Dama De Sombras escrita por Pedro Vinícius


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Bem, passei séculos sem postar! Havia ficado sem computador - tenso, né? - mas agora já estou de volta à minha vida cibernética... Entõ, lá vai! kkk Ignorem se estiver muito ruim. :x



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A

lexander deu um salto precipitado para trás, descomprimindo-me rente ao paredão de pedras da cachoeira. Esperei que meu corpo se acostumasse novamente ao seu estado de conforto habitual antes de enviar ao vampiro um olhar enviesado; um olhar fraco. Naquele instante, observei-o levar o dedo indicador ao canto da boca, fazendo um movimento incerto de cima e baixo no local. A palidez do indicador estava mascarada por uma película fina de sangue, a qual ele levou à língua já estirada, lambendo os resquícios do líquido escarlate com rapidez e selvajaria insondáveis.

Ele estalou os dedos e olhou-me durante um átimo de segundo que me pareceu inacabável. Seu olhar, ao passo que evidenciava compaixão, era hostil e tão frio quanto qualquer outro que fora voltado para mim. Por dentro, senti uma dor sufocante tomar-me conta, como se algo tivesse sido quebrado; estilhaçado em farelos. E no fundo, eu desconfiava que tivesse sido meu coração.

Alexander voltou seus olhos negros para a escuridão à frente, porém não se moveu. Manteve-se parado, o corpo rígido esperando meu ataque. Retrocedi um passo, confusa. Fitando seu caminho iluminado por uma grande pedra prateada na abóbada do céu, ele maneou a cabeça num sinal de discordância e gargalhou com uma ironia sádica.

- Nossa conversa não acabou, Melissa – ele falou gravemente sem virar-se à minha direção. – Mas fique sabendo, de antemão, que este beijo nada significou para mim.

Emudecida perante uma sensação mesquinha e demente de perda, o vi partir com uma velocidade surpreendente. Esperei perde-lo do meu campo de visão antes de deixar-me desabar.

E, sob a luz da lua, ruí como os escombros de um prédio em demolição no chão úmido, no mesmo tempo em que lágrimas escorreram com uma força tão grande dos meus olhos quanto às águas que caíam em cascata da cachoeira ao lado. Meu soluço agorento escondia-se entre os galhos densos das árvores e se camuflava no canto gótico e aturdido de um corvo.

Sentada com a face entre as pernas, sentia meu cérebro trabalhar a todo vapor, trazendo à tona um turbilhão de ideias aleatórias, repercutindo a angústia e as ruínas empilhadas no vazio do meu coração. Em cada imagem, via seu rosto peregrino manifestar-se e desvanecer, surgindo, encantando-me e destroçando-me com uma ferocidade ininteligível. Ele mexia comigo de uma forma surpreendente, de uma forma que eu sabia que poderia morrer, mas morreria feliz tendo-o ao meu lado. Era inexplicável, era claro. Mas eu sabia a verdade. Sabia que o amava. Que o amava com uma força descomunal.

Pisquei. E foi naquele instante, sabendo que Alexander havia aniquilado meus sentimentos porque não podia retribuí-los, que eu soube. Soube que eu não voltaria a ser a mesma sem tê-lo – mesmo sem nunca tendo o tido - porque não queria sê-lo. E era por isso, apenas por isso, que eu iria mudar.

Pus força nas mãos, decidida a erguer-me. Nada e tampouco ninguém faria de mim uma fraca; uma pessoa propensa a sentimentos tão mundanos quanto este que se alargava como as raízes de uma árvore em meu coração.

Levantei-me com uma destreza inimaginável e corri pelo caminho denso entre as árvores até o acampamento.

Algo havia ocorrido. Alguém havia morrido. Eu não seria egoísta logo agora.

***

Os galhos das árvores roçavam em meus braços e pernas à medida que corria. Arranhões se formavam em minha pele como se ácido estivesse em contato com ela, corroendo-a sem piedade. Dentro de mim, crescia uma vontade insana, um anseio cruel e tangível. Mantive a respiração controlada, evitando deixar que o cansaço substituísse a energia que eu acumulara.

A densidade maciça da floresta me coagiu a correr às cegas até metade do meu percurso. Ali, o aroma dos eucaliptos aderia em minha pele, confundindo-se com o suor frio que estilava de minhas mãos e testa. Entre os galhos das árvores que lentamente se rareavam, comecei a ouvir vozes angustiadas; gritos tão estridentes e agourentos quanto os pássaros que me acompanhavam. Eu sabia de onde vinham. Ergui a cabeça rapidamente, fitando o céu escuro. Uma linha de fumaça cinzenta içava voo pelo ar, desenhando um borrão cinéreo na imensidão negra. Sobressaindo-se ao perfume intenso das flores e árvores, o odor de lenha queimada na fogueira dos chalés mais próximos ganhava vida e vigor, penetrando minhas narinas conforme me aproximava do meu destino. Pisquei e expirei forçosamente, tentando impedir que aquele cheiro se instalasse em minhas narinas, e, lentamente, em toda minha via respiratória.

Estava quase chegando a uma clareira quando ouvi um estalar. Galhos quebrando, disse uma voz raivosa em minha mente. Não tive outra ação senão parar e olhar para trás. Em meio àquele breu, porém, não enxerguei nada; apenas borrões inaccessíveis e galhos de árvores pendentes, que produziam uma cacofonia assustadora, que, incluída ao cricrilar dos grilos, mantinha-se insistentemente ininterrupta. Mais um estalar; mais galhos quebrados. Joguei-me no chão, incerta, tateando o solo recoberto de folhas até achar o tronco de uma árvore com circunferência grande o suficiente para me ocultar em meio às trevas da floresta.

O som se repetiu. E, enquanto o ouvia se aproximar, os pelos de todo o meu corpo se ergueram de medo, como as pontas afiadas da pelugem de um porco-espinho.

- O plano não saiu conforme o esperado – murmurou uma voz fria, mecânica.

Meu estômago embrulhou ao ouvi-la. Senti como se fios de vidro congelado me penetrassem a carne, tão cortante era o timbre daquela voz. Não havia vida ali. Apenas trevas. E ódio. E novamente trevas.

- Conseguimos seis, Vossa Graça – disse outra voz, num entoação pouco mais alta que um murmúrio.  – Um número consideravelmente alto, se comparado à tentativa falha da outra semana.

- Medíocre. É isso o que você é, vassalo – censurou o dono da voz enregelada. – Contenta-se com o pouco.

Eu quase não respirava. O suor que antes escorria de meu corpo devido ao esforço físico agora era oriundo do medo intrépido que me consumia. Saia daí, exigiu uma parte de mim. E, no entanto, eu sabia que aquilo não era possível. Mas, mesmo que me fosse dada a chance, havia uma parte de mim, a parte escura e destemida da minha mente, que fincaria meus pés àquele chão úbere e apinhado de flores, impedindo-me – mesmo se possível - que saísse e deixasse os dois seres desconhecidos partir. E também foi aquela parte tão insistente do meu cérebro que comandou minha ação seguinte.

Conduzi meu braço esquerdo ao chão úmido, perfurando a camada superficial de folhas, deixando-o ali, inerte. Com a ponta das unhas, e utilizando da minha agilidade nata, comecei a cavar. Cavei, silenciosamente, até sentir que minha mão estava totalmente preenchida por areia e barro. Terra.

A terra era o sólido, o impenetrável, princípio de existência. Era o corpo bruto, a armação que sustentava as marionetes antes que ganhasse a água vermelha, o líquido da vida. A terra era o homem, seus braços, pernas e cabeça. E os feitiços provindo da terra eram os feitiços de aperfeiçoamento corporal. Pensei naquilo tão rápido que eu mesma duvidava se minha inteligência era tão astuciosa quanto se mostrava.

Retirei a mão revestida pela película de terra do solo e a levei delicadamente aos olhos. Espalhei dentro e ao redor dos mesmos a areia, represando na boca fechada o grito estrídulo que provinha daquela dor áspera e intermitente, ardida. Quando sobraram apenas poucos resquícios do pó em minha mão, fechei os olhos. A luz findou totalmente, deixando apenas o vestígio sombrio da luminosidade rala que eu vira dois segundos atrás. A areia se empertigou nas pálpebras fechadas e pinicou ainda mais em meus olhos. Meu coração batia convulso, pulsando o sangue com uma velocidade mordaz por todo meu corpo. Levei a mão livre para o olho esquerdo e pressionei-o, murmurando o mais baixo que pude no momento em que um corvo chilreou acima da minha cabeça:

- Faça-se claro o escuro.

Evitei expandir a pálpebra do olho esquerdo, mantendo-o, dessa forma, intacto e ainda imerso na escuridão; embora o formigamento que sentia tentasse me aliciar do contrário.  Finalmente, repeti o ato com o olho direito.

E, por fim, os abri.

A escuridão desapareceu quase que de imediato. Ao invés de suas sombras contínuas e arrasadoras diante da noite, eu agora podia enxerga-los – os dois homens - com uma visão tão nítida que me pareceu, à princípio, que grandes refletores de luz focavam-se neles. Pisquei, adaptando-me à nova ótica. Em seguida, encarei-os, ensimesmada e atenta.

Um homem com mais de 1,90m de altura se erguia triunfalmente sob o chão enfolhado. A cabeça era comprida, retangular, e os cabelos lisos caíam-lhe sobre os ombros, contornando um rosto escanhoado. A barba, laureada por indistintos fios prateados, escondia o queixo duplo, ressaltando os olhos negros como estilhaços de ônix; brilhantes e penetrantes mesmo à densa negritude da noite. O corpo era robusto, de músculos rígidos e enormes, forrado por um intricado sistema de tecidos, sobrepostos uns por cima dos outros com relevos e desenhos brilhantes. Arrodeando o pescoço esticado, havia um cordão dourado sarapintado por uma medalha oval coroado por uma estrela de cinco pontas.

Meu coração quase parou quando vi aquele símbolo. Minha mente deu várias voltas e guinadas, retrocedendo, buscando alguma memória que me devolvesse àquela insígnia, que me dissesse exatamente o que significava. Foi então que recordei. 


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