora chamado Leon e mandou-o para o Acampamento Meio-Sangue. Mike, desde o início, já estava apaixonado novamente por Nicholas. O filho de Hades continuava sem se tocar do mundo a sua volta, agora um pouco menos irritadiço do que antes. Jogaram uma filha de Nêmesis completamente inútil no meio só pra dar um gostinho. E pronto, voilà, o desenvolvimento foi completamente diferente do planejado. Por quê? Isso é óbvio. Porque eu me meti no meio.

Falar com aquela Annelise sabendo que ela ia morrer uma hora ou outra foi complicado. Pior, eu sabia perfeitamente que, de acordo com os planos de minha mãe, quem teria de matá-la era eu. Talvez eu tenha dado a ela a impressão de que estava apaixonado ou qualquer coisa do gênero. Que pena. Segui as instruções para não ser notado, me esconder, parecer indefeso e inútil o máximo possível, e acho que consegui passar essa imagem. Afrodite nem ia desconfiar, minha mãe disse. Nem ia desconfiar que, dessa vez, ela pretendia ter os três.

Digo logo que odiei fazer parte da trama. Era divertido ficar como espectador, mas como mais uma peça, podia sentir a tensão dos deuses, a pressão que eles faziam na minha vontade para que tomasse as decisões que eles queriam. Graças ao poder de Melinoe, eu só obedecia a ela. Se fosse um semideus comum, teria sucumbido aos sussurros de Afrodite muito antes e tudo teria terminado num final rápido e feliz. Porque as duas se juntaram para começar de novo, contudo agora queriam finais totalmente opostos.

Leon não podia fazer nada contra Mike e estava parecendo uma pecinha de Afrodite, mostrando que era muito mais fácil ela conseguir um final feliz entre os filhos de Éris e Hades do que minha mãe ter os três em seus domínios. Ela teve de fazer um sacrifício para chegar no objetivo que queria. Deixou que a alma humana de Leon se juntasse à alma de monstro, fazendo com que ele voltasse à vida. Não vou fingir que entendi como isso aconteceu, porque não entendi. Eles são deuses, não deve ter muitas coisas impossíveis...

Derrubei a arena em cima de Mike. Naquele momento, Melinoe insistia para que eu o matasse, mas eu não queria. A mera ideia de matar aquele garoto fazia com que eu me sentisse mal. Entendi, então, que havia caído ao encanto da deusa do amor. Aquela maldita! Eu não ia me render. Podia não matar aquele peste, mas com certeza iria feri-lo. A arena caiu, causando ferimentos absurdos. E eu comecei a me perguntar o motivo de estar obedecendo tudo que minha mãe dizia. Eu não queria. Mesmo que Afrodite não tivesse me enfeitiçado, eu sentira na pele como era ser uma pecinha do jogo, não queria que aquilo continuasse. Por quê, então? Por quê?

Deixei-me levar pelo encanto. Aquilo consumiu toda minha mente, todo o meu corpo. Matei Annelise. Foi pelo plano de minha mãe, sim, mas também foi por ciúmes. Ah, deusa do amor traçoeira, seu feitiço era muito mais potente do que qualquer maldição desferida pela Morte. E, de repente, lá estava eu naquela infermaria, desesperadamente tentando salvar o filho de Éris, dizendo palavras que deveriam deixar mais do que óbvio o que as batidas frenéticas e irritantes de meu coração significavam.

– Ryan, você... estava apaixonado pelo Mike ou algo assim? -  o filho de Hades me perguntou com aquele olhar estranho de quem duvida de tudo o que está acontecendo, de quem não entendia absolutamente nada. Se eu dissesse, estaria deixando claro à minha mãe que a abandonara. Ela poderia revogar minha imotarlidade e me largar ali como mais um semideus fraco, ou poderia me matar imediatamente. Percebi então que não ligava mais. Qualquer coisa estava bem, eu queria admitir que segui o caminho de Afrodite. Era minha própria vontade, insisti a mim mesmo enquanto abria a boca para dizer:

– Sim.

E todo o mundo desabou diante de meus olhos.


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Notas finais do capítulo

Continuo não tendo nada a declarar. Até mais!



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