Contact escrita por Zchan


Capítulo 14
Pesadelo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/178382/chapter/14


Mike saiu tão possesso do chalé de Hades que até eu senti um certo arrepio ao ver sua expressão.

Ele estava irado. Nunca tinha visto ele nesse estado. Normalmente, estava sempre sorrindo e fazendo brincadeiras. De vez em quando ficava sério, com uma expressão meio vazia e triste. Mas assim?

Eu o vi de longe, andando com passos largos e rígidos em direção à Colina Meio-Sangue. Mike. Não tinha pensado nisso antes, porém ele ficava realmente bonito daquele jeito nervoso. Só que eu ainda o preferia feliz.

Sei que ainda deveria estar brava por causa de ontem. Não importa se foi sem querer. Ele havia feito algo que merecia vingança da minha parte. Mas vendo-o assim... Vingança é o que menos quero.

Eu estava no depósito de armas procurando uma lança melhor para a Caça a Bandeira de hoje à noite. Depois de cerca de três horas, havia finalmente encontrado uma cuja ponta não estivesse torta. Não importava. Larguei-a de lado, derrubando acidentalmente um filho de Hebe que procurava um escudo novo.

Disparei pelo gramado atrás de Mike, mas ele andava rápido. Mal olhei quando passei por um grupo me chamando, e só fui parar quando trombei num idiota que estava parado no lugar.

A pessoa deu um gritinho agudo e derrubou uma caixa, cujo conteúdo se espalhou pelo chão junto conosco. Senti o gosto da grama, por ter caído de boca aberta. Espera. Acho que o gritinho agudo foi meu. Droga. Respirei fundo.

–- Quem foi - rosnei - o ser extremamente lesado que interrompeu minha corrida?

–- D-desculpe! Eu... Foi sem querer! Desculpe! - uma voz de garoto respondeu. Me sentei e olhei para o lado, pra ver quem era. Um garoto baixinho e magrelho, com um cabelo castanho meio ruivo e um rosto assustado.

–- Ryan. Você de novo?

–- D-desculpe... Ah. - ele estava olhando para a caixa que havia deixado cair. Não era bem uma caixa. Era um pote de plástico, desses que mortais costumam usar na cozinha. E espalhados pelo chão estavam vários...

Biscoitos. Daqueles cookies caseiros com grandes gotas de chocolate. Ainda era possível sentir o cheiro deles. Eu amo esses biscoitos. São absolutamente meu doce preferido. Será que..?

–- Hum. Acho que estamos quites, então - comentei, me levantando. Ryan ainda estava de joelhos no chão, olhando para os biscoitos com uma expressão desolada. - Vamos, não vá chorar por algo idiota assim. Onde você conseguiu eles?

–- Eu que fiz - ele fungou - tudo bem. Posso fazer mais.

O garoto se levantou e recolheu o pote, onde ainda restava um. Ryan o estendeu para mim.

–- Mas hein?

–- Eu já pretendia dá-los para... Pode ficar. Como um pedido de desculpas.

–- Não, não. Como eu disse, estamos quites. E eu tenho que ir.

–- Por favor! Eu não posso comer. Sou intolerante a lactose. Não posso comer chocolate.

Peguei o biscoito, ainda lançando um olhar desconfiado.

–- Ei. E se estiverem ruins? Se você não pode comer, quer dizer que não experimentou!

–- Eu experimentei... - ele segurou um braço com a outra mão, e percebi algumas manchas vermelhas nele. Reação alérgica.

Pra quem ele ia dar isso? Devia ser alguém importante, ao ponto de ele não ligar que ia se machucar fazendo isso.

Para... mim?

Não, esqueça isso. Ele é um pirralho. Um pirralho irritante.

E eu não gosto nem um pouco desse pirralho. Não estou me iludindo. É a verdade. Eu poderia até sentir algo por ele, talvez, se não fosse essa sensação de que tem algo muito errado.

–- Obrigada, já que é assim. - dei uma mordida. Não estava ruim, mas também não era aquela coisa maravilhosa. Ele podia melhorar. - Até mais.

Saí correndo atrás de Mike novamente, deixando Ryan com uma cara aliviada para trás. Ele devia estar agradecendo por eu não ter jogado uma pedra nele.

Mike estava sentado na beira da colina, olhando para o céu como se esperasse que alguma resposta caísse dele.

–- A única coisa que pode cair se você continuar assim é um raio porque Zeus já ficou de saco cheio de você. - eu disse, me sentando ao lado dele.

–- Se caísse um raio em mim, resolveria metade dos meus problemas - ele murmurou.

–- Então não ia adiantar nada. Você não é aquele que sempre disse que a metade não é o suficiente?

–- Agora eu me contentaria com até mesmo um terço.

–- É raro te ver assim tão depressivo.

–- A depressão é o estágio seguinte.

–- Ok, agora me diz onde diabos você leu essas frases.

Mike se virou para mim. Seus olhos estavam totalmente vazios, sem brilho. Como se tivessem levado sua alma e deixado um corpo inútil aqui.

–- Se eu morresse, Annie, quanto tempo levaria até você esquecer que eu já existi?

Meu rosto ficou vermelho. Ele não estava dando uma cantada besta pra brincar ou algo assim. Aquilo era uma pergunta verdadeira. Ele realmente queria saber isso, porque o preocupava.

Abaixei o rosto, encarando minhas mãos.

–- Eu nunca ia esquecer que você existiu, Mike. Nunca.

–- E por que não? Ah. Já sei. Nunca se deve esquecer um amigo que morreu. Isso é uma lição importante que aprendemos aqui.

–- Não é por isso! - soltei, sem pensar.

–- Não? Então por que é?

–- Porque eu... Eu... - as palavras não saíam mais. Mike estava abalado por algum motivo, e se eu dissesse a verdade, ele só se sentiria pior. - Porque não, seu idiota. Agora é a minha vez de perguntar. Por que você está assim?

–- Por que será? - ele suspirou, voltando a encarar o céu - Eu não deveria estar assim. Você tem razão. As coisas ainda não acabaram. Na verdade, tudo está apenas começando.

–- Tudo o que, seu demônio lesado? Já sei, perdeu o ursinho de pelúcia de novo?

–- Não diga isso. Semana passada jogaram ele no lago. Levou dois dias pra encontrá-lo. Desse jeito o Kuma vai achar que eu não gosto mais dele.

–- Kuma?

–- É. Uma garota do chalé de Atena disse que Kuma é urso em alguma língua aí. Aquela lá que tem cabelo roxo.

–- Deve ser em japonês. Mas isso não importa, o que eu quero saber é o que você disse que estava começando.

–- O fim. O fim está começando.

Senti um tremor percorrer as minhas costas.

–- O fim do que?

–- O fim de tudo.

–- Então tudo está começando o fim de tudo. Isso é tipo um suícidio de o que quer que seja esse "tudo". Suicídio é morte. O que o filho de Hades fez com você?

–- Como você sabe..?

–- Eu vi você saindo do chalé 13. Agora desembucha.

–- Eu... O fantasma vai causar alguns problemas sérios se continuar por aqui.

–- Sérios? Então você deveria dizer isso a Quíron!

–- Não. Não sérios para o acampamento. Sérios para nós. - ele pensou melhor - Para mim.

–- O fantasma vai provocar problemas pra você... E o que o zumbi tem no meio, além do fato de que só ele pode ver o fantasma?

–- Ele é a parte mais importande de tudo.

–- Ele que é o responsável pelo que tá acontecendo?

–- Não esse tudo. O meu tudo.

–- Hein?

–- Deixa pra lá. Por favor. Não quero falar sobre isso.

Uma pontinha de desconfiança surgiu no meu subconsciente. Ele é o mais importante de tudo para Mike? Isso é como se ele fosse a pessoa mais importante na vida dele?

Mike gosta do maldito?

Cerrei os punhos. Não. Não podia ser verdade. Não, não e não.

Mas aquela lembrança me perseguia.

Quando ele tomou aquela coisa estranha que os filhos de Dioniso ofereceram. Mike ficou meio que bêbado, derrubou o coiso no chão e disse aquelas palavras que me fizeram odiar o filho de Hades.

Eu sempre disse a mim mesma que era efeito da bebida. Mesmo assim, nunca me convenci inteiramente. Agora a dúvida se tornava maior do que nunca.

–- E se ele morresse, Mike. Se ele morresse. Quanto tempo ia levar para que você o esquecesse?

Mike fechou os olhos tristemente.

–- Eu não ia deixar ele morrer antes de mim. Simplesmente isso.

Ele adormeceu e eu fiquei olhando para seu rosto sereno, imaginando se meus pesadelos seriam verdade.



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!