Dean bocejou à mesa, passando as mãos no cabelo enquanto encarava os demais presentes com um olhar sonolento.

–Acordado até altas horas outra vez, Dean? - repreendeu Ellen, as mãos na cintura. -Vou ter que te tratar como seu irmão, com horários marcados quando se deve ir dormir?

Dean murmurou alguma coisa, pegando uma torrada com geléia de cima da mesa e mordiscando-a.

–O que disse? - Ellen franziu a testa, encarando-o.

–Não... Senhora. - conseguiu dizer o Winchester, bocejando novamente.

Ellen lançou um olhar um tanto repreendedor à Jo também, como se dissesse: “Eu não te falei pra mandar ele dormir?”, e Jo ergueu os ombros, como quem se desculpa.

–Vamos logo que eu não quero me atrasar. - Dean levantou-se da cadeira, a torrada presa entre os dentes.

–Ei, ei, ei, termina de comer primeiro! - disseram Jo e Ellen em uníssono, mas Dean já batia a porta da frente.

Jo suspirou, largando sua torrada quase intacta sobre o prato. Ellen olhava fixamente para a porta, mordendo o lábio inferior enquanto balançava a cabeça.

–É melhor você ir atrás dele, Jo. - disse, ainda balançando a cabeça.

–É o que estou fazendo.

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Dean colocou as mãos nos bolsos, andando apressado sobre a calçada. A manhã estava fria, portanto, ele usava sua blusa de frio azul-marinho favorita sobre uma camiseta preta, jeans escuros e tênis. Nas costas, carregava sua mochila preta, e na mão, uma torrada quase terminada.

Mordeu o último pedaço da torrada, tomando cuidado para não sujar os dedos com a geléia. Era de morango. Por algum motivo, Ellen resolvera usar justo a geléia de morango, entre todas as outras que haviam no armário. Depois de tanto tentar esquecer, uma simples geléia o fazia lembrar de tudo que o atormentava.

Por que Ellen tinha de ter escolhido justo a geléia favorita daquele homem?

–Dean! Hey, Dean, me espera!

O garoto suspirou, parando de andar, enquanto Jo o alcançava, ofegante.

–Estava tentando me despistar? - perguntou a garota, ainda ofegante.

Dean apenas revirou os olhos e voltou a andar, sendo seguido dessa vez por Jo. Andaram em silêncio por pelo menos cinco minutos, antes que o Winchester não conseguisse controlar sua curiosidade:

–Ei... Jo... - a garota se virou para ele, enquanto o irmão de Sammy baixava os olhos para o chão. -Muita coisa mudou desde a última vez que estive aqui?

Jo ergueu as sobrancelhas diante a pergunta. Dean não costumava ser o tipo de pessoa que perguntaria uma coisa como aquela. O que significava que havia algo tremendamente errado com ele.

–Bem... Pra falar a verdade... - ela ergueu os ombros. -Não. Temos dois alunos que você não conhece, mas, fora eles, acho que tudo continua sendo a mesma coisa.

–Quem são esses dois alunos? - Dean continuava a encarar o chão, sentindo um rubor leve subindo por seu rosto. Não acreditava que realmente estivesse esperando que Jo falasse alguma coisa sobre o que ele queria ouvir.

Jo o encarou, confusa. Agora é que não estava entendendo mais nada.

–Anna Willians e Uriel McKenna.

Dean franziu a testa, mas tinha certeza que não conhecia nenhuma daquelas pessoas.

–Ah... - respondeu simplesmente, decepcionado.

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–Ah, sim! - exclamou Jo, quando finalmente chegaram aos portões da escola. -Esqueci um detalhe sobre os novatos.

–O que é? - Dean a encarou, curioso.

–Anna é a namorada do Castiel, e Uriel, o melhor amigo dele. - ela deu de ombros. -Pelo menos eu acho. Eles vivem andando juntos...

–Anna é a namorada do Castiel? - repetiu Dean, os olhos arregalados. - E Uriel o melhor amigo dele?

Jo o encarou, a testa franzida.

–É. - respondeu, confusa. -Por quê? É importante?

Dean abriu a boca para responder, mas a única coisa que saiu foi uma lufada de ar.

–Não. - murmurou o Winchester, olhando para o chão. -Não é nada... - ele balançou a cabeça, e olhou para ela. -Então, você pode ir primeiro? Vou esperar aqui fora um pouquinho...

–Tudo bem... - Jo franziu a testa. Talvez devesse deixar Dean um pouco em paz. -A gente se vê depois.

Dean assentiu com a cabeça, mas encarava o chão, pensativo.

Quando Jo passou pelos portões e desapareceu no meio de um bando de alunos agitados e barulhentos, o garoto fechou os olhos, reprimindo o grito de sua alma.

Sabia que, quando acontecesse, ia doer. Só não sabia que seria tão rápido, e nem que doeria tanto. Ser trocado o havia magoado. Principalmente ser trocado por alguém que ele nem conhecia. Aquilo ardia em seu peito. Ardia em sua alma. Ele podia senti-la rachando, e não era vagarosamente. Pelo contrário. Assim que ouvira as palavras serem pronunciadas pela boca de Jo, havia sido como se tivessem enterrado uma faca direto em seu coração, como se sua alma tivesse sido atingida por um raio.

Não havia conserto dessa vez. Sua alma estava partira, despedaçada, assim como seu coração. Seus olhos ardiam com a necessidade de chorar, e seu corpo inteiro gritava, implorando que a dor acabasse, que tudo aquilo, toda aquela tortura, acabasse.

Recostou-se na parede, sentindo a cabeça girar. Respirava com dificuldade, quase como se não houvesse pulmões dentro dele. Não sentia as mãos, as pernas, não sentia nada de ser corpo, apenas... A dor.

–Cas... - sussurrou, abraçando a si mesmo com as mãos trêmulas. -Por quê?

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Ao ouvir o sinal bater, Dean levantou-se e entrou no colégio. Talvez Jo o matasse por não ter entrado na escola ainda, talvez o matasse por não avisar que esperaria do lado de fora até que o sinal batesse. Ele não se importava de fato. Aliás, morrer naquele instante lhe parecia uma ótima opção – convidativa.

–Dean! - viu um rosto conhecido surgir na multidão. Era Adam Milligan. Louro, queixo fino, aparência atlética. Olhos azuis.

–Adam. - cumprimentou o Winchester, virando o rosto para não ter que encarar o outro. Por que raios seus olhos tinham de ser tão parecidos com o de Castiel? -Tudo bem?

–Eu que te pergunto, cara! - Adam sorria, daquele jeito estranhamente animado que só ele tinha. -Faz quanto tempo? Três anos desde a última vez que eu te vi? - não recebendo nenhuma confirmação, ele balançou a cabeça, suspirando. -Acho que Jo não estava mentindo mesmo sobre esse lance de você ter mudado pra caramba. Cara, faz três anos que não nos vemos, e quando a gente se encontra, você nem me dá um tapinha nas costas! - ele franziu a testa. - Ou eu que tinha que fazer isso?

Dean revirou os olhos.

–Deixa pra lá. Não posso simplesmente dizer “oi” e estamos combinados? - pediu, tentando não fazer soar como se estivesse implorando, o que, na realidade, era exatamente o que estava fazendo.

–Não, não, não. Tsc, tsc. - Adam balançou os dedos, fazendo sinais negativos. -Eu preciso de pelo menos... Uma festa. Nesse final de semana, podemos comemorar o fato de você ter voltado. Aí a gente junta a galera e todo mundo joga ovo em você.

–Isso as pessoas só fazem nos aniversários, seu imbecil. -Ruby Henricksen empurrou alguns alunos para chegar até eles. Continuava do mesmo jeito que Dean se lembrava dela: olhos e cabelos castanhos, salto alto, olhar intimidador e cara de mal-humorada. -Olá, Dean. - apesar de tudo, a garota sorriu ao vê-lo.

–Ruby. - ele a cumprimentou, também sem encará-la nos olhos.

O maior problema de seus amigos... Era serem seus amigos. Se ele estivesse animado, estariam animados com ele. Se estivesse infeliz, tentariam animá-lo de todas as maneiras possíveis. Mas, naquele instante, tudo que ele queria era ficar um pouco longe de tudo e de todos. Até mesmo de Jo. Principalmente de Jo. Ela era a pessoa mais perigosa para ele naquele instante. Perceberia, logo que o visse, que ele não estava bem. O Winchester já estava surpreso por Ruby – que costumava ser tão observadora – não ter percebido ainda.

O louro suspirou, encarando o chão fixamente.

Talvez as coisas tivessem mudado. Mudado até demais.