Confusões De Uma Vida Perfeita escrita por Miaka


Capítulo 4
Imprevisto


Notas iniciais do capítulo

Peço desculpas a todos que estão acompanhando por ter demorado anos a continuar postando! ^^ Obrigada por acompanharem!



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Fazia meia-hora em que Kurosaki Ichigo, com as costas apoiadas àquelas barras de ferro e as nádegas doloridas por estar pousado naquele desconfortável chão duro da cela, tentava controlar a dor de cabeça que, ele não mentia, estava lhe enlouquecendo.

– Não pode ser!

O jovem havia sido pego em flagrante fazendo sexo com sua esposa no carro roubado que seu pai havia lhe dado quando se formara em medicina. A caminhonete 4x4 vermelha importada, de modelo italiano, havia sido tirada da concessionária sem pagamento, assim como o alvará de funcionamento da clínica de sua família.

– Não pode ser! Não pode ser!

E, daquela vez, seu pai havia colocado o bem em seu nome e isso fazia com que Kurosaki Ichigo fosse reconhecido como o legítimo dono. Aquele que não pagou nenhuma das 60 parcelas do automóvel.

Agora ele era reconhecido membro de uma gang internacional que, junto com sua esposa, retratada como uma mulher de pele alva, baixa estatura e olhos claros, aplicavam golpes comprando carros e retirando os mesmos do país de origem. Os policiais haviam comentado que o asiático pintava o cabelo de cores exóticas para não ser reconhecido como japonês e transitar livremente nos países da Europa.

– Não pode ser! Não pode ser! Não pode ser!

Mas não era só aquilo que estava deixando os fios laranja de Ichigo descoloridos, quase brancos. Os poucos que ele ainda não havia arrancado eram puxados por ele ao ouvir os passos de sua esposa. Ela andava de um lado para o outro, resmungando.

Ele. Estava. Enlouquecendo.

– CALA A BOCA, RUKIA! – ele bradou, furioso ao virar-se para trás para encara-la.

Ao ouvir a voz imperativa de seu marido, a morena que tinha os olhos enormes maiores ainda devido ao choro, parou estática a observar os castanhos por detrás das grades. Ichigo franzia o cenho fazendo questão de demonstrar como estava irritado.

– Quem é você pra gritar comigo? – a baixinha não levava desaforos para casa... e nem para seu lado da cela.

– Seu marido! – Ichigo vociferou, voltando a ficar de costas para ela. – Droga! Já estamos com problemas suficientes e você fica ai e...

Ichigo ouviu passos ligeiros de Rukia que precederam um ruído nada agradável acompanhado dos gemidos sofridos da morena. Ele se voltou para trás, preocupado. Mordeu o lábio quando a viu apoiada a pia que ficava no fundo da minúscula cena onde não havia nada mais que ela e um vaso sanitário ao lado de um colchão velho que exalava tão bem quanto à latrina.

– Rukia... – Ichigo chamou, segurando uma das barras.

Que droga era não poder ir ajuda-la. E como havia sido estúpido! Rukia estava sensível e seus filhos reagiram rápido ao maltrato que o pai fizera a mãe. Ele estalou a língua, sentindo-se o pior dos homens. Aliás, quantas vezes naqueles últimos meses já não se sentira assim?

Levou um tempo até que Rukia se acalmasse e abrisse a torneira enferrujada, lavando com a pouca água corrente que saia dela o rosto e a boca. Ela se levantou com uma expressão péssima e Ichigo sentiu o coração apertar ao vê-la se aproximar das barras, nas quais ela se apoiou antes de deslizar o corpo e se sentar ao lado dele.

– Rukia, está bem? – Ichigo prontamente estendeu o braço pelo vão entre as grades e tocou na pele gelada da esposa. – Vou chamar ajuda, tá?

– Não! – Rukia protestou. – Estou bem! – e acomodando-se melhor, Rukia apoiou as costas nas barras que a separavam do marido, mas Ichigo não soltou a mãozinha fria da morena que ofegava ainda.

– Me desculpa! – Ichigo pediu, sentindo as costas apoiadas no corpo da esposa. – Eu ando tão nervoso! – o jovem médico desabafou, apoiando a cabeça em um dos joelhos flexionados. – Mas vai ficar tudo bem! – ele tentava convencer a si próprio mais que Rukia. – Se sente melhor?

– Sim... – Rukia respondeu suspirando. – Só me sinto tonta...

– Eu não sei que tipo de tratamento o Ishida tem lhe dado! – o Kurosaki se revoltou. – Aquele quatro-olhos não entende nada!

– A especialidade dele é ginecologia, Ichigo! Diferente da sua! – Rukia parecia ofendida com o comentário do marido. – E, de qualquer forma, nem sua especialidade você exerceu!

– Ah, tudo bem! – Ichigo riu ironicamente. – Vamos voltar para o tópico: Kurosaki-Ichigo-O-Pior-Marido-E-Pai-Que-Já-Existiu-Na-Face-Da-Terra!

– Não é o pior, mas poderia ser bem melhor do que é! – Rukia se virou para encarar Ichigo que cerrou os olhos irritado enquanto massageava as têmporas.

Alguns passos fizeram Ichigo abrir as castanhas e dar de cara com o apressado delegado que vinha acompanhado de ninguém mais, ninguém menos que Ishida Uryuu, o médico e amigo supracitado. Agora sim, Ichigo precisaria era de um cardiologista. O que aquele idiota que nem sabia cuidar de sua mulher – profissionalmente falando, ele ressaltaria – estava fazendo ali?

– Ishida! – Rukia abriu um largo sorriso ao se levantar e que fez Ichigo odiar ainda mais aquela presença ali.

– Que está fazendo aqui? – Ichigo se ergueu em seguida, mas esse parecia invocado. Voltou-se a esposa. – Você que ligou pra ele, Rukia? – Ichigo sentiu uma veia em sua fronte saltar.

Rukia virou o rosto, ignorando a irritação de seu marido.

– São eles? – o guarda perguntou apontando o casal. – O de cabelo tingido é Kurosaki Ichigo e... – o guarda baixou a vista para ler a ficha em mãos. – Kurosaki Rukia?

– Sim, são eles mesmos. O senhor se confundiu. – Ishida ajeitou os óculos e fitou melhor o amigo que, nitidamente, estava irritado com sua presença.

– Tudo bem, eles não são os criminosos, - o delegado tirou os óculos que deixou pendurados pela cordinha de pescoço, falando desinteressado. – Mas além da acusação de estarem dirigindo uma caminhonete roubada, os dois foram pegos em flagrante...

– Senhor delegado. – o médico interrompeu, afundando a mão no bolso do jaleco branco que usava por cima da blusa social azul-marinho e calça branca. – Acho que o senhor fez um bom trabalho por hoje. – e, intimidador, Uryuu depositou no bolso da camisa do homem de meia-idade uma quantia considerável de dinheiro. – Meus amigos estão liberados?

– C-claro! – o delegado gaguejou vendo as várias notas que saltavam para fora de seu bolso agora. – Libere o casal! – apressou-se a comandar o carcereiro.

– Sim, senhor!

Batendo continência o rapaz mais jovem que acompanhava o delegado correu tirando as chaves do bolso. Assim que a cela foi aberta, Rukia saiu e foi ao encontro do amigo.

– Que bom! – Rukia suspirou aliviada.

– Nem acredito! – Ichigo bufou.

– Como está, Kuchiki-san? – Ishida perguntou apreensivo.

– Bem melhor agora! – ela suspirou. – Muito obrigada!

– Você é sujo, Ishida. Comprou o delegado. – Ichigo provocou, reprovando a atitude do amigo.

– Quer apodrecer na cadeia, Kurosaki? – o quincy lançou um olhar maldoso.

– Cala a boca, Ichigo! – Rukia repreendeu, fazendo o marido farfalhar os cabelos laranja suspirando.

– Deve estar exausta depois disso tudo! – Ishida ressaltou. – Eu estou a caminho do hospital, passamos lá e aproveito para te examinar e...

– A Rukia vai pra casa comigo! – Ichigo dava um passo à frente, saindo da cela.

Os âmbares faiscavam vermelho-sangue. Ishida não hesitou em encarar com seus azuis gélidos.

– Algum problema, Kurosaki?

– Nenhum. Obrigado, Ishida, mas agora eu e a Rukia vamos pra casa. – avisou.

– A Kuchiki-san precisa de cuidados. Não se preocupa com ela e seus filhos? – o quincy perguntou entre os dentes, tão provocativo quanto ele.

– Quem sabe aqui os cuidados que a Rukia precisa sou eu! – Ichigo aproveitou para, com um dedo indicador autoritário, cutucar o peito do amigo.

– Como médico da Kuchiki-san, eu proíbo que ela volte para a Soul Society sem que eu a examine! – Ishida foi absoluto.

– Ah, como médico dela... – Ichigo cruzou os braços e riu com sarcasmo. – Pois eu, como marido e médico também, afirmo que ela vai pra casa comigo! – respondeu.

Os dois rosnavam. Rukia se agarrou ao braço do quincy e o afastou.

– Por favor, Ishida! Não se preocupe! O Ichigo... tem estado assim mesmo. É assim que ele pensa e me trata... – e, sensível e irritada como estava, a morena não se esforçou para chorar.

– Na-não, Kuchiki-san! – e se voltando a ela, Ishida segurou seus ombros. – Não deve se alterar! Não é bom para você nem para os bebês! – rangendo os dentes ao senti-la tremer sob suas mãos, Ishida se virou desafiador. – Você não se sente mal por fazer a Kuchiki-san sofrer tanto, Kurosaki? Ela está grávida, precisa de apoio! – ralhou.

"Que cena..." pensou Ichigo, indignado com os mimos que o quincy quatro-olhos costureiro dava a sua esposa. Sentiu-se enciumado.

– Ótimo! – Ichigo espalmou as calças tirando a poeira que a cela deixara. – Sou um péssimo marido e pai para Rukia e meus filhos! Então assuma todos eles, Ishida!

O jovem médico, exasperado, passou pelo amigo e a esposa e subiu as escadas que levavam de volta a delegacia.

– Fique calma, Kuchiki-san! – Ishida insistia. – Vamos, a Orihime está...

– Kurosaki-kuuun!

E antes que o quincy completasse, a voz estridente da amiga já chamava Ichigo que surgia na sala principal da delegacia, acompanhado pelos dois que vinham atrás.

– I-Inoue? – Ichigo gaguejou.

Estava em choque ao ver a amiga... enorme. Fazia tempo que não a via e, prestes a dar a luz, os seios estavam mais que o dobro do tamanho exorbitante que já tinham. As bochechas estavam cheias e dos lábios escorria creme cor-de-rosa, mesmo tom que havia no interior do pote de sorvete que ela carregava com uma colher.

– Orihime-san! – Ishida que acompanhava Rukia, chamou a esposa. – Que está fazendo aqui?

– Estava cho...ndo ...ito, Ishida-kun! Fi...ei com me...o e vim ver co... ...tavam! – a jovem mulher disse com a boca cheia de sorvete. – Ei, Ku...iki-san! – Orihime exclamou vindo de encontro à amiga.

A morena baixinha se surpreendeu com o abraço que lhe foi dado, quase lhe esmagando. A garota não teve que largar nem o pote nem a colher para afagar a amiga.

– Você está linda! – a ruivinha sorriu. – Já dá para ver! – apontou a barriga da morena.

– É... Você também... – a shinigami comentou o óbvio, a amiga estava enorme.

– Ishida-kun me contou que são gêmeos! – a volumosa garota sorriu.

– São sim! – Rukia correspondeu com um sorriso que logo esmaeceu.

– Algum problema, Kuchiki-san? – Inoue piscou ao vê-la entristecer.

– Na... nada. – os olhos azuis da morena fitavam o médico de cabelos laranja que assinava algo com Ishida no balcão da delegacia.

Aquilo não passou despercebido aos olhos de Inoue, que retorceu os lábios. Trocou um olhar cumplice com o marido que assentiu, antes de voltar a ter atenção nos documentos que o 'amigo' assinava.

– Quer um pouco de sorvete? – Orihime perguntou, enfiando uma colher cheia na boca de Rukia.

A morena quase se engasgou com tanto sorvete o qual ela não conseguia distinguir o sabor.

– É de quê? – Rukia perguntou enquanto tentava engolir a enorme quantidade de sorvete e sentir o corpo congelar por dentro.

– É de kiwi, framboesa, flocos e amêndoas e tem calda de leite condensado com feijão!

A morena sentiu o estômago revirar. Cuspiu o que ainda sobrava do sorvete enquanto corria em busca de um banheiro.

Ichigo, que acabava de receber alguns papéis que lhe liberavam da prisão e guardava sua carteira no bolso da calça social, além de ter na outra mão uma sacola com os pertences de Rukia que foram apreendidos, viu Rukia passar apressada com as mãos nos lábios.

– Aonde foi a Rukia? – Ichigo perguntou ao se aproximar de Orihime.

– A..ho ...ue... ela ...oi... ao... anheiro... – a voz saiu no meio de mais uma colherada.

– Banheiro? De novo! – Ichigo estalou a língua, lançando-se a cadeira ao lado de onde Orihime estava sentada com Ishida ao seu lado afagando os longos fios acobreados da esposa.

– Kurosaki! – Ishida chamou sério. – A Kuchiki-san está frágil! Não tem como ser mais delicado com ela e dar mais atenção?

– Eu estou cheio de problemas e a Rukia só me arranja mais! – o substituto bufou. – É muito fácil dizer isso quando você tem uma vida perfeitinha! Quero ver quando a filha de vocês nascer e vocês ficarem com ela correndo pela casa e a Inoue ficar histérica de vez!

A senhora Ishida piscou confusa, afundando mais uma vez a colher de metal no pote.

Não demorou muito para que Rukia voltasse. Pálida e abatida, a morena cambaleava apoiando-se as paredes. Aquilo apertou o coração de Ichigo, mas ele não ficaria em cima dela agora que havia exposto para todos que estava saturado daquela vida com Rukia e nem faria o que Ishida fazia, ficar bajulando a esposa vinte e quatro horas por dia. Aquele era seu jeito e Rukia sabia bem. Se tinha aceitado ficar com ele era porque sabia de suas condições, não?

Mas como aguentar vê-la assim? Sentiu-se angustiado ao vê-la caminhar com dificuldade até eles, sendo amparada no meio do caminho por Ishida que, angustiado ao ver Ichigo não ir ajuda-la, auxiliou a morena a se sentar.

– Está tudo bem, Kuchiki-san? – o quincy perguntou.

– Sim. – a morena suspirou, recostando-se a cadeira. – Obrigada por ter vindo Ishida. Eu não sabia o que faria...E está essa tempestade! – a morena olhou para fora e viu o diluvio que caia, adornado de trovões que iluminavam o céu noturno.

– Não se preocupem. Eu tenho um plantão mais tarde e ia deixar a Orihime-san na casa da Arisawa-san. Não estou deixando ela sozinha em casa mais agora que está perto da nossa filha nascer. – a esposa do médico sorriu satisfeita com os mimos expostos por ele e aquilo fez Rukia esboçar um sorriso triste, carregado de inveja. Por que com Ichigo sua relação não era nem próxima disso? – Quando a Kuchiki-san ligou, estávamos nos arrumando.

– A Rukia não devia ter ligado. – Ichigo, que até então se mantinha de pé apoiado à parede se manifestou finalmente.

– Se não tivéssemos ligado, estaríamos apodrecendo dentro daquela cela agora! – Rukia bradou descontrolada.

– Acalme-se, Kuchiki-san! – Ishida pediu, preocupado.

– Rukia, fique com eles! Eu vou voltar! – Ichigo anunciou.

– Do que está falando? – Rukia indagou confusa.

– Não sou bom pra você, ótimo, estou indo embora! Não se preocupe, eu mando um dinheiro pra você e pras crianças!

– Mantenha a cabeça, Kurosaki! – Ishida imperou, preocupado com os amigos.

– Não adianta, Ishida! O Ichigo não me ama mais! – a morena choramingou, levantando-se,

– Kuchiki-san! – a amiga se levantou, pousando o pote de sorvete na cadeira e segurando os ombros de Rukia.

– Não dá mais, Rukia! Já tentei de tudo com você! – Ichigo vociferou.

– Saia da minha frente! – a morena gritou, transtornada.

– Ótimo!

Ichigo deu meia-volta, pronto para partir e deixar Rukia. Não para sempre, claro, mas segundo ele, sua esposa precisava de um susto. Insensível, deixaria a esposa grávida aos cuidados do amigo que ela taaaaaanto prezava. O exemplo de marido perfeito, Ishida Uryuu. Que raiva sentia de Ishida.

Mas aquela revolta só durou até ele ouvir, no meio das trovoadas e do choro de Rukia, um barulho como se um balde de água fosse despejado ao chão. E, acompanhado daquele som diferente, Orihime gemeu e Ichigo virou-se para trás.

Assim que se virou, viu uma poça d'água em volta da amiga cercada por Rukia e Ishida chocados.

– Ishida... kun... – ela chamou, assustada, levando as mãos ao ventre.

– Orihime-san! – o marido se aproximou, exasperado. Ele sabia o que havia acontecido. – Temos que ir para o hospital! – anunciou.

– O que aconteceu? – Ichigo se aproximou rapidamente, arregalando os olhos castanhos.

– Não tá vendo, seu idiota? Minha filha vai nascer! – Ishida anunciou exasperado, as mãos freneticamente farfalhando os cabelos.

– Tá doendo, Ishida-kun! – a ruiva reclamou, sendo ajudada por Rukia ao se sentar novamente na cadeira.

– Fique calma, meu bem! – o quincy pediu, ajoelhando-se diante da esposa.

– Vamos levar a Inoue logo, Ishida! – Ichigo se aproximou, tocando o ombro do amigo.

– Não! Eu... eu pedi uma decoração toda no quarto em que a Orihime-san vai ficar! Têm as bonecas, as cortinas que costurei... – Ishida protestou. – Só fica pronto semana que vem, só planejamos que nascesse semana que vem! – ajeitava os óculos. O quincy estava decidido. – Não pode ser agora!

– Você tá idiota ou o quê? – o substituto de shinigami interrompeu, puxando o amigo pelo jaleco. – Sua filha não vai esperar até você fazer todas essas coisas gays no quarto que a Inoue vai ficar! – Ichigo ralhou.

– T-tem razão! – ele gaguejou exalando tensão.

O quincy ofegava observando a esposa que se revirava com a dor de cada contração e que com cada gemido fazia Ishida morder uma parte da língua.

– Onde tá o carro? – Ichigo observou por entre a janela a procura.

– Tá no estacionamento do shopping no outro quarteirão! – Ishida respondeu, não dando muita atenção por estar examinando a esposa e tentando acalma-la.

– QUÊ? Você deixou o carro no shopping que fica a duas quadras daqui? Tá explicado porque sua filha tá nascendo prematura! Fez a Inoue-san andar tudo isso!

– Eu não fiz nada! Não é todo dia que eu compro um Porsche! – comentou o quincy orgulhoso. – E eu mandei a Orihime-san ficar lá, mas ela veio sozinha, eu...

– Ishida... kuuuun... – ela gemia se revirando na cadeira, interrompendo o quincy que estava sendo tomado pelo desespero. Batia a cabeça na parede às vezes pra ver se... não, não batia. Imaginava se batendo, mas tinha que estar consciente.

– Respira fundo, Orihime-san. Como treinamos, lembra?

– Eu não me lembro de nada, Ishida-kun! – a ruiva reclamava, apertando a mão da amiga.

– Fique calma, Inoue! – Rukia pediu, afagando as mãos suaves e... delicadas da amiga que estavam a ponto de quebrar seus ossos ameaçando parti-las a cada contração que sentia.

– Vamos, me dá as chaves do carro! – Ichigo pediu, preocupado. – Fica com a Inoue até eu ir buscar ele pra levarmos ela para o hospital!

– Ai, meu carro... – Ishida lamentava, enfiando a mão no jaleco e buscando de lá um molho de chaves. – Por favor, o mantenha da maneira que encontrar!

– Idiota! – Ichigo estalou a língua e se apressou.

Mas assim que chegara à porta da delegacia, os olhos castanhos se arregalaram quando viu o nível da água que já passava da altura das janelas dos carros de passeio estacionados ali fora. As ruas haviam alagado.

– Ishida... – ele se virou para trás, fitando o quincy que consolava a mulher. – Não temos como levar a Inoue ao hospital!

– Está louco, Kurosaki? A Inoue-san vai... – Ishida se levantou para olhar pela janela e viu a rua alagada. Seu coração apertou. Como fariam?

Voltou a olhar para a esposa que era auxiliada pela amiga, Rukia, então sentiu a mão de Ichigo tocar seu ombro.

– Vamos ter que fazer aqui mesmo, Ishida.

Ichigo anunciou.

Ishida engoliu seco.

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"Living on a prayer... Take my hand and we'll make it I swear..."

No ultimo volume, Jon Bon Jovi cantava na sala principal da mansão de Kuchiki Byakuya na enorme TV de 52'' que os Kurosaki haviam trazido.

E certo tenente ruivo, munido de uma guitarra de plástico, ao lado de Ginrei, tentava acompanhar aquela sequencia de bolinhas coloridas que vinham na direção de certo lugar que, o filho de Ichigo e Rukia havia dito ser para ele apertar no momento em que ali, a tal bolinha colorida passasse. Mas o tenente já havia pegado jeito depois da sexagésima sétima música tocada e já tinha até mesmo decorado a letra de um idioma estrangeiro.

– Hey, yeaaaah! Living on a praaaaayerr.... – ele cantarolava.

– Tio Renji! Tio Renji!

E no final da música, uma mãozinha puxava o hakama do subordinado que ficara a cargo de cuidar dos filhos de seus melhores amigos. Olhou para baixo e viu a pequena Misaki que trazia uma pequena bandeja de brinquedo e um conjunto de café de plástico.

– Ah, já vou brincar com você, Misa-chan! – Renji desviara por um instante e foi suficiente para Ginrei passar sua frente. – Droga!

– Tio Renji, você não é de nada! – mostrava a língua o pequeno delinquente prole de Ichigo e que fazia o ruivo se sentir um idoso.

– Ah, é? Ah, é? – Abarai se esforçava para fazer seus melhores acordes, mas logo a voz de Bon Jovi não era mais ouvida pela Seireitei e a partida encerrou.

– GANHEI! GANHEI! – o primogênito dos Kurosaki gritou, tirando a guitarra presa ao pescoço.

– Droga! – Renji franziu o cenho, irritado por ter perdido quando se agachou. – Que foi, Misa-chan?

– Fiz café para o tio Renji!

O tenente abriu um largo sorriso. A menina era uma copia de Rukia e lhe lembrava tanto quando a encontrara na infância. Ok, só na aparência, por que na doçura, nada Misaki lembrava Rukia.

– Ah, que ótimo, Misa-chan! – o ruivo se sentou ao chão em volta daqueles brinquedos espalhados e aceitou o pequeno pires que tinha uma xícara de plástico cor-de-rosa em cima. – Deixa eu ver se está bom! – ele ainda soprou o invisível antes de levar o brinquedo aos lábios. – Hm, está uma delícia, Misa-chan!

E cumprimentando a menina que corou, Renji afagou os cabelos negros que estavam presos em duas marias-chiquinhas pequenininhas pelos cabelos repicados como os da mãe. Fitou pelo canto dos olhos o garoto que trocava aquele disco fantástico que continha o jogo e parecia ser engolido por aquela caixa branca.

Ah, se toda missão que o Kuchiki-taichou lhe desse fosse daquele jeito...

– Ei, tio, vamos mais uma! – Ginrei gritou, apontando a tela e Renji ouviu a música começar.

– Claro!

Deixando os brinquedos de Misaki sobre a bandeja que, com orgulho, a caçula recolheu, Renji voltou a pegar a guitarra e se preparou para começar o solo que o Metallica já entoava na mansão Kuchiki.

"So close, no matter how far..."

E enquanto Misaki derramava a água que havia dentro de uma das panelinhas com as quais brincava no assoalho, Ginrei e Renji começavam sua partida cada um com um olhar desafiador.

E para revelar toda a imponência do nobre, as duas portas correram, cada uma para um lado e ele, Kuchiki Byakuya, adentrou majestosamente o que ele adjetivou como... inferno.

– Que se passa aqui? Ativo, Byakuya caminhou, tropeçando em alguns brinquedos que foram fazendo saltar veias diversas em sua fronte. Então observou a TV, aquele objeto estranho proveniente do mundo humano.

Os olhos negros fitaram os homens que entoavam aquela escandalosa canção. Todos balançavam suas cabeças freneticamente para frente e para trás. Que significava aquilo.

"Couldn't be much more from the heart, Forever trusting who we are..."

– And Nothing else maaaaaatters...- a pestinha sobrinho de Byakuya e seu tenente entoaram juntos, abafando a voz do tal cantor que aparecia na tela.

– Que se passa aqui? – ele repetiu, tentando se fazer audível.

Nada. Eles permaneciam naquela dança frenética e o ruivo balançava as longas madeixas presas que já estavam se soltando para frente do corpo.

TOC-TOC-TOC-TOC...

Aquele barulho se repetia toda vez que constatava Renji não acertar a bendita música. Ele semicerrou os olhos.

TOC-TOC... TOC-TOC-TOC...

Sem obter sucesso e a beira de um ataque de nervos, Kuchiki Byakuya não teve escolha. Apoiou a mão ao cabo de senbonzakura e desembainhando em um só movimento, em um shunpo, ele surgiu diante daquela tela, fina como um papel, e que caiu em duas partes, dividida ao meio com um corte de sua zanpakutou.

TAICHOU! – Renji exclamou, assustado.

– Tio Byakuya! – Ginrei gritou. – Seu assassino! – exclamou. – Meu pai ainda nem terminou de pagar essa televisão! – o garoto se aproximou, erguendo os punhos para dar de cara com o capitão e tio, observando-lhe por cima do ombro.

– Alguma objeção? – o nobre disse, a frieza quase palpável sobre o menino.

– Na-não! – o garoto fitava a lâmina afiada em suas mãos.

– Bem, crianças, agora que o titio de vocês chegou, é hora de eu ir! – Renji anunciou, levantando-se do chão onde era servido pro mais uma dose de café de mentirinha de Misaki.

– Não, tio! – em uníssono, ambos protestavam e fizeram Byakuya fechar mais o cenho. Que Renji tinha? Açúcar?

– Tio, tio, fica mais! – Ginrei pediu se agarrando aos joelhos do padrinho.

– Não posso, crianças. Seu tio me deixou bem claro que era só até ele chegar! – o ruivo sorriu para Byakuya que virou o rosto.

– Tio...

A pequena menininha que começava a esfregar os olhos comoveu o tenente, que se agachou para abraça-la num carinhoso abraço.

– Amanhã eu passo aqui pra brincar mais com vocês, tá bom? – Renji tentara convencer.

– Ahan! – Misaki assentiu, dando um carinhoso beijo no 'tio' enquanto estendia a boneca que fingiu beijar o tenente.

– Precisa de algo mais, taichou? – Renji perguntou ao se levantar.

'Que você adote essas crianças.' – foi o que Byakuya mentalmente respondeu ao subordinado.

– Nada.

– Me diverti muito hoje! – o ruivo comentou com um sorriso bobo. – Esses guris tem uma disposição e tanto! Ichigo e Rukia são muito felizes de terem crianças tão boazinhas!

– AAAAAH! – o berro de Misaki ecoou pela mansão.

Boazinhas? Byakuya olhava de novo para o pequeno delinquente que acabara de jogar a boneca de Misaki pela janela.

– Ginrei, te odeio! – ela socava em vão o irmão que não fazia esforço para se defender.

'Nisso nós combinamos, garotinha'. – Byakuya pensava ao encarar a mini-Rukia que se debulhava em lágrimas.

– Vá buscar a boneca da sua irmã, seu insolente filho de... filho de Kurosaki Ichigo!

Não, falar que era FILHO DE KUROSAKI ICHIGO era um xingamento bem pior do que dizer que ele era filho de uma mundana. E isso Rukia não era e ele tinha certeza. A maior certeza era ela ter casado e gerado aqueles pequenos monstrinhos que agora lhe aterrorizavam.

– Taichou, está chovendo demais lá fora. – Renji ressaltou. – Ginrei, fiq...

– Vá buscar! – foi tudo que Byakuya disse, interrompendo o tenente.

E xingando o mundo todo, a Soul Society, o Hueco Mundo e quem quer mais que fosse, ao som dos gritos de Misaki e dos trovões lá de fora, sob os olhos piedosos de seu padrinho, Ginrei cumpria as ordens de seu tio.

– Ele tem que começar a me obedecer... Ele sucederá nosso clã! – disse Byakuya, cruzando os braços.

Enquanto isso, os estridentes gritos de Orihime ensurdeciam os que estavam na delegacia.

A mulher estava dando a luz sobre a mesa do delegado cercada pelos dois médicos. Um deles seu marido, que ficava mais andando de um lado para o outro sem saber o que fazer do e o amigo que lhe incentivava e ajudava naquele que devia ser o momento mais difícil de sua vida.

Ao seu lado estava Kuchiki Rukia, ou o que sobrava da baixinha que estava agachada, sucumbido à dor de tantas vezes Inoue apertar com força sua mão. Já devia ter quebrado no mínimo três ossos. Não importava. A morena sorria confiante a futura mãe que alternava gritos e lágrimas.

Também havia os policiais que ficaram a observar de longe, assustados. Alguns chegavam mais próximos para ver a beldade com as pernas bem abertas com o vestido rosa-chá erguido ate a cintura e contemplar o que pertencia a Ishida Uryuu, que estava em choque, absolutamente em choque.

– Ishida, me ajuda aqui! – Ichigo chamou ao vê-lo ir em direção à porta. – Inoue, continue fazendo força! Falta pouco!

– Não, eu simplesmente não acredito que meu filho vai nascer numa delegacia! – o quincy voltava inquieto. – Eu não acredito e A CULPA É TODA SUA, KUROSAKI! – apontou para o rapaz que estava entre as pernas de sua esposa.

– Não é hora de discutir isso, Ishida! – o jovem retorceu os lábios, Venha cá! – Ichigo, impaciente, tentou corta-lo.

– Ishida-kun! – Inoue gemeu, enfraquecida. Já estava cansada.

Ele, prontamente, ao ouvir a esposa, se aproximou.

– Diga, Orihime-san! – solicito, ele se aproximou e capturou a mão da bela mulher.

– Ajuda o Kurosaki-kun... – ela pediu. – Por... favor.

Uryuu estava perdido. Ajeitou os óculos, assentindo e acatando o pedido da esposa. Como negar aqueles olhos lindos daquela que estava prestes a lhe fazer pai?

Beijou-lhe com ternura a fronte banhada em suor, arrancando um suspiro em meio à expressão sofrida da esposa e foi até uma das cadeiras, de onde pegou sua maleta e caminhou em passos firmes até Ichigo.

– Está com uma maleta com seus instrumentos? Eu não acredito! – Ichigo estava indignado. – Eu estou praticamente forçando o parto da Inoue para facilitar e você tem tud... – e mais um grito de Inoue os interrompia. – Isso, Inoue! Mais uma vez! – Ichigo gritou, voltando sua atenção a Ishida que tirava de dentro da maleta um estetoscópio e alguns instrumentos a mais. – Eu te mato, Ishida.

– Meus materiais são muito caros para serem usados por qualquer amador.

– Amador que está fazendo o parto que você, marido da Inoue, não consegue fazer! – Ichigo anunciou. – Pois saiba que tanto quando Ginrei quanto quando Misaki nasceram, EU cuidei de tudo! – disse orgulhoso, mas foi interrompido por outro grito estridente da futura mãe. – Ah, Inoue! Isso! Isso! Empurre! – ele lembrava que tinha de ajuda-la.

Ishida riu e aquilo chamou a atenção de Ichigo.

– Tá rindo do quê?

– É verdade. Por isso que a Kuchiki-san me procurou. Ela não estava satisfeita com seu trabalho nas duas vezes. – o quincy, adornado de um sorriso malicioso nos lábios e uma seringa nas mãos, ironizou.

– Escuta aqui, Ishida, - Ichigo ergueu o dedo indicador, autoritário. – Se você sequer pensar que vai fazer o parto dos meus fi...

– CALEM A BOCA! – Rukia gritou, interrompendo a discussão. – A Inoue está parindo na frente de vocês e estão discutindo idiotices!

E o grito da shinigami fez Ichigo e Ishida pararem na mesma hora.

Um pouco corado, o quincy ajeitou seus óculos, cerrando os olhos antes de se posicionar entre as pernas da amada.

– Bem, vamos come...

Então Ishida abriu o par de olhos azuis e deu de cara com a situação de sua esposa. Quantas vezes já havia feito partos mesmo? Ishida Uryuu, tão conhecido como o famoso obstetra e ginecologista de Karakura, e que realizava talvez 1, 2... 5 partos por dia? Mas definitivamente ele nunca tinha feito o da sua esposa.

– Ishida, que está esperando? – Ichigo disse entre os dentes preocupado mais com a expressão raivosa com a qual Rukia lhe encarava pela demora no procedimento do que com os gemidos de Orihime.

Mas a resposta que Ichigo teve foi ouvir um baque surdo quando o quincy despencou no chão. Ele não havia aguentado. Sucumbira a emoção e desmaiou.

– Ishida?

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– Tio Byakuya, já tem 10 minutos que o Ginrei não volta... – comentou Misaki enquanto arrumava as panelinhas próxima à pequena mesa a qual Byakuya desfrutava de um belo chá.

A imagem mental de Byakuya beirou ao êxtase. Ginrei sendo engolido pelas carpas as quais tentara – e conseguira no caso de algumas – matar mais cedo. Que maravilha...

– Tio! – a menininha chamava, puxando seu yukata azul-marinho.

– Hm? – ele piscou. – Onde é que esse moleque se enfiou?

Calçando de volta as sandálias, Byakuya foi até o jardim externo acompanhado da sobrinha caçula que se agarrava ao hakama dele antes de se soltar e começar a caminhar pelo jardim. Estava preocupado.

– Ginrei! Ginrei! – ele chamou. – Droga...

Nada. Não havia sinal do sobrinho.

– Tio!

A menina gritou e, no meio da chuva, apontou um retalho de roupa no chão. Rasgada, a peça verde-musgo do kimono simples que Ginrei vestia, foi pega por Byakuya que sentiu de longe a reiatsu ainda impregnada na roupa. Não havia duvidas, era dele. Ele viu o liquido vermelho se dissolver no tecido que a chuva banhava. Sangue.

Continua...


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